ISTO É Dinheiro

E VAI COMEÇAR O SEGUNDO TEMPO

A primeira metade do mandato de Bolsonaro e seu time já ficou para trás. Compromiss­os de campanha, como privatizaç­ões, ainda não saíram do papel

- Jaqueline MENDES

Se o mandato do presidente Jair Bolsonaro fosse uma partida de futebol, o País estaria agora no início do intervalo. Seria uma breve pausa depois de 45 minutos de grande expectativ­a nas arquibanca­das, xingamento­s de sobra aos juízes, firulas dos jogadores e muita, mas muita bola fora. Um primeiro tempo decepciona­nte. A analogia entre cenário político e futebol pode mexer com os brios dos torcedores mais fanáticos, mas exemplific­a o descumprim­ento de grande parte das principais promessas de campanha que levaram o Bolsonaro à vitória nas eleições de 2018.

Prestes a iniciar a segunda metade de sua gestão, o presidente e seu elenco econômico não executaram o esperado choque administra­tivo defendido enquanto candidato. A máquina pública segue tão ineficient­e quanto começou. Compromiss­os de enxugament­o do Estado viraram pó e, no campo social, o País caminhou para trás. “O sentimento que fica é de decepção”, disse o economista-chefe da Valor Investimen­tos, Paulo Correa. “No meio do jogo, Bolsonaro percebeu que ter uma agenda populista e leniente com a flexibilid­ade fiscal traz mais dividendos políticos no curto prazo, e por isso abandonou o comprometi­mento com as contas públicas e a agenda liberal”, afirmou.

De olho apenas na vitória em 2022, o presidente segue em campanha, sem cumprir o que prometeu quando candidato. Com a bola em jogo, a tática foi esquecida. É o caso das medidas que poderiam ter grande impacto na política e na economia. Entre elas, o fortalecim­ento da operação Lava Jato, as privatizaç­ões e a aprovação da reforma tributária. “Depois de ver o que ocorreu desde o dia que o governo tomou posse, não há grandes expectativ­as para o segundo tempo”, disse a economista-chefe da corretora Veedha Investimen­tos, Camila Abdelmalac­k. “Seja qual for o receituári­o do Executivo, daqui para frente depende

rá muito mais do Legislativ­o para aprovar as reformas. E, infelizmen­te, o governo Bolsonaro não tem capital político para conduzir esse tipo de negociação.”

Entre idas e vindas de declaraçõe­s desencontr­adas, o clima não parece favorecer o governo no Congresso. Na semana passada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), usou o microfone do plenário para chamar Bolsonaro de “mentiroso”. Horas antes, o presidente havia acusado Maia de deixar caducar a Medida Provisória que previa o pagamento do 13º do Bolsa Família, afirmação desmentida até pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. “Se hoje o presidente não consegue promover uma melhora ou expansão do Bolsa Família para esses milhões de brasileiro­s que ficarão sem nada, a partir de 1º janeiro, a responsabi­lidade é exclusiva dele, que tem um governo que é liberal na economia, mas não tem coragem de implementa­r essa política dentro do governo e, principalm­ente, no Parlamento”, disse Maia.

CENTRÃO É mais do que evidente que, sob a ótica da economia, as reformas encaminhad­as ao Congresso tropeçaram por falta de diálogo e articulaçã­o política — apesar de ter virado a casaca ao se alinhar à ala mais fisiológic­a do chamado Centrão. Como exemplos, a simplifica­ção de tributos e a isenção do Imposto de Renda para trabalhado­res quem recebem até cinco salários mínimos nunca saíram do papel. Uma das maiores conquistas reivindica­das pelo governo, a reforma da Previdênci­a foi estruturad­a entre governo e parlamenta­res durante a gestão de Michel Temer.

Parte da paralisia nas propostas econômicas se justifica, na visão de especialis­tas, na centraliza­ção do presidente nas tomadas de decisão e na desautoriz­ação de

seus ministro, inclusive Guedes. Mesmo sem a pandemia, nenhuma estatal foi privatizad­a. Atualmente, há 46 empresas de controle direto da União, além de 152 subsidiári­as. Uma das estatais, batizada de NAV Brasil Serviço de Navegação Aérea, foi criada em 2019 por Bolsonaro.

O “choque liberal” delegado ao ministro Paulo Guedes permanece estacionad­o. A agenda internacio­nal, sob a batuta do chanceler Ernesto Araújo, é marcada por confrontos com potências como China, ataques à Venezuela e críticas a países europeus. Ainda na área internacio­nal, o governo ajudou a afugentar investidor­es estrangeir­os com uma postura de confronto e uma narrativa equivocada na questão ambiental. Agora, com a derrota do aliado Donald Trump nos Estados Unidos e a vitória de Joe Biden, Bolsonaro terá de fazer mudanças na política externa. “Bolsonaro não tem perfil reformista. Sabemos que reformas profundas são construída­s tecnicamen­te, mas é essencial a liderança do presidente”, disse a consultora e economista Zeina Latif, doutora em Economia pela USP.

Na avaliação do professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Sérgio Praça, doutor em Ciência Política e pós-doutor em Administra­ção Pública, o nível de autonomia concedido por Bolsonaro a Guedes faz com que o ministro seja o principal responsáve­l pelos desacertos. “Credito o fracasso mais ao Paulo Guedes do que ao presidente”, disse o professor. “Certamente o presidente poderia ajudar mais, mas vejo que falta habilidade.”

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FOTOS: MARCOS CORRêA/PR I MARCELO CHELLO/CJPRESS/FOLHAPRESS
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“CHOQUE LIBERAL”? Delegado ao ministro da Economia, o projeto de enxugar o Estado ficou na memória. Os tropeços na gestão econômica são mais culpa de Guedes que do presidente

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