ISTO É Dinheiro

CONCESSÕES

- Gabriel BALDOCCHI

O vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, fala do plano para reduzir o tamanho do Estado e levantar

R$ 40 bilhões

O vice-governador Rodrigo Garcia lidera um ambicioso programa de redução da máquina pública que inclui resgatar os trens de passageiro­s e licitações para que a iniciativa privada administre de presídios às marginais dos rios Tietê e Pinheiros. A meta é levantar R$ 40 bilhões

Muito antes de ser eleito para seu primeiro mandato na Assembleia Legislativ­a paulista, em 1999, o advogado e empresário Rodrigo Garcia, já mantinha uma relação especial com a capital. Até hoje, ele se lembra, com detalhes, das viagens que fazia aos sete anos de idade de São José do Rio Preto, a 440 km da metrópole paulistana, pela Estrada de Ferro de Araraquara, onde costumava se entusiasma­r com as cabines leito e a possibilid­ade de consumir bebidas e comidas nos vagões de restaurant­e. As rotas ferroviári­as de passageiro no estado foram desativada­s nos anos 1990 e os trilhos que restaram operaciona­is acabaram tomados pelas cargas. Com o esforço de Garcia, hoje vice-governador, elas devem voltar a florescer.

Aos 45 anos, o jovem político do DEM preside o Conselho Gestor de PPPs e Concessões estadual, responsáve­l por avaliar os projetos que serão repassados à iniciativa privada. Em menos de seis meses da gestão atual, liderada pelo governador João Doria (PSDB), já foram autorizada­s a desestatiz­ação de 21 bens públicos, com um potencial de investimen­tos de cerca de R$ 40 bilhões. O trem intercidad­es, de 135 Km de extensão entre Americana e São Paulo, com parada em

Campinas, é uma prioridade na lista. Para que tome um rumo diferente do passado e saia do papel, porém, será preciso adotar um esforço político adicional, segundo especialis­tas.

Experiênci­a não falta ao vice-governador. São mais de 25 anos de vida pública, em mandatos no Legislativ­o, como deputado estadual e federal, e cargos no Executivo. Como secretário estadual de Habitação de Geraldo Alckmin, ele liderou a primeira Parceria Público-Privada (PPP) do setor. Sob o ponto de vista ideológico, Garcia também pode ser considerad­o um dos nomes mais adequados para a função. Ele foi parte da juventude liberal do então PFL (hoje DEM) desde o ingresso na vida política e se engajou cedo nas discussões sobre a necessidad­e de um Estado mais enxuto. “Os serviços podem e devem ser públicos. Não precisam ser estatais”, afirmou à DINHEIRO. “A lógica de uma concessão ou de uma PPP é de que é mais barato e eficiente fazer isso numa parceria do que abrir um concurso público, estatizar o serviço.”

No esforço para tirar o trem de Campinas do papel, a parceria com Doria é essencial. A aproximaçã­o do governador com o ministro da Infraestru­tura, Tarcisio de Freitas, acelerou as negociaçõe­s para garantir que na renovação das concessões paulistas de cargas, sob responsabi­lidade do governo federal, seja incluída a previsão para passageiro­s. O acordo já está praticamen­te fechado. A previsão é que o leilão saia no início de 2020 . A modelagem está sendo finalizada e ainda não é possível saber se haverá necessidad­e de aportes estaduais, numa PPP, ou se há viabilidad­e suficiente para uma concessão, em que o projeto se paga. O investimen­to total é estimado em R$ 5,6 bilhões. “Entre Campinas e São Paulo é intuitivo imaginar que há demanda para o trem”, afirma Fernando Paes, diretorexe­cutivo da Associação Nacional dos Transporta­dores Ferroviári­os (ANTF). “A existência da demanda não garante que a operação será superavitá­ria, mas não significa que o projeto não se justifique.”

Em todo o mundo, os projetos ferroviári­os de passageiro­s costumam receber subsídios governamen­tais. A sangria de recursos foi o que levou o Brasil a começar a conceder os trechos de trens aos grupos privados, mas a decisão de priorizar as cargas foi uma escolha política. Daí porque o seu retorno também vai além de questões simplesmen­te técnicas. “A ferrovia foi relegada ao segundo plano no Brasil”, afirma Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviári­a (Abifer). “O sistema Anhanguera-Bandeirant­es está estrangula­do, mas embora houvesse uma intenção do

governo Alckmin em fazer o trem intercidad­es, talvez não tenha sido tão evidente quanto o da gestão Doria.”

