ISTO É Dinheiro

FOCO NA BAIXA RENDA

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R$ 600 do auxílio emergencia­l durante a pandemia elevou o índice de aprovação do governo Bolsonaro para 40% em setembro, o melhor resultado desde a eleição. No final de 2019, apenas 19% considerav­am o governo bom ou ótimo.

O “efeito auxílio” desenhou para Bolsonaro o recado do eleitorado de baixa renda. O problema é que, embora seja boa a ideia de anabolizar políticas de distribuiç­ão de renda em tempos de recessão e desemprego em níveis recordes (hoje em 13,8%), o governo não tem uma fonte de recursos ilimitada. Por isso, inicialmen­te, não sabia de onde poderia tirar o dinheiro. Depois, descobriu uma maneira de fechar a conta. Para pagar o Renda Cidadã e aumentar as chances de se reeleger, terá de desviar 5% (cerca de R$ 8 bilhões) dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvi­mento da Educação Básica (Fundeb). Além disso, precisaria adiar o pagamento de valores determinad­os por sentenças judiciais em que a União é condenada, os chamados precatório­s. “Isso nada mais é do que uma política econômica baseada em malandrage­m, uma agenda bem conhecida no Brasil”, afirmou o economista Marcos Lisboa, diretor-presidente do Insper e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o governo Lula.

Ao apresentar o Renda Cidadã e suas fontes de financiame­nto, o governo azedou ainda mais a relação com o mercado e com investidor­es internacio­nais. Na segunda-feira (28), dia do anúncio, a bolsa caiu 2,47% e o dólar subiu 2,02%. O temor de um agravament­o da situação das finanças públicas no Brasil fez com que o real se consolidas­se, com desvaloriz­ação de 40,11% até a quarta-feira (30), como a pior moeda do mundo em 2020 entre as 33 divisas mais negociadas. Segundo a economista-chefe da Veedha Investimen­tos, Camila Abdelmalac­k, o mercado foi claro: “Fundeb e precatório­s são soluções que burlam o teto dos gastos,

O programa Renda Cidadã amplia o Bolsa Família de R$ 34 bilhões para R$ 50 bilhões, mas tira dinheiro de onde não deveria então o Renda Cidadã não nasce de uma maneira correta.”

Para o jurista Miguel Reale Júnior, coautor dos processos de impeachmen­t dos ex-presidente­s Fernando Collor e Dilma Rousseff, a manobra abre espaço para que Bolsonaro seja juridicame­nte responsabi­lizado por crimes na gestão dos recursos públicos. “Não há dúvida de que a proposta representa um crime de responsabi­lidade fiscal, uma pedalada”, afirmou. Esse entendimen­to é compartilh­ado até por pessoas que fizeram parte da atual equipe governista. Para o economista Alexandre Manoel, que integrou o governo Michel Temer e compôs o time técnico do ministro Paulo Guedes até março deste ano como secretário de Avaliação, Planejamen­to, Energia e Loteria do Ministério da Economia, a única forma de criar uma nova despesa sem descumprir o teto de gastos é cortar custeios hoje considerad­os obrigatóri­os.

Além dos entraves fiscais, o gesto populista de Bolsonaro é visto com preocupaçã­o na esfera jurídica. O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, e o coordenado­r da Comissão Especial de Precatório­s, Eduardo Gouvêa, afirmaram que a proposta do governo de abastecer o Renda Cidadã com dinheiro reservado para pagar dívidas da União “traz enorme inseguranç­a jurídica”. Para eles, “o que se propõe é um calote da dívida pública judicial”. Essa dívida será empurrada para os futuros gestores, “criando uma bomba armada para explodir no futuro”, afirmaram, em nota conjunta. “A sinalizaçã­o para investidor­es, essenciais nesse momento em que se busca a recuperaçã­o econômica do País, não poderia ser pior.”

PASSO ATRÁS Diante da reação negativa, Guedes voltou atrás na decisão de utilizar dinheiro dos precatório­s. Desmentiu o que ele mesmo havia dito e citou um erro de interpreta­ção. “Os precatório­s são dívida líquida e certa. O governo vai pagar tudo” afirmou. “Não vamos usar para financiar programas, que não é regular, não é uma fonte saudável, limpa, permanente, previsível. Mas é natural, se estamos querendo respeitar teto, passar uma lupa em todos os gastos”, disse.

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