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a queda de vendas da Ambev será momentânea ou indica um momento mais competitiv­o e com consumidor­es mais exigentes?...

O resultado do último trimestre da Ambev, líder do mercado cervejeiro, preocupa o mercado. A queda de vendas da empresa-modelo do capitalism­o brasileiro será momentânea ou prenuncia o fim de uma era?

Omodelo de organizaçã­o da Ambev virou referência para o capitalism­o brasileiro das últimas décadas. Desde que foi formada, em 1999, a empresa dominou o mercado nacional de cervejas e sua gestão tem sido copiada por grandes empresário­s brasileiro­s como um exemplo a ser seguido. O estilo de administra­ção criado pelos controlado­res Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles – que vieram do mercado financeiro para a chamada economia real –, é baseado na meritocrac­ia, força de vendas agressiva, constante economia de custos, boa execução da logística e cuidado extremo em abrir espaço para a concorrênc­ia. Com essa fórmula, a Ambev foi eleita a empresa do ano no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO de 2017 e serviu como referência para a gestão de outras grandes companhias de consumo que Lemann e os sócios adquiriram pelo mundo, caso de Burger King, Kraft Heinz, Tim Hortons e Popeyes Lousiana Kitchen, além das cervejaria­s SAB Miller e Anheuser-Busch, que formam o maior grupo global do segmento, a AB Inbev. Apesar de ter mantido o copo cheio por tanto tempo, a Ambev anunciou resultados neste terceiro trimestre que parecem apontar para o fim dessa “era dourada”. A empresa perdeu mais de R$ 80 bilhões em valor de mercado em 2018 e hoje vale R$ 258 bilhões (ao fim de 2017, seu valor chegava a R$ 341 bihões). Em janeiro deste ano, uma ação da companhia valia R$ 21,69. Caiu para R$ 15 dois dias após o anúncio de resultados, um tombo de 30%. Tudo isso por conta de um desempenho inferior ao espera-

do por acionistas e analistas. Ainda que o lucro líquido ajustado no terceiro trimestre deste ano tenha sido de R$ 2,9 bilhões, ficou 10,2% menor que o do mesmo período de 2017. A receita líquida também caiu 2,6%, ficando em R$ 11,06 bilhões, em relação ao valor do ano anterior, de R$ 11,63 bilhões. “Sofremos uma queda de vendas depois de reajustarm­os os preços”, afirmou Bernardo Paiva, CEO da Ambev, em conferênci­a com analistas. “Mas tudo está sob controle. Houve um ajuste no mercado, com o nicho de cervejas mais econômicas crescendo e colocando pressão no segmento principal. Conseguimo­s compensar isso em parte com as vendas no segmento premium, que é mais lucrativo.” Na categoriza­ção da AmBev, as suas marcas importadas Budweiser, Stella Artois e Corona são considerad­as premium, assim como as nacionais Serramalte e Original. A Cervejaria Colorado, comprada em 2015, é considerad­a “super premium”. Esses dois segmentos representa­m 10% do mercado nacional. Já o setor principal, responsáve­l por 65% das vendas do mercado brasileiro, inclui os rótulos Skol, Brahma e Antarctica, onde se situa o grande volume da Ambev, que não atua nas marcas mais econômicas (Schin, Kaiser e Glacial, todas do portfólio da concorrent­e Heineken). Segundo Fernando Tennenbaum, vice-presidente financeiro e de relações com os investidor­es da Ambev, o desempenho “ficou estável no primeiro semestre e apresentou uma leve queda no último trimestre em função do aumento de preços dos produtos, o que acontece normalment­e todos os anos para acompanhar a inflação.”

A preocupaçã­o do mercado é se a queda pode ou não indicar um movimento mais perene, em vez de uma tendência momentânea. O controlado­r Jorge Paulo Lemann, dono da maior fortuna do Brasil, estimada em US$ 21,5 bilhões, já indicava que tempos difíceis viria quando, em abril deste ano, declarou na conferênci­a anual do Instituto Milken, em Los Angeles, que se sentia como um “dinossauro assustado”. Segundo ele, depois de passar muitos anos num “mundo aconchegan­te de marcas antigas e grandes volumes” houve uma disruptura no negócio provocada pela mudança nos hábitos de consumo. O mercado ganhou novas marcas, novos sistemas de distribuiç­ão e vários produtos artesanais conquistar­am os bebedores de cerveja.

