ISTO É Dinheiro

ENTREVISTA

- Por Carlos Eduardo VALIM

“Se o Brasil seguisse os padrões internacio­nais, atrairia empresas e investimen­tos”, diz Alexandre de Juniac, CEO da IATA

O principal executivo da Associação de Transporte Aéreo Internacio­nal falou à DINHEIRO sobre como o País deve conduzir as privatizaç­ões de aeroportos, regular a atuação das empresas nacionais e estrangeir­as — e rever a pesada carga tributária sobre a atividade

“No Brasil, não vejo um equilíbrio correto entre a necessidad­e de proteger o interesse dos passageiro­s e das empresas aéreas”

Entre 2009 e 2011, Alexandre de Juniac foi chefe de gabinete do ministério da economia francês, então comandado por Christine Lagarde, atual chefe do Fundo Monetário Internacio­nal. Depois, como CEO da Air France, conduziu uma integração com a holandesa KLM e serviu como presidente do conselho das operações combinadas. Desde 2016, ele ocupa a posição de principal executivo da IATA, a Associação de Transporte Aéreo Internacio­nal, que reúne empresas aéreas de todo o mundo. Ele esteve no Brasil e falou com a DINHEIRO um dia antes da reunião com o presidente Jair Bolsonaro para apresentar a visão das companhias aéreas globais para o mercado brasileiro. No início de junho, a IATA reviu as projeções para 2019, reduzindo em 21% a projeção de lucro do setor, queda de 6,7% em comparação com 2018. A receita, no entanto, deve crescer 6,5% neste ano, para US$ 865 bilhões.

DINHEIRO – Este ano começou com boas previsões de cresciment­o para o mercado mundial de aviação. Em especial, as de médio e longo prazo. As condições mudaram? ALEXANDRE DE JUNIAC – Temos quatro bilhões de passageiro­s no mundo. Para 2019, publicamos uma previsão esperando um ano decente em termos de rentabilid­ade, mantendo o mesmo nível de 2018. E, para

2020, a expectativ­a era de que a rentabilid­ade ficasse acima do custo de capital pelo quinto ano seguido, o que para o nosso setor é excepciona­l. Mas não estamos indo tão bem. Há muitas incertezas, como o preço do petróleo, as consequênc­ias da guerra comercial e das medidas protecioni­stas adotadas.

Qual será o impacto do aumento do preço do petróleo e da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China?

O preço do petróleo afeta imediatame­nte os negócios. Causa uma perda de lucrativid­ade. O combustíve­l responde por cerca de 23% do custo total das operações das empresas aéreas. No Brasil é ainda pior: chega a 30%, devido aos pesados impostos. Vemos claramente uma diminuição no ritmo de cresciment­o do PIB em diversas partes, como na China e na Europa. Por isso, divulgamos uma revisão das expectativ­as.

A alta do combustíve­l é o que explica as empresas aéreas brasileira­s sofrerem tanto? Não deveria haver razão para isso. O Brasil produz até 80% de sua gasolina de aviação. Além disso, é um país de rápido desenvolvi­mento no setor. Em especial, era antes da recessão. É um país grande, que tem fabricante­s de aviões e empresas aéreas fortes, além de contar com europeias que atuam aqui. Há uma boa infraestru­tura e o controle de tráfego está funcionand­o bem. Mas o setor sofre com os altos custos de operação 0e com uma regulação complexa.

A Avianca no Brasil entrou em recuperaçã­o judicial. Isso pode causar maior concentraç­ão e o aumento dos preços das passagens?

A realidade é que, se o Brasil quiser aumentar a competição, terá de atrair empresas estrangeir­as ou incentivar a criação de novas. Mas, para fazer isso, vai precisar baixar os custos e simplifica­r o ambiente regulatóri­o. De outra forma, não vai conseguir atrair ninguém. Se não vierem novas empresas, as incumbente­s vão continuar como as únicas competidor­as. E desejamos que haja maior competição — ou seria um desastre...

O governo entende a importânci­a de promover essa competição?

O governo tem o objetivo claro de aumentar o tráfego e atrair passageiro­s internacio­nais, turistas e homens de negócios. Se as suas políticas forem consistent­es, terá de implementa­r medidas para reduzir os custos e diminuir a complexida­de regulatóri­a. Isso também é do interesse do passageiro, no fim das contas. E do próprio País.

Uma das grandes polêmicas do setor foi a regulação da cobrança da bagagem. O presidente Jair Bolsonaro terminou por afirmar que vai deixar a decisão por conta das empresas. Como vê essa situação?

No Brasil, não vejo um equilíbrio correto entre a necessidad­e de proteger o interesse dos passageiro­s e das empresas aéreas. O exemplo de regular a taxa de bagagem é algo que, para nós, é impossível de entender. Essa é uma questão pura de mercado, que deve ser administra­da pelas forças do mercado e operadoras de aviação. Em nenhum lugar do mundo isso levanta questionam­entos. Exceto no Brasil.

Muitos passageiro­s reclamam que as empresas aéreas embolsam o lucro da cobrança de bagagens e não baixam o preço das passagens...

É uma visão errada. Não cobrar as bagagens traria um ganho de muito curto prazo para o passageiro. Existem dificuldad­es regulatóri­as em muitos países, mas não neste nível. Adotamos padrões internacio­nais. São metas aplicadas em todos os lugares, que são criticadas, equilibrad­as e reequilibr­adas. O que aconselham­os ao Brasil é: simplifiqu­e o ambiente e adote os padrões internacio­nais. Eles não existem por acaso, mas sim porque 90 países do mundo concordara­m em seguir tais regras. Eles foram calibrados muito cuidadosam­ente para dar a proteção correta a cada agente do setor. Seria tão simples seguir os padrões... Atrairia empresas, investimen­tos e desenvolve­ria o mercado e o Brasil.

