ISTO É Dinheiro

ENTREVISTA

- Sérgio VIEIRA

Presidente da Mercedes-Benz para o Brasil e América Latina, Philipp Schiemer fala sobre os desafios de crescer no País

Otimismo com pé no chão. É dessa forma que o presidente da Mercedes-Benz do Brasil e América Latina, Philipp Schiemer, interpreta as previsões de cresciment­o de 2,5% do PIB em 2020 (em revisão, por conta do impacto global da expansão do coronavíru­s). Para ele, a economia está na marca do pênalti. “Gol é bola na rede. É necessário trabalhar.” Em 2019, pelo menos para a montadora alemã, o trabalho deu resultado: cresciment­o de 42% nas vendas de caminhões, com 29.951 unidades (30% de participaç­ão no mercado). Em ônibus, foram 11.150. Mesmo assim, o executivo, que retorna em junho à Alemanha para assumir a chefia mundial de marketing, vendas e serviços ao cliente do segmento ônibus da Daimler (controlado­ra da Mercedes-Benz), entende que o mercado brasileiro está aquém do potencial. “É o custo Brasil, a instabilid­ade, a taxa de juros elevada para o consumidor. É complicado produzir e vender hoje no Brasil.”

DINHEIRO – Como o custo Brasil impacta o mercado de caminhões e de ônibus? PHILIPP SCHIEMER – É muito complicado produzir e vender hoje no Brasil. É um País muito caro. A infraestru­tura é um problema e gera um custo adicional. O sistema tributário brasileiro é complicado, extremamen­te arcaico e não competitiv­o. O melhor exemplo é que na exportação, exportamos imposto. É o único País no mundo que faz isso. É uma desvantage­m do início ao fim do processo.

O que pode ser feito para melhorar a competitiv­idade das empresas do setor?

Há muita coisa a ser feita. Apenas no que diz respeito a custos, enquanto o frete de um produto da Índia para o Peru, por exemplo, fica em torno de US$ 900, do Brasil para o Peru custa US$ 1,5 mil. Todo esse sistema precisa ser renovado, o que inclui reduzir a burocracia. No Brasil, as licenças demoram para sair.

As siderúrgic­as trabalham para reajustar em cerca de 5% o valor do aço para as montadoras. Como está essa negociação?

Estamos discutindo isso. É um debate difícil, mas não vejo o preço do aço subir no mundo. Não existe argumento para esse reajuste, já que o preço do aço se relaciona com o índice internacio­nal e não há movimento nesse sentido.

Mesmo com todos esses obstáculos, o setor cresce. O avanço poderia ser ainda maior sem esses entraves?

A pergunta é essa. Estamos crescendo porque estamos saindo do buraco. Nosso cresciment­o é positivo, mas nada mais é do que sair do buraco. Quanto deveria ser o mercado de caminhões para o Brasil em um ano normal? Primeirame­nte, não existe ano normal no Brasil. Mas, pela comparação com outros países, o mercado deveria ser entre 150 mil e 200 mil caminhões por ano. Em 2019 fechamos com cerca de 100 mil ( 101.335 unidades comerciali­zadas, segundo a Associação Nacional dos Fabricante­s de Veículos Automotore­s). Estamos longe de onde poderíamos estar. É o custo Brasil, a instabilid­ade do País, a taxa de juros ainda muito elevada para o consumidor... Mas a gente está percebendo que estamos indo para uma boa direção. Poderemos ter daqui algum tempo mudanças significat­ivas.

As prefeitura­s são grandes clientes de ônibus, principalm­ente para transporte escolar. Nas disputas municipais, a empresa muda a estratégia?

Ano eleitoral municipal significa antecipar as compras para o primeiro semestre. Para o negócio em geral, há pouca influência. Não diminui a venda de ônibus, mas antecipa os processos de licitação para os primeiros meses do ano.

Como fazer com que a renovação de frota de caminhões seja, de fato, uma política de Estado, já que os veículos mais antigos hoje são isentos de IPVA?

Em qualquer outro país você tem renovação automática da frota, porque quanto mais velho o produto, mais imposto paga, já que ele polui mais, danifica mais estradas. No Brasil é o contrário, o que desmotiva tirar caminhão velho das estradas, uma vez que ele anda de graça, em termos de imposto. Por isso temos uma frota com idade média de 20 anos, enquanto na Europa a idade média é de apenas seis anos.

O cenário para a Mercedes-Benz no Brasil é de otimismo?

Sou otimista, mas é necessário trabalhar. Nada vem de graça. Isso vale para nós, da empresa, e para o governo. O cresciment­o de 2,5% da economia ( estimativa para 2020) vem quando as reformas são colocadas na prática e os projetos começam a sair do papel. Gol é bola na rede. Hoje temos a bola na marca do pênalti. Essa cobrança vale para nós também. Lançamos o novo Actros e agora precisamos colocá-lo na rua, fazer com que atenda às promessas que fizemos, que é mais econômico, mais seguro, tem menos manutenção e isso nós devemos mostrar na prática. A gente é otimista no coração. No planejamen­to, a gente é realista.

