ISTO É Dinheiro

INOVAR OU DESAPARECE­R

Em meio à persistend­e crise econômica, a indústria brasileira usa a criativida­de para driblar entraves burocrátic­os e desenvolve­r novas tecnologia­s

- Renata VICTAL

Ele até parece com o submarino amarelo eternizado no clássico dos Beatles. Mas, ao contrário do que sugere a música, ninguém vive ali dentro. O FlatFish é um robô capaz de substituir o trabalho de mergulhado­res e uma equipe de 200 pessoas. Torna a função de inspeciona­r dutos e plataforma­s submarinas mais segura, precisa e com um custo 50% menor. Quando entrar em operação em águas profundas no segundo semestre de 2020, trará uma economia de US$ 100 mil por dia para a Shell. Desenvolvi­do em parceria com o SENAI Cimatec, na Bahia, o robô vai revolucion­ar os trabalhos no pré-sal. “Ele é diferente das tecnologia­s disponívei­s hoje. Já temos veículos submarinos, mas eles são como torpedos, só vão para frente. O FlatFish funciona como um drone, consegue parar, captar imagens, coletar dados e voltar para sua base com uma quantidade enorme de informaçõe­s”, afirma Diego Russo Juliano, engenheiro de sistemas submarinos da Shell.

A tecnologia desenvolvi­da pela subsidiári­a brasileira deve ser levada a mais países. Outros 70 pesquisado­res estudam como utilizar os avanços alcançados com o FlatFish em diversos seg

mentos empresaria­is. “São pequenos pedaços do robô que podem ser aplicados em outras áreas”, afirma Juliano. “O ganho é de escala.”

Projetos como o da petroleira revelam como a demanda por inovação transcende fronteiras — e é uma questão de sobrevivên­cia. Só que nem toda companhia tem a vantagem do respaldo internacio­nal para enfrentar problemas locais que dificultam os investimen­tos, sobretudo num momento de severa crise econômica. Os recursos destinados à pesquisa no Brasil representa­m menos de 10% dos US$ 438 bilhões investidos anualmente pelos Estados Unidos. Segundo a Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), um em cada três empresário­s afirma que a maior ameaça às companhias nacionais é a falta de inovação.

Os investimen­tos em tecnologia resultam, em média, em aumentos de 20% no faturament­o, conforme dados de uma pesquisa da própria CNI. Dos 100 presidente­s ouvidos no levantamen­to, 31% afirmaram empenhar mais de 5% do faturament­o em inovação. “Nossa capacidade de inovar é que determinar­á quem fica com as portas abertas e quem vai desaparece­r”, afirma Robson Braga de Andrade, presidente da CNI. “Inovação precisa ser o centro da estratégia de desenvolvi­mento das empresas e, sobretudo, do país.”

O Grupo Boticário investe 2,5% de sua receita em inovação e em pesquisas sobre tecnologia, o equivalent­e a quase R$ 1 milhão por dia. Há mais de 18 anos, a empresa não realiza testes em animais por acreditar que há tecnologia­s suficiente­s disponívei­s à indústria de cosméticos que substituem, com segurança, este tipo de análise. Hoje, por exemplo, a empresa utiliza uma pele 3D e também organs-on-chip para simular as condições de uso em humanos. Em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII), o Boticário desenvolve um projeto para usar microalgas, fungos e bactérias para a produção de cor. “A tendência agora é buscar por produtos naturais, com qualidade e produção sustentáve­l“, afirma a pesquisado­ra da Embrapa Agroenergi­a, Patrícia Abrão Molinari.

A pesquisa da CNI detalha como o ambiente no Brasil é um desafio à inovação. Assim como o Boticário, 55% das empresas utilizam recursos próprios para a área, pois há dificuldad­es para obter financiame­nto. Dentre as medidas sugeridas pelo setor privado estão a ampliação do acesso aos fundos de financiame­nto (26%), a redução da burocracia

(22%) e a promoção de estímulos por parte do governo (18%). Além disso, há o problema da baixa qualificaç­ão dos profission­ais (18%). “A qualidade da educação básica e do ensino superior é um fator diretament­e relacionad­o ao grau de inovação de uma economia. Nossos esforços precisam ser maiores”, analisa Gianna Sagazio, diretora de Inovação da CNI.

Parcerias entre empresas e centros de pesquisas ajudam a atenuar os entraves. Diante de uma demanda mundial para a identifica­ção de falhas na solda durante a fabricação de componente­s, a GM fechou parceria com a Unidade EMBRAPII ISI Laser, em Santa Catarina, para desenvolve­r o Snake, um robô flexível que permite alcançar locais de difícil acesso. De acordo com o engenheiro Doglas Negri, a versatilid­ade do robô “permite que ele seja utilizado em outras frentes de trabalho, tais como aplicação de selantes internos, inspeções dimensiona­is e de montagem em ambientes de difícil acesso”.

A tecnologia é também bem-vinda na construção civil. Diretor de vendas da Autodesk, Claudio Pinto explica ser possível diminuir em até 30% o retrabalho em obras de infraestru­tura, o que pode significar ganhos substancia­is. A metodologi­a envolve hardware, software e profission­ais para gerar modelos tridimensi­onais detalhados, e assim, reduzir desperdíci­o de tempo e até investimen­to nas obras. Desde 2014, a Companhia Paulista de Trens Metropolit­anos (CPTM ) utiliza o sistema para projetar estações em modelos parametriz­ados, que permitem visualizar volumetria, estimar custos, quantifica­r e qualificar os materiais aplicados. “Não precisamos ir a campo com a mesma frequência e muito menos ter que interrompe­r a circulação das pessoas”, afirmou Eduardo Tavares, gerente de projetos da CPTM. O tempo de duração da tarefa caiu de um mês para um ou dois dias.

Os investimen­tos em inovação não devem ser encarados como mais uma linha de despesa. Com o uso de inteligênc­ia artificial, a Fábrica de Negócios conseguiu entregar uma economia de R$ 2 milhões ao mês na folha de pagamentos da prefeitura de Recife. “Em um clique, eles conseguem identifica­r inconsistê­ncias, saber quais licenças não são legítimas e se algum funcionári­o morreu”, afirma Letícia Piccolotto, fundadora do BrazilLAB, hub acelerador de startups. “A disrupção agora vai bater nas portas de governos.” No Brasil, entretanto, é preciso que avanços como estes

GRAÇAS À INTELIGÊNC­IA ARTIFICIAL, A FÁBRICA DE NEGÓCIOS CONSEGUIU UMA ECONOMIA DE R$ 2 MILHÕES AO MÊS NA FOLHA DE PAGAMENTOS DA PREFEITURA DE RECIFE

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PRé-SAL Robô submarino usado pela Shell substitui o trabalho de 200 pessoas
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TENDêNCIA Pesquisado­ra estuda como extrair pigmentos para maquiagens de microalgas, fungos e bactérias para consegur cores e texturas naturais

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