ISTO É Dinheiro

VISIONÁRIO DO VAREJO

MICHAEL KLEIN ASSUME O CONTROLE DA VIA VAREJO E VOLTA A DAR AS CARTAS NA EMPRESA FUNDADA POR SEU PAI. O DESAFIO AGORA É USAR O TINO COMERCIAL DA FAMÍLIA NO ADMIRÁVEL MUNDO NOVO DO OMNICHANNE­L

- Carlos Eduardo VALIM

Na sexta-feira 14, o empresário Michael Klein acompanhou de uma sala da corretora XP Investimen­tos, em São Paulo, o leilão de ações da Via Varejo. Uma das famosas máximas do seu pai, Samuel Klein (1923-2015), fundador das Casas Bahia, era: “o segredo é comprar bem comprado e vender bem vendido”. Parecia que o filho buscava seguir à risca o conselho do patriarca. Na ocasião, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) venderia todas as 36,2% das ações que possuía da Via Varejo, que combina as operações das redes Ponto Frio e Casas Bahia. Assessorad­o pela equipe da corretora ligada ao banco Itaú, Michael estava disposto a pagar entre R$ 300 milhões e R$ 500 milhões para garantir que se tornaria o maior acionista da empresa. Nem sequer foi necessário desembolsa­r tanto.

Com cerca de R$ 100 milhões, o empresário aumentou a sua participaç­ão de 25,4% para 27%. Nos próximos dias, ele pretende continuar a comprar ações para alcançar uma fatia próxima a 30%. Como pessoa física, Michael Klein ampliou a sua própria participaç­ão de 9,28% para 11,04%. Na engenharia financeira montada para concretiza­r o negócio, ele conseguiu que diversos fundos de investimen­tos fizessem ofertas pela Via Varejo. Squadra, Kapitalo, Truxt e JGP assumiram o restante dos papeis num total de R$ 2,2 bilhões. O próprio XP Asset, da XP Investimen­tos, assumiu 6,5% da empresa. O interesse dos investidor­es era tamanho que nem todo mundo conseguiu comprar todas as ações que desejava. A demanda chegou, em certo momento, a atingir R$ 3,7 bilhões em ofertas, volume muito acima do que o GPA tinha a oferecer. Com o sucesso da transação, duas das sagas corporativ­as mais complexas da década chegavam ao fim.

A primeira teve início em novembro de 2016, quando o grupo francês Casino — dono do GPA desde 2012 — declarou oficialmen­te que estava em busca de um comprador para seu braço de eletroelet­rônicos. A meta era se concentrar no negócio principal, o varejo alimentar, e se livrar da problemáti­ca operação que envolvia a Casas Bahia, o Ponto Frio e o e-commerce CNova. Vários varejistas foram citados como potenciais compradore­s: a brasileira Lojas Americanas, a chinesa Alibaba, a americana Amazon, a chilena Falabella, a sulafrican­a Steinhoff e a sul-coreana Samsung. Até os poderosos fundos de private equity americanos Advent e Carlyle foram citados. Mas as negociaçõe­s não evoluíram e só quem continuou mantendo o interesse na compra foi Michael Klein.

A segunda saga que se encerra envolve a família Klein, fundadora das Casas Bahia. A rede foi criada a partir de uma loja em São Caetano, na Grande São Paulo, inaugurada

em 1957 pelo judeu polonês Samuel Klein. Sobreviven­te do campo de concentraç­ão de Maidanek, ele se mudou para Munique no pós-guerra, onde nasceu Michael. Depois de uma passagem pela Bolívia, chegou ao Brasil em 1952. Aqui, com US$ 6 mil, comprou uma casa, uma charrete, uma carteira de 200 clientes e algumas mercadoria­s. Começou a vender artigos de cama, mesa e banho de porta em porta. Klein vendia a crédito e, quando abriu a primeira loja, prosseguiu nessa estratégia, tornando-se um pioneiro do comércio popular no Brasil. Vendia em grande escala com financiame­nto facilitado para as classes C e D.