Como o mercado vem reagindo a um modelo com tantas inovações digitais como o Actros? Vendemos quinhentas unidades. A produção está começando na fábrica de São Bernardo do Campo e os caminhões começam a ser entregues em abril. O mercado não acredita na tecnologia mas sim nas melhorias e benefícios que ela possa garantir. Tanto faz para o cliente se o caminhão tem câmera, sensor. Quando você explica que isso reduz acidente, aí ele se interessa. Os sensores do caminhão medem a distância para o veículo da frente, observam a estrada e tomam a decisão automatica­mente caso o motorista não reaja. A grande maioria dos acidentes de caminhão é motivada pela batida na traseira de veículos, porque às vezes não havia distância suficiente para frear. E o caminhão olha também pelo caminhonei­ro e ajuda a reduzir acidentes. O consumidor não compra a câmera, mas sim um caminhão que ajuda o motorista a evitar batidas. O cliente não compra caminhão porque gosta, mas porque

“A infraestru­tura ainda é um problema, mas é um dos segmentos no qual vemos avanços. O governo está fazendo obras. Uma delas é a BR-163, que agora está asfaltada”

quer ganhar dinheiro com o negócio. O novo Actros também gera menos manutenção e reduz consumo de combustíve­l.

Com esse raciocínio, o caminhão elétrico deve ser uma realidade mais distante? Pode surgir por legislação, o que eu acho difícil, ou vai avançar quando o cliente perceber vantagem. Não vai ser neste ano nem no ano que vem que o elétrico será forte no mercado de caminhões. Vai demorar.

A adoção da tecnologia 4.0 nos processos vai causar impacto nos empregos na companhia?

Não vai significar redução. Todo investimen­to que se faz é para obter eficiência depois. E devemos ter aumento na eficiência de 15% a 20%. E isso já está calculado dentro de nossa mão de obra. Nós podemos fazer mais por menos, mas precisamos das pessoas em muitos setores, como por exemplo, a produção do novo Actros. Também haverá modernizaç­ão dos ônibus com a indústria 4.0, mais rápida, sem papel. Também haverá novidades neste ano, com o lançamento de três novos produtos, tanto em caminhão quanto em ônibus.

Historicam­ente, as matrizes sempre deram apoio financeiro às filiais do Brasil. Como o senhor imagina esse cenário para os próximos anos? Todas as montadoras, nos últimos anos, mandaram muito dinheiro para cá e receberam quase nada. Ou elas bancaram investimen­tos ou cobriram prejuízos dos fabricante­s brasileiro­s. Esse caminho vai começar a ser mais difícil, porque o dinheiro está mais escasso. A nossa matriz está bastante satisfeita com os números do ano passado no Brasil. Em 2017, conseguimo­s convencer a empresa a investir R$ 2,4 bilhões entre 2018 e 2022, direcionad­os à modernizaç­ão de fábrica de caminhões e chassis de ônibus, dos quais R$ 900 milhões nos próximos dois anos, e hoje a gente recebe os resultados e a resposta de que o investimen­to foi o caminho certo. No futuro esse trabalho vai ser mais difícil. Os investimen­tos precisam ser pagos pelo próprio caixa da montadora no País. Dito isso, o fato é que a nossa matriz está satisfeita com o Brasil.

A recente saída da Ford de São Bernardo do Campo, que fica na região onde sempre foi o berço do mercado automotivo no Brasil, causa impacto no setor como um todo? Isso mostra a dificuldad­e e a competitiv­idade que o setor enfrenta. Se uma empresa como a Ford decide sair de São

Bernardo do Campo pode ter certeza que isso foi muito discutido. E, muito provavelme­nte, porque a situação econômica não permitia mais manter a fábrica. Por isso é importante que o Brasil seja atraente para o investidor e que a cidade também seja atraente. Se aqui o salário é o dobro do que em outras regiões do Brasil, é natural que novas empresas procurem cidades onde consigam produzir de forma mais barata. O nosso produto não é comprado por ser bonito, mas porque ele é rentável. Por isso a indústria adota a busca contínua de ser competitiv­a. A cidade de São Bernardo do Campo precisa pensar como ser mais atraente para o investidor. Nós decidimos ficar na cidade e estamos investindo fortemente.

A falta de investimen­tos em infraestru­tura também afeta o setor. Isso tem melhorado?

A infraestru­tura ainda é um problema, mas é um dos segmentos no qual mais vemos avanços. Ainda não é totalmente perceptíve­l, mas nós, da logística de carga, percebemos que as estradas estão melhorando. O governo está investindo e o Ministério da Infraestru­tura está conseguind­o fazer grandes obras. Uma delas é a BR-163 (corredor logístico que liga Rio Grande do Sul ao Pará), onde hoje boa parte da safra brasileira está sendo escoada e que agora está asfaltada. Uma viagem de cinco dias está sendo reduzida pela metade do tempo. E há licitações em andamento. A gente acha viável o plano de concessões de rodovias. Mesmo ainda não estando em obras, algumas contrataçõ­es já saíram do papel.

Sua anunciada transferên­cia para a Alemanha, para assumir a chefia mundial de marketing e vendas de ônibus da Daimler, pode ser vista como reconhecim­ento do bom resultado da Mercedes-Benz no Brasil? Mudar, depois de sete anos numa mesma posição, de certa maneira, é normal dentro de um grupo mundial como a Daimler. Mas, sem dúvida, a volatilida­de do mercado brasileiro qualifica muito bem um executivo para assumir responsabi­lidades mais complexas.

Como o senhor encara esse novo desafio? Encaro esta nova tarefa com bastante humildade e com foco no cliente.

“Se uma empresa como a Ford decide sair de São Bernardo do Campo, é porque a situação econômica não permitia mais. A cidade precisa pensar em como ser mais atrante”

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