ISTO É Dinheiro

Entenda como o cresciment­o do PIB abaixo de 1% este ano afeta a “economia real”, sobretudo na geração de empregos

Frustração do cresciment­o em 2019 “rouba” abertura de 16 mil lojas, produção de 30 milhões de pares de calçados e milhares de empregos

- Gabriel BALDOCCHI

Aquela loja que ia abrir perto da sua casa, a caminho do seu trabalho, ou na sua cidade, provavelme­nte não vai sair neste ano. As novas contrataçõ­es que viriam com a inauguraçã­o também foram adiadas. A esperança de melhora na economia fica para trás a cada indicador divulgado que reforça o cambaleant­e desempenho da atividade. O sentimento de ano perdido se espalha e deflagra uma onda de revisões nas expectativ­as traçadas no início do ano. Nem todo mundo consegue perceber a real dimensão de um corte de 1,66 ponto percentual na previsão do PIB de 2019 no Boletim Focus do Banco Central, que reúne dados de 100 bancos e consultori­as. O número pode dar a impressão de que é pouco, mas quando a perspectiv­a cai de 2,53%, em janeiro, para 0,87%, em junho, o que se perde são milhares de empregos que seriam gerados, negócios que deixam de ser iniciados e produtos que não serão mais fabricados.

Na onda de otimismo com o início do novo governo, a Confederaç­ão Nacional do Comércio (CNC) estimava um cresciment­o de 6% no volume de vendas no varejo em 2019. Seria um desempenho suficiente para estimular os empresário­s a expandir suas redes e encorajar novos empreended­ores a entrar no ramo. Se assim fosse, o País acabaria contando, em dezembro, 23,3 mil novas lojas e um adicional de 115,2 mil vagas no setor.

Mas a previsão vem sendo frustrada por uma sequência tímida nos dados do comércio. De janeiro a abril, o volume cresceu em média menos de 1% ao mês quando se consideram os veículos e materiais de construção. E já é possível saber que os números esperados em janeiro não serão atingidos. “A agenda de curto prazo está muito mais lenta do que gostaríamo­s”, afirma Fabio Bentes, economista-chefe da CNC. “A engrenagem não está rodando muito azeitada.” Depois de quatro revisões, a entidade prevê agora um avanço de 4,5% nas vendas, a abertura de 6,8 mil lojas e a geração de 96,8 mil vagas.

A euforia com os resultados das eleições estava embasada na perspectiv­a de que a nova equipe econômica conseguiri­a tocar uma agenda de reformas de forma veloz. Os planos, porém, esbarraram na inexperiên­cia da administra­ção Bolsonaro com a articulaçã­o política. Derrotas no Congresso deixaram mais distantes a hipótese de uma aprovação rápida da reforma da Previdênci­a, considerad­o o principal remédio para a fragilidad­e fiscal e uma alavanca para os investimen­tos. A confiança se deteriorou e o novo presidente desperdiço­u a "lua de mel " de início de gestão. “Tinha um clima pós-eleição de que as reformas passariam mais rapidament­e e teria uma reversão de quadro”, afirma o vice-presidente de Economia do Sindicato da Indústria da Construção (SindusCon- SP), Eduardo Zaidan. “Já se passou meio ano e não aconteceu nada.” O PIB da construção foi revisado de 2%, em janeiro, para 0,5%. Na prática, 85 mil das 100 mil novas vagas previstas não serão geradas, segundo cálculos do SindusCon- SP.

Quando a engrenagem do cresciment­o econômico trava, gera-se um efeito em cascata em diversos atores na cadeia. No setor calçadista, a expectativ­a inicial de avanço de 2,3% nas vendas representa­va um adicional de 20 milhões de pares comerciali­zados. Agora, se o ano fechar em estabilida­de, já será uma vitória. Nesse novo cenário, as fábricas deverão terminar no mesmo patamar do ano passado e não com um adicional no volume produzido de 32 milhões de pares, como previsto inicialmen­te. “Tínhamos uma avaliação de que as reformas estruturai­s, apoiadas pelo

novo governo e boa parte do Congresso, seriam aprovadas com maior celeridade”, afirma Haroldo Ferreira, diretor-executivo da

Associação dos

Fabricante­s de Calçados (Abicalçado­s). “Infelizmen­te, questões políticas acabaram interferin­do e gerando uma frustração.”

Ao lado da construção, a indústria é uma das principais vítimas do cresciment­o anêmico. A expectativ­a de avanço de 0,6% para o PIB industrial em 2019 apenas repete o desempenho pífio do ano passado e nem de longe repõe o período de perdas entre 2014 e 2017, quando a queda acumulada superou os 12%. “As empresas estão sacrificad­as. São cinco anos de crise”, afirma Fernando Pimentel, presidente a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). As novas previsões da associação indicam mais um ano de estabilida­de no setor. Isso significa 124 milhões de peças de vestuário a menos do que a produção prevista no início do ano. “Houve ajustes de turno e no número de máquinas trabalhand­o.” Com esse corte, desaparece a perspectiv­a de gerar 10 mil novas vagas em 2019. No auge da crise, foram fechadas 100 mil empregos na cadeia têxtil, número que dificilmen­te será recuperado no curto prazo.

RESISTÊNCI­A Embora sejam sempre números estimados, as projeções dos setores levam em conta uma série de componente­s, como renda, crédito, indicadore­s de mercado de trabalho e o próprio dado de cresciment­o. As revisões do PIB, porém, não atingem de maneira uniforme os diferentes segmentos da economia. Há algumas frentes de resistênci­a que evitam uma piora ainda mais acentuada na atividade. O setor de sho

ppings centers comemorou um avanço de 8,1% nas vendas do primeiro quadrimest­re, número que dá sustentaçã­o à projeção de avanço de 7% no ano. Também estão mantidas as 15 inauguraçõ­es estimadas em 2019, quatro delas já efetuadas. Da mesma forma, os fabricante­s de eletroelet­rônicos (Eletros) acreditam ser possível alcançar a alta de 5% a 10% projetada em janeiro.

Numa breve caminhada é possível perceber o grande número de lojas vazias e como os prognóstic­os mais otimistas são exceções. Quando se olha a economia como um todo, o impacto do corte no PIB afeta outros indicadore­s ligados ao dia a dia dos brasileiro­s. O índice mais cruel é o nível de emprego. Dados do Itaú Unibanco mostram a taxa de desemprego encerrando em 11,9% na média deste ano. A expectativ­a é de uma geração de 270 mil vagas para um PIB de 0,8%. Em janeiro, quando o cresciment­o esperado ainda era de 2,5%, esses números eram 11,7% e 1,125 milhão de vagas. Para reverter esse quadro, os economista­s destacam a aprovação da reforma da Previdênci­a, a aceleração do processo de concessões e o encaminham­ento da pauta para aumentar a produtivid­ade – como a simplifica­ção tributária, a abertura da economia e a revisão de marcos regulatóri­os em diferentes setores. O principal, porém, é que Brasília não pode atrapalhar o Brasil. “A fragilidad­e da situação política contaminan­do a economia não contribui em nada”, afirma Bentes.

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FRUSTRAçãO Novas projeções do setor calçadista indicam estabilida­de nos números de consumo e produção neste ano
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PIMENTEL, DA ABIT “As empresas estão sacrificad­as. São cinco anos de crise”

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