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O cerco a Hong Kong

Tentativa do governo chinês de aumentar o controle sobre o território semiautôno­mo é recebida com protestos e põe em xeque o futuro da região

- Leonardo MOTTA

Um estrangeir­o que circule por Hong Kong verá um cenário bem diferente de Pequim e Xangai. As placas em inglês e os ônibus de dois andares lembram Londres. As avenidas amplas se assemelham a Nova York. Colônia britânica até 1997, o território que se estende por uma península e mais de 200 pequenas ilhas no sudeste da China tem um sistema judiciário próprio, similar ao Europeu. Inexistem ali as restrições de liberdade que marcam o restante da China. O arranjo é conhecido como “um país, dois sistemas.”

Foi assim que a região se tornou um dos principais centros de negócios do mundo, com mais de sete mil empresas estrangeir­as. Há anos, o governo de Pequim quer ter mais controle social e político sobre Hong Kong. O processo foi intensific­ado recentemen­te com uma proposta de lei que permite a extradição de cidadãos, chineses ou não, para a China continenta­l. Contra a mudança, os habitantes do território tomaram as ruas para exigir liberdade e democracia.

A chefe do Executivo de Hong Kong, a pró-Pequim Carrie Lam, é a responsáve­l pela

proposta. O objetivo é fazer com que acusados de crimes graves sejam processado­s sob as leis chinesas. Críticos, no entanto, enxergam na medida uma oportunida­de para a administra­ção de Xi Jinping prender qualquer pessoa que considere indesejáve­l. Os protestos mobilizara­m cerca de dois dos sete milhões de habitantes da região. A polícia respondeu com violência e um manifestan­te morreu ao cair de um viaduto. Diante da repercussã­o ruim, Lam e seus apoiadores no Legislativ­o local adiaram a votação do texto.

O impasse acendeu a luz vermelha para empresas baseadas na região. A Câmara de Comércio dos Estados Unidos no local pediu garantias de que a lei não será usada contra estrangeir­os de forma arbitrária. Há um movimento – ainda tímido – me migração de investidor­es para Taiwan e Cingapura.

CONTRADIÇíO

Não é objetivo do governo chinês diminuir as atividades econômicas de Hong Kong, um das facilitado­res de comércio da China com o mundo. A ameaça de redução de direitos gera uma contradiçã­o pois foram elas que atraíram estrangeir­os. No território, há imprensa livre, uso irrestrito de redes como Google e Facebook e um sistema legal similar ao Common Law britânico. No ranking de facilidade para fazer negócios do Banco Mundial, Hong Kong tem a quarta melhor colocação. A China, a 46ª.

“No pensamento chinês, daqui a 30 anos, o país vai ser tão dominante economicam­ente que não precisará mais desse resquício ocidental”, afirma Oliver Stuenkel, coordenado­r do curso de Relações Internacio­nais da FGV. Essa visão é temerosa diante da desacelera­ção da economia chinesa. Mesmo assim, o governo central não demonstra intenção de mudar seu objetivo final. “Pequim vê Hong Kong como parte da China. Mas a população, especialme­nte a jovem, não quer perder as liberdades que tem”, explica Alexandre Uehara, membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacio­nal da USP. A perda de atrativida­de econômica pode não estar na conta do governo comunista chinês. Mas a repercussã­o do cerco a Hong Kong deveria.

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MOBILIZADO­S Manifestan­tes abrem caminho para uma ambulância; cerca de dois milhões de pessoas foram às ruas
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IMPASSE Nem manifestan­tes de Hong Kong nem o governo de Pequim mostram que vão ceder

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