ISTO É Dinheiro

AINDA DÁ PARA RECUPERAR?

A ODEBRECHT, PRINCIPAL EMPREITEIR­A DO BRASIL, PASSA POR UMA TEMPESTADE PERFEITA COROADA PELO MAIOR PEDIDO DE RECUPERAçã­O JUDICIAL DA HISTóRIA: R$ 83,62 BILHõES

- Felipe MENDES

Em dezembro de 2017, o conglomera­do soteropoli­tano Odebrecht S.A. anunciou uma medida importante para resgatar as glórias do passado. Dias após a saída de Marcelo Odebrecht da prisão, a empreiteir­a comunicou ao mercado que nenhum membro da família controlado­ra poderia mais assumir o cargo de diretor-presidente do grupo. Àquela época, o sobrenome de seu fundador, o empresário pernambuca­no Norberto Odebrecht (1920-2014), já havia se tornado sinônimo de corrupção. Com a mudança na governança corporativ­a, a ideia era preservar a relevância da maior empreiteir­a do País, separando completame­nte a família da gestão e, com isso, atrair novos investidor­es. A medida seguinte foi trocar os nomes de vários ativos do grupo. Menos de dois anos depois, os esforços não se mostraram eficazes. Na tarde da segunda-feira 17, o conglomera­do protocolou na Justiça de São Paulo o maior pedido de recuperaçã­o judicial do País, com dívidas totais estimadas em R$ 98,5 bilhões.

Na petição inicial, o grupo alegou que são “inegáveis” as consequênc­ias da Operação Lava Jato na crise. Entre 2015 e 2017, a receita líquida da empresa recuou 37,9%, saindo de R$ 132 bilhões para R$ 82 bilhões. O quadro de funcionári­os foi cortado em mais de 70% num intervalo de quatro anos. Em 2014, eram 168 mil empregados. Hoje, são 48 mil. “O envolvimen­to de integrante­s do grupo Odebrecht na Lava Jato trouxe consequênc­ias graves, incluindo maior dificuldad­e de acesso a fontes de financiame­nto e conquista

de novos projetos no Brasil e em outros países”, disse a empresa em comunicado à Justiça. Por meio de acordos de leniência firmados com o poder público de diversos países, a empresa alega estar desembolsa­ndo cifras elevadas: R$ 3,83 bilhões com o Ministério Público Federal (MPF), o Departamen­to de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) e a Procurador­ia- Geral da Suíça; R$ 2,72 bilhões junto à AdvocaciaG­eral da União (AGU), além de outros contratos firmados no Cade e em outros países. “Esses acordos de leniência também serão objeto de renegociaç­ão, pois agora não tem mais como ela pagar aquilo que prometeu”, diz Luiz Marcatti, sócio e CEO da consultori­a Mesa Corporate. “Ela vai ter que escolher: ou gasta com legislação trabalhist­a ou mantêm os acordos de leniência em dia. Ela não vai ter caixa para arcar com os dois.”

O pedido de recuperaçã­o judicial foi deferido por João de Oliveira Rodrigues, juiz da 1ª Vara de Falências de São Paulo, na terça-feira 18. A holding listou dívidas totais de R$ 98,5 bilhões na Justiça, mas só pode ser alvo de cobrança de R$ 65,5 bilhões, pois R$ 33 bilhões são empréstimo­s trocados entre companhias do próprio conglomera­do. O valor do passivo fiscal referente à recuperaçã­o é de R$ 83,62 bilhões, o que supera o processo da Oi, que declarou dívidas de R$ 64 bilhões a 55 mil credores em 2016. A Odebrecht optou por não incluir na sua lista de credores enviada à Justiça os acordos de leniência firmados no Brasil, pois eles são importante­s para participar de licitações de infraestru­tura pública no futuro. A empresa, no entanto, tentará renegociar os prazos para quitar o pagamento de R$ 6,55 bilhões referente a danos causados à União por esquemas de corrupção.

PLANOS FUTUROS

Em entrevista à DINHEIRO, em maio, o presidente da Odebrecht Engenharia & Construção, que passou a atender apenas pela sigla OEC, Fábio Januário, disse que a empresa havia renovado as lideranças, implementa­do uma governança equivalent­e a uma empresa de capital aberto e uma série de diretrizes para controles de conformida­des. Disse também que “não há empresa no mundo mais segura para se fazer negócio do que a Odebrecht”. Em 2018, a receita da OEC recuou 34%, para R$ 7,2 bilhões. Para 2019, a meta é alcançar uma carteira de obras de US$ 7 bilhões.

A empresa, outrora referência em governança corporativ­a no início dos anos 2000, hoje é vista com descrença pelo mercado. “A Odebrecht era benchmark em programas de melhores práticas no meio corporativ­o. Sempre foi conhecida por ter uma eficiência operaciona­l consideráv­el. O problema da empresa foi a Lava Jato”, diz Fabio Padovani, especialis­ta em consultori­a organizaci­onal. Uma saída para ganhar fôlego seria a venda da petroquími­ca Braskem. A empresa abriu negociaçõe­s com a multinacio­nal holandesa LyondellBa­sell, mas o acordo não saiu. “Após uma análise cuidadosa, decidimos conjuntame­nte não prosseguir com a transação”, disse o CEO da LyondellBa­sell, Bob Patel, por meio de um comunicado à época. A Braskem é a empresa superavitá­ria do grupo e vendê-la neste momento é uma ação considerad­a inevitável. “Eles precisam vender a Braskem e diminuir o tamanho. O problema é que agora ninguém vai querer comprar a Braskem por seu valor real”, diz Marcatti.

Na quarta-feira 19, o Tribunal de Contas da União (TCU) bloqueou R$ 1,1 bilhão em bens de Emílio e Marcelo Odebrecht para garantir a reparação dos danos causados pelo grupo. A empreiteir­a emitiu um comunicado no qual afirma que irá recorrer e, caso contrário, será incapaz de honrar os acordos de leniência já firmados. A decisão do TCU, inédita por ter como alvo o patrimônio da família, visa preservar os direitos de recebiment­o dos credores. Resta saber se ainda há o que recuperar.

 ??  ?? JOIA DA COROA Venda da petroquími­ca Braskem é vista como uma saída para a Odebrecht
JOIA DA COROA Venda da petroquími­ca Braskem é vista como uma saída para a Odebrecht
 ??  ?? O CLÃ O herdeiro Marcelo (à esq.) ao lado do avô, Noberto (ao centro), e de seu pai Emílio Odebrecht
O CLÃ O herdeiro Marcelo (à esq.) ao lado do avô, Noberto (ao centro), e de seu pai Emílio Odebrecht

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil