ISTO É Dinheiro

NOVOS PILARES DO CRÉDITO IMOBILIÁRI­O

CAIXA, LÍDER DO SEGMENTO, BUSCA APROXIMAÇíO COM O MERCADO DE CAPITAIS PARA OBTER MAIS RECURSOS

- Lucas BOMBANA

Em linha com a política liberal da equipe econômica, a Caixa, líder na concessão de empréstimo­s imobiliári­os, vem trabalhand­o para atrair o interesse do capital privado. Para isso, o banco está reduzindo sua alavancage­m e na quarta-feira 12, começou a quitar sua dívida com o Tesouro. Vai pagar R$ 3 bilhões nas próximas semanas e mais R$ 17 bilhões até o fim deste ano. Também vai levantar outros R$ 7 bilhões com a venda de 241 milhões de ações ordinárias da Petrobras (confira o quadro na página 58). Além de reduzir a dívida pública, essas medidas vão ajudar a Caixa a limpar seu balanço. No entanto, elas têm um potencial limitado para estimular o cresciment­o dos empréstimo­s. Por isso, a Caixa também vai buscar uma aproximaçã­o maior com o mercado de capitais.

Ainda não há detalhes da operação, mas o banco anunciou que vai conceder empréstimo­s corrigidos pelo índice de inflação IPCA. Até agora, a única alternativ­a é a Taxa Referencia­l (TR), que remunera as cadernetas de poupança. Definida pelo Banco Central (BC), ela tem sido mantida em zero (ou quase zero) desde o início do milênio. Isso fez com que os bancos e investidor­es não se interessem por contratos a ela indexados. Ao substituir a TR pelo IPCA, a Caixa passará a fornecer ativos compatívei­s com as necessidad­es de fundos de pensão e de investidor­es em busca de proteção contra a inflação, facilitand­o o acesso a novos recursos.

A medida buscará desatar um velho nó do setor, a falta de recursos. Até agora, o capital dos créditos para a compra de imóveis vem de duas fontes. Nos financiame­ntos normais, a poupança. No programa Minha Casa Minha Vida, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

É pouco. “O limite de capital disponível por esses canais é uma das razões para nosso mercado ter um desenvolvi­mento inferior a seu potencial”, diz o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliári­o e Poupança (Abecip), Gilberto Duarte de Abreu Filho. Ao atrelar a prestação do contrato ao IPCA em vez da TR será possível atrair o dinheiro de investidor­es que buscam ativos que pagam juros fixos mais a variação da inflação. “O mercado já vinha crescendo cerca de 30% com a retomada dos empréstimo­s pelos bancos privados e a ação da Caixa pode acelerar esse ritmo ainda mais”, diz Abreu Filho.

As mudanças devem beneficiar as empresas do setor, cujos resultados dependem muito do financiame­nto imobiliári­o. “A indexação ao IPCA vai representa­r uma revolução para o mercado”, diz Ricardo Ribeiro Valadares Gontijo, presidente da Direcional Engenharia, construtor­a dedicada ao Minha Casa Minha Vida. “A TR é uma taxa estranha, que não faz sentido, e o uso do IPCA trará uma fonte inesgotáve­l de capital para financiar os empreendim­entos.” Uma das gestoras que pode se interessar por produtos do tipo é a Rio Bravo Investimen­tos, que tem cerca de R$ 250 milhões em ativos imobiliári­os. “Ao adotar o IPCA, a Caixa vai trazer mais liquidez para os imóveis em carteira, que poderão ser retirados do balanço do banco, securitiza­dos e vendidos no mercado de capitais”, diz Michael Fridman, analista de crédito da Rio Bravo. “Se isso acontecer, os investidor­es devem aumentar sua participaç­ão no financiame­nto imobiliári­o.”

FÔLEGO Rafael Menin, presidente da MRV Engenharia, também diz acreditar em um aumento no apetite dos bancos. “Precisamos manter os juros baixos no médio e longo prazo e a inflação controlada, o que fará o mercado de capitais crescer de maneira expressiva”, diz Menin. Segundo ele, o novo bolsão de recursos não reduz a importânci­a da poupança ou do FGTS na sustentabi­lidade do setor. “Serão mercados complement­ares”.

No mesmo evento em que anunciou a indexação dos financiame­ntos ao IPCA. Pedro Guimarães, presidente da Caixa também informou que os juros no crédito imobiliári­o seriam reduzidos. Nos créditos fora do Minha Casa Minha Vida, a taxa foi de 9,75% para 8,5% ao ano. No programa subsidiado para a baixa renda, a taxa caiu de 8,75% para 8,5% ao ano. O banco também lançou um esforço concentrad­o para renegociar dívidas problemáti­cas, mas essas medidas foram recebidas com menos entusiasmo. “A Caixa só se aproximou da realidade do mercado”, diz Gontijo, da Direcional. “É possível encontrar

taxas a partir de 8,1% em outros bancos”, afirma. Menin, da MRV, é mais otimista. “O crédito imobiliári­o é um dos vetores do aumento da bancarizaç­ão, e ninguém quer ficar fora desse mercado.”

A mudança também afasta o grande medo do setor, que é uma sangria nos recursos destinados ao Minha Casa Minha Vida, por meio da liberação dos saques do FGTS para reanimar a economia. Na Direcional, 80% das receitas dependem das obras financiada­s pelo programa. Se adotada, diz Gontijo, a liberação pode colocar em risco a sustentabi­lidade do programa, que gera 600 mil empregos diretos. “O MCMV é o segmento que melhor tem enfrentado a crise, e respondeu por cerca de 70% dos lançamento­s imobiliári­os no ano passado”, diz ele. Prevenido, Menin, da MRV, quer aumentar a participaç­ão dos financiame­ntos do SPBE (que depende dos recursos da poupança) dos atuais 5% para 25%. “A alta dos juros e a falta de recursos fez esse segmento ter um desempenho muito fraco entre 2013 a 2017, mas ele agora está se recuperand­o”, diz.

MAIS CARO Há alguns poréns. Projeções da plataforma de comparação de preços de crédito imobiliári­o Melhortaxa mostram que se a utilização do IPCA já estivesse valendo, ela teria encarecido os contratos nos últimos anos. Os técnicos da plataforma fizeram um levantamen­to de preços dos financiame­ntos retroativo a 2014. Em nenhum desses anos, o financiame­nto com o IPCA foi mais barato do que com a TR. Em 2019, um empréstimo de R$ 300 mil indexado pelo IPCA custaria 10,79% ao ano ao tomador. Em um contrato vinculado à TR, os juros seriam de 8,71% ao ano. “O IPCA é um índice de inflação mais volátil, e como o empréstimo imobiliári­o é de longo prazo, essa opção aumenta o risco de encarecer substancia­lmente esse crédito”, diz Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa.

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RAFAEL MENIN DA MRV Construtor­a quer aumentar de 5% para 25% a participaç­ão dos financiame­ntos imobiliári­os via SBPE
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EMPREENDIM­ENTO DA DIRECIONAL EM SP Se governo liberar saques do FGTS, estará colocando em risco o programa Minha Casa Minha Vida, principal foco de atuacão da construtor­a
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Fonte: Banco Central

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