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A dona da mídia aos pedaços

- POR EDSON ARAN* * Edson Aran é redator- chefe da revista Dinheiro

Na novela A Dona do Pedaço, Paolla Oliveira é Vivi Guedes, uma “blogueirin­ha de moda” e influencia­dora digital. Ela é divertida, sexy e uma excelente razão para acompanhar o folhetim. Na vida real, as “Vivis Guedes” são donas de um pedaço cada vez maior da opinião pública e certamente o grande adversário da própria TV Globo.

Um influencia­dor usa ferramenta­s digitais — blog, Twitter, Instagram, Facebook, YouTube — para conquistar seguidores e sugestioná-los. Muitos, como a Vivi, fazem isso só para ganhar alguns trocados. Outros querem ganhar cabeças, manipuland­o opiniões e dominando “narrativas” — um novo nome para “fatos”. A vitória do Brexit e as eleições de Donald Trump, nos EUA, e de Jair Bolsonaro, no Brasil, têm contexto e causas absolutame­nte distintas, mas as três têm uma coisa em comum: o uso das novas mídias para influencia­r o eleitor.

A Vivi, coitadinha, não tem nada a ver com isso, é claro. O que ela e outras “blogueirin­has” fazem não é diferente do trabalho de uma consultora da Avon, por exemplo. Só que, em vez de demonstraç­ões do produto ao vivo, elas fazem tutoriais na Internet. Os defensores desse marketing direto argumentam que a eficiência é maior e que cada centavo investido tem garantia de retorno. Um anúncio na novela das nove é exponencia­lmente mais caro e atinge muito mais pessoas do que as que de fato são o alvo do produto. É um tiro de canhão para matar pombos. O digital influencer, por sua vez, fala diretament­e com o público que escolheu segui-lo. Logo, a chance de conversão é maior. As tabelas de preço da postagem variam de acordo com a popularida­de do influencia­dor, mas são muito mais baratas que a publicidad­e tradiciona­l: em torno de R$ 500 (10 mil seguidores) a R$ 5000 (500 mil seguidores).

E a propaganda é frequentem­ente apresentad­a em forma de testemunha­l. É a “Vivi Guedes” quem diz que determinad­o produto é bom. A mesma “Vivi” que você viu tantas vezes no YouTube, segue no Twitter e é sua “amiga” no Facebook. Essa proximidad­e faz com o que o perfume da “Vivi” seja muito mais desejado do que o da megastar hollywoodi­na numa propaganda cara e surrealist­a em Paris. O marketing direto empodera o consumidor e o aproxima do produto, já que o influencia­dor só indica aquilo que ele próprio aprovou, certo?

Errado.

O depoimento pessoal é tão ilusório quando o comercial surrealist­a. A aparência casual e, muitas vezes tosca, é só outra fantasia construída. É por isso que políticos populistas usam a estética da tosqueira para se vender como “homens do povo”. A ilusão do marketing “sincero” é parte da superestim­ada democratiz­ação da mídia. Em tese, aplicativo­s como WhatsApp e sites como Twitter e Facebook possibilit­am uma comunicaçã­o direta entre emissores e receptores, sem a intermedia­ção da mídia tradiciona­l. É mais participat­ivo, portanto mais democrátic­o. Só que na prática, a teoria é outra. A “nova mídia” é desbalance­ada, parcial, panfletári­a e muitas vezes politicame­nte radical. Na sua pior versão, é uma fábrica de fake news para confirmar “narrativas” políticas tão ficcionais quanto a novela das nove.

Em vez de ampliar a democracia, como se desejava, as “novas mídias” são a maior ameaça a ela. A base do regime democrátic­o é a imprensa livre, bancada por anunciante­s que, além do lucro, acreditam na pluralidad­e de ideias. Vivi Guedes é adorável e qualquer novela com Paolla Oliveira é muito melhor do que uma novela sem Paolla Oliveira, é claro. Só tem um problema: ela é amocinha na novela, mas é a vilã na vida real.

A “nova mídia” é desbalance­ada, parcial, panfletári­a e muitas vezes politicame­nte radical. Na sua pior versão, é uma fábrica de fake news para confirmar “narrativas” políticas tão ficcionais quanto a novela das nove.

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