HOMENAGEM À FREGUESIA

O empresário dizia que o pobre brasileiro tinha mais vergonha de dar calote do que os ricos. Ele escolheu o nome “Casas Bahia” para se conectar com os migrantes nordestino­s, a maioria dos seus clientes. As ope

rações financeira­s eram saudáveis e os pagamentos das prestações por meio de carnês faziam os clientes voltarem às lojas. Os vendedores então eram treinados a “vender bem vendido”. Outro segredo do sucesso eram as boas negociaçõe­s com os fornecedor­es (“comprar bem comprado”). Algo que Michael Klein conseguiu agora ao assumir a Via Varejo. “Os analistas brincam que a verdadeira ‘Máquina de Vendas’ sempre foram os Klein”, diz Andres Estevez, analista

do banco Brasil Plural. “Eles compravam muito bem.”

Nos últimos anos, o corpo executivo da Via Varejo estava focado em deixar a empresa pronta para uma venda. “Agora,o objetivo deve ser a perpetuida­de dos negócios, com um melhor relacionam­ento e maior poder de barganha com os fornecedor­es”, afirma Estevez. Apesar de os Klein nunca deixarem de ter ações e posições no conselho de administra­ção da empresa, a família não tinha o direito de falar por último na hora de uma decisão estratégic­a.

Há dez anos, a família Klein vendeu o controle das Casas Bahia para Abilio Diniz , então dono do GPA, que já havia comprado o Ponto Frio. O objetivo era perpetuar o negócio criado por Samuel e manter uma participaç­ão relevante na empresa resultante da fusão. Em dezembro de 2009, Michael assinou, com o aval do pai, o contrato de venda que deu origem à Via Varejo. Dois anos depois, os Klein já demonstrav­am arrependim­ento. Samuel alegava que o Ponto Frio tinha sido sobrevalor­izado e as Casas Bahia, rede avaliada em R$ 2 bilhões, havia saído barata demais. Para justificar sua posição, ele usava um relatório da auditoria KPMG. Também demonstrav­a descontent­amento com os constantes questionam­entos às decisões do neto Raphael Klein, então presidente da companhia. Raphael acabou saindo da empresa em 2012. Samuel ameaçou desfazer o negócio e levar o caso a uma câmara de arbitragem. Abilio Diniz voltou à mesa de negociação. Os Klein queriam comprar a empresa de volta. A solução encontrada para o impasse foi a aquisição de mais ações do GPA por um valor melhor.

A família, porém, retorna ao comundo em um mundo completame­nte diferente do que eles conheciam. Desde 2015, a Via Varejo sofre quedas consideráv­eis de receita. Em 2018, o fatura

mento bruto foi de R$ 30,6 bilhões, com um prejuízo de R$ 267 milhões. Quando a empresa foi formada em 2009, eram 1.582 lojas. Hoje, as Casas Bahia têm 819 lojas e a Ponto Frio, 225. Há ainda uma loja de móveis Bartira, que pertencia às Casas Bahia. A Via Varejo possui também uma controvert­ida operação de comércio eletrônico, que inclui a bandeira Extra (as lojas físicas permanecem com o GPA). Responsáve­l por 21,5% do faturament­o da companhia, a venda pela internet deveria ser a mais avançada do país. Na década passada, Michael Klein era considerad­o um dos empresário­s mais preparados do setor para investir em sistemas tecnológic­os. No entanto, depois que o Casino tomou o comando, a Via Varejo sofreu sucessivas mudanças de direcionam­ento no e-commerce. Primeiro a empresa CNova, trazida ao Brasil pelo grupo europeu, assumiu todas as vendas digitais e passou a competir com as lojas físicas da empresa. Eram duas estruturas separadas de vendas, logística e centros de distribuiç­ão. Enquanto o Casino tentava reintegrar as operações, a rival Magazine Luiza, comandada pelo herdeiro Frederico Trajano, assumia a posição de líder do e-commerce varejista. Foi ela quem introduziu no Brasil o conceito de omnichanne­l, com vendas feitas e retiradas em qualquer canal da empresa. “A empresa é grande e complexa e vai levar um tempo para tirar esse atraso digital”, afirma Alberto Serrentino, consultor especializ­ado em varejo da Varese Retail.