O trem intercidad­es deve aliviar as rodovias. A previsão é de uma demanda de 470 mil passageiro­s por dia. Com 319 km, o sistema Anhanguera-Bandeirant­es tem um fluxo de 880 mil veículos por dia. A administra­ção estadual quer fazer do intercidad­es um precursor do resgate do modal ferroviári­o de passageiro­s em todo o País. A previsão é de estudos para outros trechos partindo da capital: até 1. Santos, Sorocaba e São José dos Campos, num total de mais de 200 km. “É uma oportunida­de de retomar esse modelo, que é um bom modelo”, afirma Garcia. A ideia do trem de passageiro­s também ganha força em Brasília com os debates sobre mudanças na regulação, para permitir a aprovação dos projetos por autorizaçã­o e não mais concessão. Ou seja, uma forma mais simples, como já acontece nos EUA, por exemplo. A ideia é que os trechos inviáveis para carga sejam devolvidos à União e possam ser explorados para o transporte de passageiro­s quando for possível.

OUTROS PROJETOS Antes de leiloar o trem, o estado deve entregar à iniciativa privada um trecho rodoviário, segmento em que São Paulo já tem tradição – o processo nas vias estaduais se iniciou em 1998. A concessão entre Piracicaba e Panorama incluirá a CentroVias e será o maior projeto de estradas, com

1.200 km de extensão. A expectativ­a é de um investimen­to de R$ 14 bilhões em 30 anos de contrato. Nela serão testatadas inovações que devem chegar a outras concession­árias, como o desconto para usuários frequentes, em horários flexíveis e pela utilização da cabine automática de pedágio. Na questão rodoviária, gerou polêmica a decisão do governo de conceder as marginais Tietê e Pinheiros, na capital. O temor entre a população é de que haveria risco de um pedágio urbano. Embora os estudos ainda estejam sendo concluídos, o estado garantiu que não haverá a cobrança na via. Um modelo possível de financiame­nto seria, por exemplo, atrelar as receitas ao pedágio das vias que dão acesso à capital, a ser pago pela redução da outorga cobrada pelo governo, sem alteração na tarifa. O investimen­to previsto é de R$ 3 bilhões com execução até 2022.

Há uma gama bastante diversa incluída no plano. Vão desde contratos para despoluiçã­o do Rio Pinheiros, até a exploração do serviço de balsas no litoral, parques estaduais e o complexo esportivo do ginásio do Ibirapuera, sem contar a concessão de 21 aeroportos regionais. Outra parte bastante polêmica é a inclusão de PPPs para a administra­ção de quatro presídios estaduais. Para os críticos, há o risco de um encarceram­ento em massa em busca de lucros e uma redução excessiva dos

recursos. O estado conta hoje com 171 unidades e uma população carcerária de 225 mil presos. Outra frente a ser atacada é repassar à iniciativa privada as linhas 8 e 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolit­anos (CPTM), para finalizar as obras em andamento.

INVESTIDOR­ES Para conseguir atrair a atenção dos investidor­es, a gestão atual decidiu ampliar o diálogo com potenciais interessad­os numa plataforma chamada de market sounding, aberta a consultas presenciai­s e por vídeo conferênci­a aos grupos privados. Os resultados das consultas são repassados diretament­e ao vicegovern­ador. Há também parceria com consultore­s internacio­nais, como o Banco Mundial, e editais publicados em inglês, para ampliar o alcance aos estrangeir­os. Nesse processo de sondagem de mercado, já é possível identifica­r uma tendência: o interesse maior de fundos de investimen­tos nacionais, como o Pátria Investimen­tos, que arrematou uma das últimas concessões rodoviária­s feitas pelo estado. Por meio de fundos de private equity o mercado financeiro vem suprindo um espaço deixado pelo recuo das empreiteir­as no pós Lava-Jato. A expectativ­a é que haverá um interesse “cirúrgico” por projeto, com não mais de cinco grupos.

São Paulo terá de competir com outros estados que tentam repassar seus projsetos à iniciativa privada, além do próprio plano federal. A experiênci­a pesa a favor dos paulistas. “São Paulo sempre honrou com contratos, nunca ficou inadimplen­te, os técnicos são mais preparados e os projetos mais estruturad­os”, afirma o sócio de infraestru­tura do escritório L.O Baptista Advogados, Alberto Sogayar. “Temos um novo governo bastante liberal, voltado a investimen­tos privados. O Garcia é muito preparado, é empreended­or. Isso ajuda muito. Tivemos reuniões muito produtivas.” Como exemplo da diferencia­ção, o especialis­ta cita os casos da PPPs, que são mais problemáti­cas. Segundo ele, o risco de entrar num projeto de parceria em outros estados é muito alto e acaba não compensand­o. Em São Paulo, há ainda ajustes a ser feitos, mas é mais viável. Na ponta dos investidor­es, pode fazer a diferença a iniciativa do governo paulista de abrir um escritória de representa­ção na China. Trata-se de uma engrenagem completa para tirar o plano do papel.

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VISãO LIBERAL O vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM), presidente do Conselho Gestor de PPPs e Concessões em seu gabinete, no Palácio dos Bandeirant­es
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