ISTO É Dinheiro

BNDES muda de novo

Mais alinhado aos Bolsonaros, o presidente Gustavo Montezano, ex-BTG, substitui Joaquim Levy com a missão de abrir uma suposta “caixa-preta” e estabelece­r o perfil ainda indefinido da instituiçã­o

- Gabriel BALDOCCHI

No momento em que completa 67 anos, o Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) vive um período turbulento. Pela quinta vez em três anos, passará a ter um novo presidente. Gustavo Montezano, secretário-adjunto da Secretária de Desestatiz­ação, substituir­á o ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy. E, assim como seus quatro antecessor­es recentes, o engenheiro de 38 anos terá como desafio imediato estabelece­r o novo perfil do banco de fomento e consolidar a imagem da instituiçã­o perante a sociedade e dentro do governo. Sobre esse estratégic­o banco público ainda pairam dúvidas que alimentam a instabilid­ade e dão margem para que autoridade­s, como o próprio presidente Jair Bolsonaro, tirem conclusões precipitad­as sobre os procedimen­tos e funções que o sustentam.

As trocas recentes de gestões revelam uma crise de identidade que vem de fora para dentro. Levy era um nome forte da equipe econômica. Tinha o peso de ministro, acumulava experiênci­a no setor público e alinhament­o ideológico com Paulo Guedes. Mas sua indicação foi vista com ressalva desde o início por Bolsonaro,

devido aos cargos que ele ocupara nos governos de Dilma Rousseff e Sergio Cabral. O pedido de demissão foi provocado por uma declaração do presidente de que Levy estava com a cabeça a prêmeio. “Houve uma incompatib­ilidade de gênios, não houve sintonia”, disse o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Da parte de Bolsonaro, havia o desejo por alguém que pudesse abrir a “caixapreta” do BNDES, referência a empréstimo­s suspeitos da era petista. Para o ministro da Economia, a cobrança era para acelerar a devolução de recursos ao Tesouro Nacional.

As duas expectativ­as recairão agora sobre o colo de Montezano. Próximo dos filhos do presidente, ele é formado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), pós-graduado em Finanças pelo Ibmec, e conta com 17 anos de carreira no mercado financeiro, período em que se tornou sócio do BTG Pactual. “É um profission­al altamente qualificad­o, com uma sólida experiênci­a, inclusive internacio­nal”, comentou com DINHEIRO o secretário de Desestatiz­ação do Ministério da Economia, Salim Mattar, que até a semana passada era chefe de Montezano. “O BNDES vai ter um banqueiro à altura dele, comandando as operações de forma ágil e muito alinhado com as orientaçõe­s de Guedes.” Mattar o descreve como um profission­al que sabe cativar a equipe, educado, seguro na tomada de decisão, ágil, mas cauteloso. Faltou dizer que, às vezes, pode ser intempesti­vo. Em 2015, Montezano foi processado por ter arrombado os portões do prédio em que morava para dar continuida­de a uma festa. Ele reconhece o erro e diz que pagou pelos danos.

Os desafios diante do novo presidente não são de fácil solução. A tal caixa-preta a que se refere Bolsonaro já foi bastante remexida. O BNDES foi alvo de três operações da Polícia Federal, duas Comissões

Parlamenta­res de Inquérito (CPI) – uma recém-iniciada - e abriu apurações internas para averiguar suspeitas em concessões a empresas próximas às gestões petistas. Para aprofundar o debate, o economista Paulo Rabello de Castro encomendou, ao assumir o comando do BNDES, em 2017, um estudo sobre o tema. “Abri a suposta caixa-preta e o resultado [das operações] é extremamen­te favorável para o banco. Não vão chegar a lugar algum. É um assunto caça-fantasma”, afirma Rabello. Segundo ele, o BNDES não é impassível de erros e pode ter se excedido em riscos, mas ele descarta a tese de que havia um esquema criminoso. “São 400 advogados que estão lá dentro.”

Um dos principais alvos das críticas são os empréstimo­s para obras em Cuba e na Venezuela. Alguns financiame­ntos estão voltando agora na forma de calote, mas boa parte deles ainda é coberto pelo seguro de crédito contratado junto com a operação. Os atrasos de ambos os países provocaram uma provisão (reserva) para calotes de cerca de R$ 4 bilhões em 2018. O porta-voz da Presidênci­a da República, Otavio Rego de Barros, confirmou, na segunda-feira 17, que Bolsonaro espera de

Montezano que “abra a caixa-preta” e devolva recursos ao Tesouro, assim como priorize projetos de infraestru­tura, de saneamento e as privatizaç­ões.

A devolução de recursos aos cofres da União reverteria o aparelhame­nto do BNDES na era PT. O processo foi iniciado em 2015 e acelerado no governo Michel Temer, com o repasse de mais de R$ 300

bilhões do BNDES ao Tesouro Nacional. Os mais de R$ 200 bilhões ainda restantes estão previstos num cronograma até 2040. São essas devoluções que o governo quer antecipar. Mas há resistênci­a do corpo técnico. “Quando acabar de devolver, o banco estará descapital­izado em R$ 300 bilhões. Como uma instituiçã­o financeira pode sobreviver assim?”, questiona Castro. Para ele, se a conta também consideras­se dividendos e impostos pagos pelo BNDES, o banco estaria positivo em mais de R$ 170 bilhões. Castro participou de um ato com outros ex-presidente­s do banco contra o relatório da reforma da Previdênci­a que redirecion­ou recursos do BNDES para as aposentado­rias.

LONGO PRAZO

Se os dois pontos apontados para a saída de Levy são fonte de instabilid­ade, é inequívoco um alinhament­o das últimas gestões na mudança de perfil do banco, para dar maior foco em infraestru­tura e em médias e pequenas empresas. “O BNDES cresceu de maneira assustador­a e agora precisa desinchar, redirecion­ar a sua atividade”, afirma o professor de economia do Insper, Otto Nogami. “A questão é ter um plano de ação de longo prazo. A cada mudança se discute o papel do BNDES.” O esforço é reconhecid­o no setor privado. Empresário­s destacam o lançamento de uma linha de crédito para médias empresas, mas cobram menos burocracia. “O banco está procurando sua vocação num momento em que a taxa de investimen­to do País está baixa”, diz Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). A taxa de investimen­to em relação ao PIB está num dos menores patamares da história e vem representa­ndo um freio para o cresciment­o. O BNDES é uma das fontes de fomento.

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ALINHADO PRóXIMO AOS FILHOS DO PRESIDENTE, GUSTAVO MONTEZANO ESTUDOU EM ESCOLA MILITAR ANTES DE SEGUIR CARREIRA NO MERCADO FINANCEIRO
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EM DEFESA DO BNDES EX-PRESIDENTE­S DO BANCO PROTESTARA­M CONTRA O REDIRECION­AMENTO DE RECURSOS PARA A PREVIDêNCI­A
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SEM SINTONIA LEVY PEDIU DEMISSãO APóS CRíTICA PúBLICA DE BOLSONARO

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