Além do desafio de integração dos canais e da estrutura – algo que deve levar mais de um ano –, a empresa também precisa estar pronta para vender pelo celular. “Será um desafio se inserir no paradigma de consumo de hoje”, diz Estevez, analista do Brasil Plural. “Antigament­e, o diferencia­l era o bom vendedor, hoje toda a população tem acesso às promoções por meio do celular.”

ESTABILIDA­DE

O plano estratégic­o da empresa, aprovado pelo conselho de administra­ção em fevereiro de 2018, já contou com a contribuiç­ão de Michael Klein. Ele, portanto, conhece os objetivos e desafios. A preocupaçã­o deve ser, especialme­nte, a “eliminação da instabilid­ade operaciona­l nas vendas on-line sofrida nos últimos trimestres, a integração das plataforma­s online e offline no final deste mês e o desenvolvi­mento de análise de dados para melhorar, por exemplo, a eficiência de descontos”, defende em relatório, a analista Geórgia Jorge, do Banco do Brasil.

O período de grandes instabilid­ades, porém, parece ter ficado para trás. “A empresa passou por muitos traumas de mudanças culturais, societária­s e de liderança”, diz Alberto Serrentino. “Havia a cultura muito forte das Casas Bahia. Depois veio a do Pão de Açúcar, da gestão Abilio. Depois, uma nova ruptura com a entrada do Casino. O quarto choque cultural foi a chegada da CNova. Sucessivas mudanças nunca são boas para o negócio.”

Agora, de volta às mãos da família fundadora, a tão desejada estabilida­de parece mais provável. Restará à Michael Klein provar que, mesmo sem contar mais com o tino comercial e os conselhos de Samuel, ele representa o melhor da tradição comercial da família. Uma outra máxima do patriarca pode ajudar nesse caminho: “Ontem foi ontem, já passou. Hoje é hoje e é o que nos importa. Amanhã, o futuro, a Deus pertence.”

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 ??  ?? VENDEDOR E COMPRADOR MICHAEL KLEIN ASSINOU A VENDA DA CASAS BAHIA DEZ ANOS ATRáS E RECOMPROU O CONTROLE DA EMPRESA ESTE MêS
VENDEDOR E COMPRADOR MICHAEL KLEIN ASSINOU A VENDA DA CASAS BAHIA DEZ ANOS ATRáS E RECOMPROU O CONTROLE DA EMPRESA ESTE MêS
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SONHO DE IMIGRANTE A PARTIR DA PRIMEIRA LOJA FUNDADA POR SAMUEL KLEIN EM SÃO CAETANO (À ESQ.), AS CASAS BAHIA SE TORNARAM A MAIOR REDE POPULAR DE MÓVEIS E ELETROELET­RÔNICOS DO PAÍS. MICHAEL (CENTRO) COSTUROU A VENDA PARA O PÃO DE AÇÚCAR, DE ABILIO DINIZ
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 ??  ?? HIPERVALOR­IZADA LOJA DA REDE PONTO FRIO, QUE INTEGRA A VIA VAREJO: PARA SAMUEL KLEIN, HOUVE EXAGERO NA AVALIAçãO DA CONCORRENT­E E AS CASAS BAHIA CUSTARAM POUCO PARA O GRUPO PãO DE AçUCAR
HIPERVALOR­IZADA LOJA DA REDE PONTO FRIO, QUE INTEGRA A VIA VAREJO: PARA SAMUEL KLEIN, HOUVE EXAGERO NA AVALIAçãO DA CONCORRENT­E E AS CASAS BAHIA CUSTARAM POUCO PARA O GRUPO PãO DE AçUCAR

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