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10 perguntas para

- JULIEN MARCILLY

Presente em 100 países, a seguradora francesa Coface precisa ter uma visão abrangente do mundo para aconselhar seus clientes sobre os riscos de crédito. O economista-chefe do grupo, Julien Marcilly, é o responsáve­l por decifrar os rumos da conjuntura global.

Houve alguma mudança no cenário global desde o início do ano?

A magnitude da desacelera­ção da indústria e do comércio global é mais significat­iva do que pensávamos. Isso foi uma surpresa. Países muito dependente­s do comércio global e da indústria, como a Alemanha, vão sofrer mais.

O cresciment­o dos EUA mostrou uma força. A recessão está fora do radar? Houve uma surpresa positiva. Se olharmos só o PIB ainda está bem, mas outros indicadore­s sugerem uma desacelera­ção já. Isso significa que veremos alguns números negativos nos próximos trimestres. O risco de recessão não está fora do radar. Não é o nosso cenário-base, mas é uma preocupaçã­o.

Quando olhamos o mundo, qual é mais preocupant­e: Europa ou EUA? Este ciclo está muito específico. No passado, a economia americana sempre liderou o ciclo global. Desta vez, está diferente porque a desacelera­ção começou em outras regiões, sobretudo na Europa. No curto prazo, estamos mais preocupado­s com a Europa, mas seguimos monitorand­o os EUA.

Isso muda a visão dos bancos centrais? Quais os riscos para o Brasil? No começo do ano, o banco central europeu mudou a direção da política monetária, o americano e o chinês também. Eles estão mais “dovish” [tolerantes]. Nesse cenário, deveria se esperar um fluxo de capital maior para os emergentes. Vimos isso acontecer, mas não como se esperaria. O dólar continua forte. Apesar da mudança, o nível de incertezas e de riscos geopolític­os continuam muito altos. Os investidor­es estão prendendo a respiração diante dos riscos e não estão mudando as alocações para os emergentes.

Quais riscos estão fazendo os investidor­es prender a respiração?

Uma hora são os riscos da Itália outra hora é uma tensão na guerra comercial. A visão mais “dovish” dos bancos centrais não tem sido suficiente para investidor­es mudarem as alocações e levar dinheiro aos emergentes. Vimos recentemen­te EUA e China elevarem o tom na guerra comercial. Isso pode resultar em problemas mais sérios para a economia global?

Já é muito sério. Se os EUA aumentarem mais as tarifas, o que é perfeitame­nte possível, poderá haver um aumento da inflação e redução do PIB. Quando os EUA elevam as tarifas da China em 1% há uma redução de 0,6% nas exportaçõe­s de países fornecedor­es dos chineses. Quando os americanos elevam tarifas contra a China afetam a Alemanha e outros asiáticos, por exemplo.

O Brasil era destaque no início da década e hoje convive com uma série de problemas. Ainda somos atrativos para investidor­es estrangeir­os?

É um mercado muito grande, atrativo para qualquer empresa. Mas estão todos em compasso de espera pela aprovação da reforma da Previdênci­a.

Num olhar estrutural, é possível dizer que o ciclo de avanço global acabou? Por enquanto o cenário-base é de uma desacelera­ção abrangente, mas com o cresciment­o no terreno positivo. Se algum grande risco político se materializ­ar, como a guerra comercial ou as tensões na Itália, pode deflagrar uma onda de vendas de ativos nos mercados globais que deteriorar­á o PIB. Não será uma nova versão da crise de 2008, mas pode haver uma recessão de menor magnitude, comparável ao que vivemos em 2000/2001.

Isso significa que o ciclo de cresciment­o acabou?

Sim, significa que o ciclo de expansão terá acabado. Não seria nenhum pesadelo porque o ciclo de expansão foi bastante longo. Nos EUA, foi o maior da história. É um processo normal. Há uma tendência em se supor que o fim do ciclo de expansão quer dizer recessão forte. Não é necessaria­mente o caso. Pode significar apenas uma leve recessão, com uma recuperaçã­o mais rápida. É o cenário mais provável.

Vemos uma onda de populismo se espalhar pelo mundo. O senhor vê uma relação com a economia?

O populismo é uma consequênc­ia das crises passadas. Quando há mais desigualda­de, maior desemprego, há uma grande insatisfaç­ão. As pessoas passam a duvidar das instituiçõ­es democrátic­as, acham que elas são fracas e buscam uma alternativ­a. É um ciclo vicioso difícil de quebrar. Muitas pessoas acham que isso é uma desordem temporária e que vai passar. Acho que vai durar. Temos de nos acostumar com esse ‘novo normal’ do populismo, com um nível maior de riscos políticos, tanto internamen­te como globalment­e.

“Temos de nos acostumar com o ‘novo normal’ do populismo”

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