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DINHEIRO DO INVESTIDOR – Vale a pena apostar nas ações de saneamento?

Ações de empresas de saneamento tiveram fortes altas nas últimas semanas, no embalo das mudanças no marco regulatóri­o que vão facilitar os investimen­tos privados

- Lucas BOMBANA

OBrasil ainda tem carências profundas no saneamento básico, especialme­nte no abastecime­nto de água e no tratamento de esgotos. Em meados de 2018, aproveitan­do as eleições presidenci­ais, a Confederaç­ão Nacional da Indústria lançou um estudo sobre o assunto. A conclusão foi que o País teria de investir R$ 21,6 bilhões por ano para manter e ampliar sua rede. No entanto, o total empregado por ano entre 2010 e 2017 foi R$ 13,6 bilhões. Alén de necessário­s, esses investimen­tos são muito rentáveis. Para os especialis­tas, cada real colocado na melhoria do saneamento rende de R$ 2,50 a R$ 4,00, devido não só às tarifas que passam a ser pagas pela população, mas também pela redução das despesas médicas. A incidência de doenças infecto-contagiosa­s desaba quando as famílias passam a ter água limpa nas torneiras.

O espaço para investimen­tos privados é amplo. Faltava o marco legal, alto que foi resolvido pelo Senado no dia 6 de junho, com a aprovação das novas regras para o setor. O texto, que segue para a Câmara, prevê a privatizaç­ão das estatais.

Essa possibilid­ade tem embalado os papéis das empresas de saneamento na bolsa. As empresas de São Paulo (Sabesp), do Paraná (Sanepar) e de Minas Gerais (Copasa) têm ações negociadas na B3. A Sabesp vê suas ações subirem 53,4% em 2019, até o dia 11, enquanto as da Sanepar avançam 26,5%. Os ganhos da Copasa são um pouco menores, de 7,7%, mas após uma alta de 54,6% em 2018. Os papéis da companhia mineira começaram a subir desde que o governador Romeu Zema assumiu a liderança das pesquisas nas eleições de 2018. Já as da Sabesp caíram 5,5% no ano passado; as da Sanepar valorizara­m 9,3%.

Contudo, o marco regulatóri­o está longe de resolver todo os problemas do setor, o que tem mantido alguns investidor­es reticentes. É o caso da ARX Investimen­tos, gestora de recursos com R$ 16,3 bilhões e que faz parte do grupo global BNY Mellon. Apesar das altas recentes, ela preferiu não se expor aos papéis de saneamento. A principal razão é a falta de visibilida­de. “Os reajustes tarifários não serão estabeleci­dos pela Agência Nacional de Águas (ANA), mas pelas autarquias estaduais ou municipais”, afirma Alexandre Sant’Anna, analista da ARX. “Nesse modelo há um risco importante de interferên­cia de governador­es ou prefeitos nas empresas”. Como exemplo oposto, ele cita o setor de energia, que têm os reajustes estabeleci­dos, em âmbito nacional, há vinte anos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Qualquer avanço nas leis de saneamento é bom, mas ainda não temos conforto de avaliar o marco regulatóri­o como um mitigador das incertezas que pairam sobre o setor”.

VALOR DE MERCADO O risco de ingerência dificulta a chegada de grandes grupos internacio­nais. No entanto, além disso, por conta da valorizaçã­o recente, o valor de mercado da Sabesp já chegou aos R$ 32 bilhões. Com isso, ele fica alinhado aos grandes pares globais. “Por mais que o marco regulatóri­o abra espaço para as privatizaç­ões, não são muitos os agentes, mesmo globais, com capacidade financeira para comprar uma empresa do tamanho da Sabesp”, diz Sant’Anna. “Diante das incertezas, não consigo ver interessad­os no processo”.

Matheus Amorim, analista da Navi Capital, se mostra mais otimista. “Por mais que o cheque precise ser alto, acreditamo­s que existem empresas estrangeir­as que poderiam ter apetite”, diz ele, que ajuda na administra­ção de aproximada­mente R$ 3 bilhões em fundos de ações. No entanto, tendo em vista os últimos projetos de privatizaç­ões em outros setores, Amorim acredita que o processo no saneamento possa ser longo, possivelme­nte sem ser concluído em 2019. “Não basta a lei ser aprovada. É preciso um esforço relativame­nte grande por parte do Estado para de fato levar o processo adiante”.

Por já terem subido bastante, Amorim tem acompanhad­o com cautela as ações das companhias de saneamento. “O valor das ações da Copasa e da Sabesp está acima do valor da base de ativos das empresas”. Segundo o analista da Navi, caso haja poucos interessad­os nos leilões das empresas de saneamento à iniciativa privada, a tendência é que eles não se mostrem dispostos a pagar o preço atual das ações.

Já Sant’Anna acredita que, ocorrendo a privatizaç­ão, existe espaço para os papéis prosseguir­em em sua trajetória de valorizaçã­o. De acordo com o analista da ARX, a privatizaç­ão da Sabesp pode ser relativame­nte simples, uma vez que o governo paulista goza de autonomia para realizar o processo sem maiores sobressalt­os. Diferentem­ente de Minas Gerais, onde será preciso convocar um plebiscito para referendar a participaç­ão privada no negócio. No caso da Sanepar, o governador do Paraná, Ratinho Júnior, já sinalizou que não pretende vender a empresa. A valorizaçã­o recente dos papéis, diz o analista da ARX, se deve aos reajustes tarifários, tanto os já realizados como também os esperados para 2019.

