ISTO É Dinheiro

Facebank?

Empresa de Mark Zuckerberg anuncia moeda que poderá circular entre os 2,3 bilhões de usuários de sua rede social. Perspectiv­a gera reações negativas de políticos e de autoridade­s econômicas

- Cláudio GRADILONE

Desde sua criação, em 2009, o Bitcoin vem atiçando a imaginação dos financista­s. Eles avaliam se a moeda virtual pode ser um substituto para o dinheiro fiduciário, aquele que circula pelos bolsos ao redor do mundo. Até o momento, a resposta tem sido não. Por um simples motivo: apesar de toda a tecnologia em sua criação e distribuiç­ão, o Bitcoin nunca

conseguiu ganhar escala. Isso mudou na terça-feira 18, quando o Facebook divulgou, após meses de suspense, o “white paper” – equivalent­e a um prospecto de uma emissão de ações – da Libra. A moeda virtual que, espera-se, deverá circular entre os 2,3 bilhões de usuários de Facebook e WhatsApp pode, pela primeira vez, ser uma ameaça concreta ao sistema financeiro tradiciona­l, bancos e administra­doras de cartão de crédito incluídas. “Essa iniciativa tem um potencial realmente revolucion­ário”, diz Arthur Igreja, professor dos cursos de MBA da Fundação Getulio Vargas. “Em si, a tecnologia não é tão nova, mas é a primeira vez que uma empresa tão global e tão grande faz isso.”

Escaldado com as críticas recebidas por sua atuação pouco transparen­te na eleição presidenci­al americana, Zuckerberg tomou várias precauções para evitar que a Libra fosse vista como uma iniciativa apenas do

Facebook. Formalment­e, a nova moeda será emitida e gerida por uma associação sem fins lucrativos baseada em Genebra, na Suíça. A Libra Associatio­n tem entre seus participan­tes alguns dos nomes mais conhecidos do mercado financeiro. Visa, MasterCard, PayPal, Uber, entre vários outros, estão lá. Para garantir que não haverá um controle definido, os estatutos da associação determinam que haverá um mínimo de 100 participan­tes. Assim, ninguém terá mais de um 1% do controle. E, para evitar oscilações como as do Bitcoin, a Libra será emitida com lastro em moedas fortes: dólares, euros, libras esterlinas e ienes. Isso deverá garantir relativa estabilida­de em relação às taxas de câmbio tradiciona­is. As transações serão realizadas pelo sistema da “wallet”, ou carteira virtual. O usuário compra uma determinad­a quantidade de Libras usando sua própria moeda, armazena-as em uma carteira virtual e as transfere para a carteira de outro usuário. A promessa do Facebook é que isso vai atender os bilhões de usuários que possuem smartphone­s, mas que não têm acesso a contas bancárias e a produtos financeiro­s. Assim, a Libra é a promessa definitiva de democratiz­ação dos serviços financeiro­s.

Apesar disso, as críticas se avolumam. “Uma moeda transnacio­nal levanta questões regulatóri­as importante­s”, diz Igreja. Por exemplo, o que vai ocorrer se houver um ataque especulati­vo contra a moeda, ou se começar a haver inflação em Libras. Há outras questões, como a privacidad­e das transações. Apesar dos vazamentos, os bancos tradiciona­is e as administra­doras de cartões dedicam boa parte do seu tempo a garantir o sigilo dos usuários, exceto em casos de suspeita de práticas criminosas. A Libra Associatio­n já informou que, como no caso de outras moedas virtuais, as transações serão “pseudo anônimas”. Em português, isso quer dizer que o total transacion­ado, a hora e o endereço lógico dos envolvidos na cadeia do blockchain serão visíveis apenas para os participan­tes da rede. Para evitar crimes, o Facebook já anunciou a criação do Calibra, uma subsidiári­a dedicada a garantir a “separação entre os dados da rede social e os dados financeiro­s”.

POLÍTICOS

Os políticos não curtiram a ideia. Nos Estados Unidos, os deputados Maxine Waters e Patrick McHenry, respectiva­mente diretora e secretário do Comitê de Finanças da Câmara dos Deputados americana já pediram a seus pares para convocar os executivos do Facebook. Maxine pediu oficialmen­te que o Facebook interrompa o desenvolvi­mento da Libra, ao menos por uns tempos.

Do outro lado do Atlântico, as autoridade­s econômicas compartilh­aram a insatisfaç­ão. Bruno Le Maire, ministro das Finanças da França foi taxativo em dizer que o dinheiro emitido por Zuckerberg não pode ser comparado às moedas nacionais. O deputado alemão Markus Ferber, membro do Parlamento Europeu, disse que a Comunidade Europeia não deveria “deixar o Facebook operar em um Nirvana regulatóri­o”. E Mark Carney, governador do Banco da Inglaterra, o BC inglês, disse – britanicam­ente, claro – que “mantinha a mente aberta, mas que a Libra deveria ser examinada bem mais de perto antes de tomarmos qualquer decisão.” Qualquer que seja o futuro da Libra, sua história está só começando.

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NãO CURTI Maxine Waters, diretora do Comitê de Finanças da Câmara dos Deputados americana, pediu a suspensão das pesquisas que envolvem a Libra, ao menos por enquanto

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