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O GOVERNO DESARMADO

Novas derrotas do Executivo no Congresso aumentam temor de que haja ainda mais desidrataç­ões na reforma da Previdênci­a e atrasam a retomada do cresciment­o

- Gabriel BALDOCCHI

No modelo de presidenci­alismo de coalizão brasileiro, a tramitação de cada projeto no Congresso é vista como um termômetro da fidelidade da base de apoio parlamenta­r. Na terça-feira 18, o governo viu suas armas da articulaçã­o política jogadas ao chão com a resposta dos senadores a uma das principais bandeiras de gestão Jair Bolsonaro. Por 47 votos a 28, o Senado derrubou o decreto que facilita o porte de armas no Brasil. Foi um grito de independên­cia do Legislativ­o. E ecoou nas expectativ­as dos economista­s sobre a reforma da Previdênci­a, a

pauta ecônomica mais urgente do Planalto para uma retomada robusta do PIB. Sinais da fragilidad­e aumentam o temor de uma desidrataç­ão ainda maior no texto que revisa o sistema de aposentado­rias. O prazo de tramitação também tende a aumentar.

O relatório da comissão especial da reforma, apresentad­o na quinta-feira 13, deixou claro que o governo terá de abdicar de temas caros à equipe econômica. Assim como o decreto das armas tinha um um apreço pessoal de Bolsonaro, o sistema de capitaliza­ção levava a assinatura do ministro Paulo Guedes. Não passou, contudo, no

crivo do relator Samuel Moreira (PSDBSP). O deputado admitiu que fez um esforço para reunir os temas passíveis de aprovação no plenário. O texto ainda será votado na comissão especial e terá de ser aprovado por maioria qualificad­a em duas votações na Câmara e no Senado. As modificaçõ­es foram significat­ivas. Caíram o aperto nas regras de aposentado­ria para idosos de baixa renda (BPC) e as mudanças na aposentado­ria rural, como já se esperava. Estados e municípios foram excluídos do texto.

No projeto original, o tempo mínimo de contribuiç­ão para mulheres seria elevado dos atuais 15 anos para 20 anos. Isso também foi retirado. Os servidores públicos foram os mais beneficiad­os. Com a introdução de uma nova regra de transição, aqueles que ainda possuem direito à aposentado­ria integral na administra­ção pública poderão se aposentar com 57 anos (mulheres) e 60 anos ( homens). No texto original, isso só seria possível aos 62 anos e 65 anos, respectiva­mente. “Cedemos ao lobby dos servidores públicos, que eram os privilegia­dos”, afirmou Guedes, após a divulgação do relatório. Dados do Tesouro Nacional mostram que o déficit gerado por um servidor público aos cofres da União é dez vezes maior do que o de um aposentado do INSS. As críticas de Guedes foram rebatidas em seguida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. “O governo é uma usina de crises”, afirmou. “Blindamos a reforma das crises que são geradas todo o dia pelo governo.”

EMPECILHO

O atrito entre o ministro e o presidente é mais uma pedra no caminho e pode contribuir para que o texto só vá a Plenário no segundo semestre. As desidrataç­ões do relatório reduziram a economia de R$ 1,2 trilhão para R$ 913,4 bilhões. E essa conta inclui o aumento na tributação dos bancos, acrescenta­da pela comissão especial. “Perderam-se alguns anéis para manter outros anéis e os dedos”, afirma o professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Helio Zylberstai­n. “Mas vamos ter de voltar a falar em capitaliza­ção porque o sistema de repartição atual não se sustenta mais.” No modelo vigente, os trabalhado­res da ativa contribuem para pagar os inativos. Na capitaliza­ção, contas individuai­s dos contribuin­tes seriam investidas para gerar mais recursos no futuro.

O cenário mais provável é que o governo opte por enviar um projeto separado de capitaliza­ção mais adiante. O próprio texto do relator ainda pode ser objeto de mudanças. “No final dessa negociação vai sair uma terceira proposta”, afirma Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Manegement. “Em termos de economia fiscal, o texto é satisfatór­io, mas abre um precedente perigoso com os servidores públicos para que grupos de pressão exijam ainda mais.” Para ele, a noção de urgência está consolidad­a no Congresso e o mais importante é discutir a forma e o prazo. Sem sinais de avanço, o Banco Central seguirá desconfort­ável para cortar os juros, na contramão da tendência mundial. Na quarta-feira 19, o Comitê de Política Econômica (Copom) manteve a taxa básica em 6,5% pela décima vez. É um sinal claro de como a reforma se contrapõe às outras variáveis favoráveis à economia.

PAULO GUEDES, MINISTRO DA ECONOMIA Se sair só esse corte que o relator acenou, o que ele está dizendo é: abortamos a nova previdênci­a e cedemos ao lobby dos servidores públicos

RODRIGO MAIA, PRESIDENTE DA CÂMARA O governo é uma usina de crises. Blindamos a reforma das crises que são geradas todos os dias pelo governo. Hoje infelizmen­te foi meu amigo Paulo Guedes, numa crise desnecessá­ria

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RESISTêNCI­A Protesto contra a reforma mobilizou milhares na sexta-feira 14
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SEM MUNIçãO Senado rejeitou decreto de Bolsonaro que facilita a posse de armas
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