Diante da expectativ­a de privatizaç­ão das empresas de saneamento paulista e mineira, a tendência é que suas ações tenham um desempenho melhor em comparação com seu par do Paraná, prevê Amorim, da Navi. “A entrada de um gestor privado em

uma estatal traz mais agilidade e investimen­tos à operação, o que justifica a maior geração de valor às empresas que devem ser privatizad­as em comparação com as que seguirão estatizada­s”, diz o analista.

BRASÍLIA O país precisa ampliar em 62% os investimen­tos em redes de água e esgoto para cumprir a meta de universali­zação em 2033, conforme estabelece o Plano Nacional de Saneamento Básico ( Plansab). Se os investimen­tos atuais não crescerem, a meta será atingida com mais de 20 anos de atraso, ou seja, após 2050.

O diagnóstic­o está em um estudo da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI) denominado "Saneamento básico: uma agenda regulatóri­a e institucio­nal", que foi entregue aos candidatos à Presidênci­a da República. Para a entidade, a meta do Plansab está cada vez mais distante e a agenda de saneamento precisa ser priorizada pelo governo.

De acordo com o estudo, a experiênci­a internacio­nal sugere que a parceria com o setor privado é fator fundamenta­l para a expansão e o aumento da qualidade dos serviços de saneamento. As concessões e as parcerias público-privadas ( PPPs), no entanto, ainda esbarram em uma série de resistênci­as, a maior parte relacionad­a aos mitos de que o setor privado só atua em grandes municípios e de que as tarifas privadas são significat­ivamente superiores.

“A ideia de que o setor privado atua somente em cidades de grande porte é absolutame­nte equivocada. Cerca de 72% dos municípios em que há participaç­ão privada são compostos por até 50 mil habitantes. Assim como também é mito a ideia de que a participaç­ão privada gera aumento significat­ivo das tarifas: o setor privado pratica tarifas de cerca de 11 centavos acima das tarifas observadas nas companhias estaduais”, destaca o trabalho da CNI.

Ainda segundo o estudo, as companhias privadas apresentam indicadore­s de produtivid­ade 5,4% superiores à média nacional e a qualidade da água é melhor que do que a das empresas públicas. Outro dado é que a incidência de coliformes fecais nas águas das empresas privadas é seis vezes menor do que a média nacional. A incidência é de 0,27% enquanto no país é de 1,76%.

"A reversão do quadro do setor de saneamento no Brasil passa, necessaria­mente, pela maior participaç­ão do capital privado na gestão das companhias de saneamento. Atualmente, as empresas privadas respondem por apenas 6% das empresas do setor e atendem a 9% da população, embora sejam responsáve­is por 20% dos investimen­tos realizados em municípios de diferentes portes", diz a CNI.

Outro dado apontado pela entidade é que 57% da população nacional dispõem de serviço de coleta e de esgoto. Porém, apenas 50% do esgoto gerado é tratado.

"A expansão das redes de saneamento é urgente e um dos principais desafios do país. O aumento da participaç­ão privada, assim como um melhor mapeamento de onde a participaç­ão do Estado é realmente necessária, precisa ser o foco do desenvolvi­mento do saneamento brasileiro para os próximos quatro anos", ressaltou a diretora de relações institucio­nais da CNI, Mônica Messenberg.

O levantamen­to também revela que há grande distorção entre as regiões brasileira­s no quesito tratamento de esgoto. Enquanto no Norte somente 18% do esgoto gerado é tratado, no Centro- Oeste o índice chega a 53%. Em uma análise estadual, foi observado que, com exceção do Rio Grande do Sul, os estados com piores índices de atendiment­o ( pessoas sem acesso à rede de esgoto) são aqueles que menos investem na relação R$/ habitante.

De acordo com os dados, os cinco estados com melhor nível de atendiment­o estão entre os seis com maior investimen­to por habitante. Cerca de 60% do total investido em água e esgoto no Brasil são alocados em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.

A CNI também destaca que a cada R$ 1 investido em saneamento haveria retorno de R$ 2,50 ao setor produtivo. A ampliação das redes de esgoto resultaria, ainda, na valorizaçã­o de imóveis, no aumento da produtivid­ade dos trabalhado­res e nos ganhos diretos na saúde da população: queda da mortalidad­e infantil e redução da incidência de doenças. Ou seja, só se tem a ganhar com a melhora do saneamento básico.

“Não temos conforto de avaliar o marco regulatóri­o como um mitigador das incertezas que pairam sobre o setor” ALEXANDRE SANT’ANNA DA ARX

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SABESP A empresa paulista viu suas ações subirem 53% neste ano, mas o valor de mercado alto (R$ 32 bilhões) limita o interesse de compradore­s estrangeir­os
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PRECARIEDA­DE País precisa ampliar em 62% os investimen­tos em redes de água e esgoto para cumprir a meta de universali­zação até 2033
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Fonte: Economatic­a * posição em 11/06/2019
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