SAÚDE EM ALERTA
AMEAÇA DO CORONAVÍRUS EXIGE ATENÇÃO DO GOVERNO. LIBERAÇÃO DE RECURSOS PARA TRAZER REPATRIADOS DA CHINA E NOVA LEI QUE DISPÕE SOBRE QUARENTENA SÃO RESPOSTAS PONTUAIS. CONDIÇÕES DO SUS MOSTRAM QUE HÁ MOTIVOS PARA QUE A EPIDEMIA PREOCUPE
Ainda que seja cedo para mensurar exatamente os efeitos globais do coronavírus e como eles podem atravessar os oceanos, o avanço da epidemia a partir da China acendeu o sinal de alerta sobre pandemias em escala mundial e o impacto nas populações atingidas. No Brasil, o governo seguiu a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e decretou estado de emergência de saúde pública, além de aprovar, em tempo recorde, uma Lei no Congresso Nacional para repatriar brasileiros da cidade chinesa de Wuhan, o epicentro do problema. A ação, no entanto, tende a ser insuficiente para lidar com as epidemias que surgirão nos próximos anos. Para tentar minimizar os riscos, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deve enviar em breve um novo projeto de lei que trata sobre saúde humana dentro de contextos de surtos de doenças, além de preparar outra proposta para tratar especificamente de saúde animal.
Além das leis, em um país com dimensões continentais como o Brasil, o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) é vital para controlar ameaças virais e fomentar pesquisas e combate. Como nos últimos anos o SUS perdeu mais de R$ 40 bilhões do orçamento, sua capacidade de reagir e evitar doenças como a que assola a China está seriamente ameaçada. Quando uma epidemia se instala, traz consequências diretas sobre a economia, com efeito nocivo sobre a produção de riquezas. “Precisamos fortalecer o SUS, porque ele é o melhor indicador sobre como contornar situações de crise como a que se avizinha”, diz a médica sanitarista Cecília Gordon, que integra o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). Para ela, o melhor caminho é pesquisar a prevenção. “Qualquer outra medida é enxugar gelo”.
Com a diminuição do orçamento do SUS desde a aprovação do teto dos gastos, em 2016, a situação do órgão é frágil. “As filas crescem, porque muitos funcionários que se aposentaram não tiveram seus cargos repostos. Também há queda no orçamento de pesquisa”, afirma Roberto Maranhão, médico aposentado em 2018 e exchefe da divisão epidemiológica do SUS em Minas Gerais. Se o orçamento do SUS é problemático, tudo indica que vai piorar. Com o teto, o mínimo obrigatório do investimento, que era de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), foi desvinculado, ficando previsto que até 2036 valeria o piso de 2017, com correção do IPCA. “O piso ainda não quebrou, mas está gravemente rachado”, afirma Bruno Moretti, mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Há outro fator preocupante. “A combinação das regras fiscais restritivas — regra de ouro, Lei de Responsabilidade Fiscal e teto de gastos — tem efeitos sociais e econômicos nocivos no longo prazo”, diz Moretti.
De acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), do total previsto para ações e serviços públicos de saúde em 2020 (R$ 136 bilhões), 27% ficam sob a restrição da regra de ouro. O sanitarista Cláudio Maierovitch, da Fiocruz Brasília, analisa os efeitos desse cálculo na prática. “O SUS já trabalha além do limite, sobrecarregado e com uma falta de recursos que deve ser agravada com a diminuição do orçamento da saúde”, afirma Maierovitch.
Com essas limitações, caso haja uma epidemia, o impacto econômico é certo, como explica o economista Wagner Córdoba, doutor em orçamento público pela Universidade do Estado de São Paulo (UNESP). Por duas razões: “Primeiro, pessoas doentes trabalham e consomem menos; segundo porque o governo vai tirar dinheiro de outras áreas para tapar o buraco na saúde”. Ele alerta ainda para o risco do Brasil ter de lidar com mais casos da doença justamente no período em que historicamente há surtos de dengue e infecções respiratórias. “Os fatores indicam para grandes epidemias este ano. Se elas ocorrerem ao mesmo tempo, será um verdadeiro caos”, diz Córdoba.
É importante lembrar que, em 2009, a gripe H1N1 colocou várias cidades em situação de calamidade. Desde que chegou ao Brasil, a H1N1 causou 2,7 mil mortes. Ainda assim, o País não possui nenhum laboratório de nível 4 para estudos do vírus e desenvolvimento de vacinas. Nos Estados Unidos existem oito laboratórios desse tipo.
Para além do potencial de diminuir a força de trabalho e reduzir o
PIB de um país, doenças como o coronavirus também impactam a economia mundial. Exemplo disso é a expectativa de analistas de que haverá uma baixa generalizada no preço das commodities, já antecipando o menor poder de compra dos chineses. Na quarta-feira 3, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, garantiu que não haverá por parte do Brasil sanções na compra de produtos chineses, mas o caminho inverso dessa balança comercial pode sofrer muitos abalos.