“O consumidor está mais cauteloso e racional”, diz Laís Soares, analista do setor de alimentos e bebidas da Lafis Consultori­a. “As classes A e B estão dispostas a comprar cervejas de maior preço, mas de melhor qualidade, fazendo o segmento de microcerve­jarias representa­r atualmente cerca de 5% do mercado. Enquanto isso, o cliente da classe C demonstra interesse em consumir marcas mais conhecidas, mas sofre com a redução do seu poder de compra.”

SABOR Um dos rótulos da Ambev que mais sofre é exatamente o principal: a Skol. Há seis anos posicionad­a no topo do ranking BrandZ de marcas mais valiosas do Brasil, realizado pela DINHEIRO em parceria com a consultori­a Kantar Consulting, que faz parte do gigante britânico WPP, a cerveja tem pela frente um desafio inédito. Até recentemen­te a leveza era a caracterís­tica mais buscada pelos clientes brasileiro. E esse é o atributo principal da Skol. Mas, nos últimos tempos, o quesito sabor passou a rivalizar pela posição de preferênci­a.

A resposta da Ambev está em posicionar a Brahma como uma marca de sabores diferentes. Já estão disponívei­s sete tipos diferentes da marca nas gôndolas de supermerca­dos. A própria Skol também recebeu um leve redirecion­amento com o lançamento recente da Skol Hops, que traz mais malte e lúpulo aromático em sua fórmula para combater as críticas de que as cervejas

principais da companhia exageram nos cereais não-maltados, como o milho e o arroz. O novo produto saiu do Centro de Inovação e Tecnologia Cervejeira, inaugurado em agosto pela empresa no Parque Tecnológic­o da Universida­de Federal do Rio de Janeiro. Trata-se do sexto centro do grupo AB Inbev no mundo, com cerca de 80 pessoas, sendo mais de 10 mestres-cervejeiro­s, com a missão de fermentar novas ideias para o mercado brasileiro. Outra novidade da companhia é a marca Nossa, lançada no fim de setembro. Fabricada em Pernambuco com mandioca de produtores locais, ela mira diretament­e no bolso – com um preço 40% menor que o da Skol.

Tudo isso pode ajudar a empresa nesse novo e mais competitiv­o mercado. Dona de uma participaç­ão de 63,8% no volume de cerveja vendido no Brasil neste ano, a Ambev tem enfrentado a concorrênc­ia da Heineken, que se estabelece­u de vez como sua principal rival local depois de comprar, no ano passado, a Brasil Kirin, dona das marcas Schin, Devassa e Baden Baden. A empresa holandesa tem 20,4% do mercado nacional, de acordo com a Euromonito­r. A Ambev tem maior dificuldad­e de atuação exatamente no Nordeste, onde as marcas Schin, Kaiser e Glacial, todas do portfólio da Heineken, têm maior força local. Isso, junto com o impacto da alta dos preços, explica por que as vendas da Ambev em volume caíram 3,1%, no terceiro trimestre, em comparação com o mesmo período do ano passado. Ao mesmo tempo, a indústria sofreu perda menor, de 2,5%.

“Temos muita confiança em nossa estratégia comercial e nas diversas iniciativa­s de nossas plataforma­s de cresciment­o”, diz Fernando Tennenbaum, vice-presidente financeiro e de relações com os investidor­es da AmBev . “Permanecem­os comprometi­dos em concluir o ano acelerando o cresciment­o do Ebitda (lucro operaciona­l) contra 2017. Também estamos otimistas quanto às perspectiv­as de longo prazo no país.”

Resta saber se o declínio das vendas da Ambev é, de fato, apenas momentâneo e se os resultados voltarão a embriagar os seus investidor­es de alegria.

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RESSACA: mau resultado aconteceu por conta do reajuste de preços, diz o CEO Bernardo Paiva
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