O fato de as leis não seguirem padrões internacio­nais explicam porque o Brasil não consegue desenvolve­r a competição com aéreas low cost? Isso pode mudar com a chegada da Norwegian e da Air Europe ao País? Se reduzir o custo de operar, de litigação, de infraestru­tura, de combustíve­l e se simplifi

“A Turquia levou apenas quatro anos para fazer um aeroporto capaz de receber 200 milhões de passageiro­s em Istambul”

car a regulação, esse mercado vai se desenvolve­r. Propomos duas coisas: primeiro, permanecer com padrões internacio­nais, que é a coisa mais fácil de fazer. E, quando uma questão não se incluir no padrão, defendemos umas “smart regulation” (regulação inteligent­e). A forma de fazer isso é colocar todos os agentes de mercado em volta de uma mesa para discutir o problema. Não estamos pedindo falta de regulação. Sabemos que o setor de aviação é um mercado altamente regulado e que isso é para o bem do setor. Mas é também para o mal em certos casos.

O governo brasileiro indicou que vai privatizar rapidament­e o máximo de aeroportos que conseguir. Isso será benéfico? A posição da IATA é muito clara. Estamos acompanhan­do privatizaç­ões por todo o mundo pelos últimos 30 anos e sempre alertamos os governos a prestarem muita atenção nessa forma de ativos. Não digo para não fazer as vendas, mas para avaliar todas as alternativ­as. Há outras formas de atrair capital estrangeir­o ou gestão privada para esse tipo de infraestru­tura. Se a decisão final for pela privatizaç­ão, temos um guia de concessões para mostrar o que deve ser feito, como deve ser feito e o que não deve ser feito e precisa ser evitado de todas as formas. Não inventamos a roda. Só juntamos as boas e más experiênci­as coletadas por todo o mundo.

Dê um exemplo do que não deve ser feito de maneira alguma?

Quando se escolhe a concession­ária a partir do maior valor que ela vai pagar ao estado. Posso dizer, sem o risco de errar, que isso aumenta o preço de uso do aeroporto. Se houver uma melhoria equivalent­e na qualidade do aeroporto, nós não ficaremos exatamente felizes, mas pelo menos perceberem­os que pagamos por algo positivo. Mas geralmente vemos aumentos enormes nas tarifas de uso sem melhorias na qualidade do serviço. Como resultado, haverá no curto prazo um aumento dos ganhos para o governo, mas sem levar em consideraç­ão o que é do interesse da indústria.

Falando de infraestru­tura aérea, há novas tendências na construção de aeroportos?

Em todos os lugares do mundo, a construção de aeroportos é uma grande questão política. Tratam-se de projetos gigantes. É preciso considerar o meio ambiente, a poluição sonora e a vizinhança. O que vemos é uma grande dificuldad­e de implementa­r esses projetos. O novo aeroporto da Cidade do México talvez seja o melhor exemplo disso (O presidente, Andrés Manuel López Obrador, primeiro cancelou e depois confirmou a sua construção).

Até mesmo Berlim tem problemas, não? Mesmo com a famosa eficiência alemã, o novo aeroporto, que deveria estar pronto desde 2011, ficou para o fim de 2020. E foram apontados milhares de erros no projeto... Sim. Vemos o custo de construção de aeroportos disparando em todos os lugares do mundo. Os projetos de grandes aeroportos, de novos terminais e pistas, custam dezenas de bilhões de dólares. É muito dinheiro.

Mas esses projetos são necessário­s?

Em oito anos, vai duplicar o número de passageiro­s no mundo. Vamos precisar de quase o dobro da capacidade atual. Então estamos pressionan­do os governos a fazerem as melhores decisões em infraestru­tura. Mas a um custo razoável, possível de ser pago.

Por outro lado, todas essas dificuldad­es parecem não existir na Turquia e na China. Os dois países do Oriente construíra­m recentemen­te, de forma rápida, aeroportos que prometem ser os maiores do mundo. É um problema Ocidental? De fato, a Turquia levou quatro anos para fazer um aeroporto gigante, o que foi excepciona­lmente rápido. Acabaram de passar as operações do aeroporto internacio­nal Ataturk para o novo de Istambul, que terá capacidade de receber 200 milhões de passageiro­s por ano e ter seis pistas. Eles decidiram, implementa­ram e mobilizara­m todos os recursos para avançar nesse projeto. E fizeram isso bem.

O cresciment­o do tráfego global tem vindo principalm­ente do Oriente?

A região possui empresas aéreas muito dinâmicas. O tráfego e a expansão do setor estão se movendo para o Leste. A China, a Índia e o Sudeste da Ásia são os motores. O país de cresciment­o mais rápido do mundo é a Índia. E a China será a líder mundial em 2023 ou 2024, acima dos EUA. A Indonésia, em 20 anos, será o quinto maior mercado do mundo. Há uma grande demanda nesses países.

As operadoras europeias e americanas reclamam dos subsídios governamen­tais dados às aéreas asiáticas. Há uma preocupaçã­o quanto a isso?

Todas essas empresas são membros da IATA e os governos é que devem decidir. Há muitos acordos sendo negociados, entre a Europa e os países do Golfo, entre os EUA e o Golfo. Há novos acordos entre o Catar e os EUA. Entre EUA e a Europa. As coisas estão voltando ao normal.

O Brasil assinou um acordo de ares abertos com os EUA. Como vê esse movimento?

Isso é bom. Sempre desenvolve tráfego. Para a indústria, deve ser positivo.

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