Prova disso é que o surto reduziu em R$ 54,4 bilhões o valor de mercado de cinco gigantes nacionais. Uma delas é a Vale, que perdeu R$ 23 bilhões. Outras baixas foram na Petrobras (R$ 17 bilhões), na Suzano (R$ 6,6 bilhões), na JBS (R$ 4,5 bilhões) e na BRF (R$ 2,6 bilhões), todas com valor de mercado atrelados a commodities. Em 2019, o mercado chinês foi responsável por 28% das exportações do Brasil, de acordo com dados do Ministério da Economia. É mais do que o dobro das vendas feitas para os Estados Unidos (13%).
EFEITO COLATERAL “O milho e a soja estão entre os grãos que devem ter um efeito mais duradouro de queda. Nas bolsas pelo mundo, é evidente o esvaziamento das carteiras focadas nessas oleaginosas”, diz o analista de investimentos Carlos Malta. Para ele, essa será a deixa para que outros países compradores do grão ganhem vantagem nos preços. Os gastos com o coronavírus também são altos. Uma estimativa da OMS fala em US$ 675 milhões já gastos. Apesar do alto volume, a organização avalia que as nações que investirem em pesquisa e desenvolvimento de vacinas estarão mais bem preparadas para combater mutações da doença no futuro.
O governo vai tirar dinheiro de outras áreas para tapar o buraco na saúde”
WAGNER CóRDOBA, DOUTOR EM ORçAMENTO PúBLICO PELA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SãO PAULO
Por que o projeto de lei aprovado pelo Congresso não trata do controle de epidemias dentro do País?
Eu enxuguei deliberadamente o texto para fazer o acordo que dará condições mínimas para o combate ao coronavírus. No entanto, me comprometi a mandar o projeto que diz respeito à saúde humana, mais abrangente. Vou mandar uma sugestão de projeto de lei, sem urgência. Essa dinâmica de problemas em meio a surtos como está já apareceu aqui em 2009, com a gripe H1N1 e depois na época da MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e do Ebola, mas é sempre feita uma coisa pontual. O Brasil carece de uma lei clara, até para os seus cidadãos saberem em que situação isso se dá.
O que teremos nessa nova proposta legislativa?
O projeto completo, no que diz respeito à saúde humana, tem em torno de 85 artigos. E ainda vamos precisar discutir a mesma questão de regulamento sobre a parte animal. Temos grandes rebanhos de suínos, aves... E se acontecer de ser necessário colocarmos em quarentena um frigorífico ou uma granja?
Por que separar os projetos?
Ao todo, são 80 artigos para tratar de temas como quarentena, tratamento compulsório, questões de fronteira e o direito de ir e vir. Nós não podemos discutir todas essas questões tão rapidamente. É preciso deliberar e se preparar para o futuro.
Hoje, qual é a real situação do coronavírus no Brasil?
Estamos sem casos confirmados de coronavírus dentro do País, todos os casos suspeitos foram descartados. Mas isso não impede que, mais para a frente, tenhamos um. Esperamos que não. Mas, em um mundo globalizado, isso pode acontecer.
Qual será o tratamento empregado aos brasileiros repatriados da China?
É muito importante garantirmos que as pessoas tenham todo o apoio médico, social e psicológico. Devemos gastar cerca de R$ 140 milhões em compras de equipamentos para o combate do vírus. Os custos serão todos da União. Também vamos aproveitar nossos espaços de alta tecnologia para incentivar a pesquisa de medicamentos para combater o vírus.
E os militares que fizeram a viagem para buscar os brasileiros na China?
Eles também ficarão na base de Goiás, realizando uma quarentena. Pensamos em, talvez, deixar que eles ficassem isolados na própria residência, mas é mais prudente deixá-los também sob atenção.
Há riscos para os brasileiros que estão nas proximidades da base?
Não há. Precisamos ter muita calma neste momento e não nos desesperarmos. Até agora, o que sabemos é que a transmissão do coronavírus é baixíssima. Não há motivos para as pessoas entrarem em pânico.
O Ministério da Saúde trabalhará na capacitação de profissionais nos estados e municípios?
Sim. A partir da próxima semana, faremos um encontro com 54 secretários de Saúde de estados e municípios, em Brasília, para discutirmos os pontos mais urgentes. Depois, haverá campanhas para capacitação dos profissionais regionais.
Já foram notificados muitos casos de preconceito contra chineses em função do coronavírus. Como lidar com esse tipo de situação?
Houve um estado que chamou a imprensa e disse que tinha um caso suspeito. A pessoa pegou um Uber compartilhado e um chinês espirrou duas vezes. Daí, concluíram pelo caso suspeito e foram atrás do chinês. Então, começa a ter uma coisa muito perigosa, que é a discriminação.
Em um caso como esse, que remédio o senhor recomendaria para combater de uma vez as fake news em relação ao coronavírus no Brasil?
Eu entendo a situação de apreensão que as pessoas enfrentam em um momento como este. Mas não há motivos para pânico. O melhor caminho para lidar com essa tensão é seguir as orientações das unidades de saúde, do site do Ministério e de meios de comunicação de confiança. As fake news são problemáticas e precisamos estar atentos para não cair na paranoia por causa de uma informação inverídica.