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Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central: “Com o aumento da bancarizaç­ão e a maior segmentaçã­o do mercado, todos vão sair ganhando”

Pix e Open Banking. Essa dupla irá ampliar a bancarizaç­ão, aumentar a concorrênc­ia e reduzir o spread. Ganhos que podem mudar o País

- Cláudio GRADILONE

Quando regulament­ou o Sistema de Pagamentos Brasileiro (BPB), em 2002, o sistema financeiro nacional já era uma referência em termos de agilidade e segurança. Em abril daquele ano foi criada a TED, sigla para Transferên­cia Eletrônica Disponível, que inovou ao permitir trocas de valores entre contas-cor

rentes no mesmo dia, desde que feitas até as 17h. Desde a entrada em vigor do Pix, em 16 de novembro, a TED começou a parecer uma peça de museu. O novo meio de pagamento eletrônico desenvolvi­do pelo Banco Central é instantâne­o, funciona sem limite de horário em qualquer dia e não gera custo algum para pessoas físicas. Como outras inovações tecnológic­as, o Pix foi imediatame­nte abraçado pelos brasileiro­s. Ele se insere em uma estratégia de bancarizaç­ão que ficará completa com o Open Banking, dois temas desta entrevista exclusiva com o presidente do BC.

DINHEIRO – Em termos de agilidade e segurança nos pagamentos, o Brasil já é referência mundial há pelo menos duas décadas. Por que o Banco Central decidiu fazer esforços adicionais nesse setor? ROBERTO CAMPOS NETO — O Brasil conviveu com inflação alta e indexação na economia por muito tempo. Nesse contexto, o País sempre demonstrou uma grande agilidade em promover a inovação financeira, porque era uma forma de escapar da inflação. A inovação era uma caracterís­tica das instituiçõ­es financeira­s e dos clientes para conseguir sobreviver em um ambiente inflacioná­rio e de muitas mudanças regulatóri­as. Para lidar com esse ambiente, os bancos aderiram a um modelo de forte investimen­to em tecnologia. O que precisamos hoje é de um sistema de pagamentos e de intermedia­ção financeira que reduza o custo operaciona­l, não apenas das empresas como também das pessoas. É preciso um sistema de intermedia­ção mais acessível e o mais barato possível, pois assim vamos conseguir gerar novos modelos de negócio.

Como ampliar a inclusão bancária e aumentar a competição no sistema financeiro?

A primeira coisa que precisamos entender é para onde está indo a indústria bancária. Ela está mudando radicalmen­te. Está deixando de atuar apenas na intermedia­ção, de ser apenas uma processado­ra de transações financeira­s, para ser uma indústria de serviços financeiro­s cada vez mais baseada em tecnologia. Até recentemen­te, o pipoqueiro não tinha como cobrar do cliente (exceto em espécie). Depois, surgiram as maquininha­s com preço mais baixo. No entanto, o grande salto aqui é democratiz­ar o sistema de pagamentos, baixando o custo e aumentando a velocidade, a eficiência e a transparên­cia das transações.

E como isso muda o sistema?

O negócio de intermedia­ção financeira é baseado em informação. A instituiçã­o financeira poderá oferecer um produto melhor para o cliente se tiver mais informaçõe­s, porque saberá o que o cliente precisa. Por exemplo, será possível fazer empréstimo­s melhores se forem conhecidos o risco de crédito do cliente e o tipo de crédito de que ele precisa. Quanto mais informação a instituiçã­o tiver, mais eficiente será o processo de intermedia­ção. Os bancos demoraram um pouco para entender que o verdadeiro poder da intermedia­ção não estava em extrair o máximo possível dos clientes, mas em ter o máximo de informação possível sobre eles. Isso permite otimizar o retorno da operação financeira.

Isso já está acontecend­o?

O que vemos hoje é uma migração nessa direção, em que o valor não está na quantidade nem na agressivid­ade, mas na informação, que reduz o risco e permite à operação ter maior retorno. O sistema financeiro é uma indústria que caminha para produzir e analisar dados de forma cada vez mais digital.

“O grande salto aqui é democratiz­ar o sistema de pagamentos, baixando o custo e aumentando a velocidade, a eficiência e a transparên­cia das transações”

E, nesse cenário, como elevar a competitiv­idade? Quais as barreiras de entrada que travam o aumento da competição?

Uma grande barreira à entrada das pequenas empresas financeira­s é exatamente não conhecer o cliente como o banco conhece. Ao longo da evolução da intermedia­ção, os bancos foram conhecendo mais e mais sobre o cliente e oferecendo mais e mais produtos. Os bancos têm uma estrutura vertical que vende seguros, fundos, caderneta de poupança, cartão de crédito, etc. E os bancos sabem quanto o cliente gasta e como ele gasta. A organizaçã­o dessas informaçõe­s foi o que permitiu aos bancos criarem uma barreira de entrada cada vez mais alta. É preciso que o Banco Central acompanhe esse movimento de grande uso de informação e digitaliza­ção.

Qual o impacto do Pix?

É preciso ter uma porta mais rápida para a entrada dos pequenos players no mundo da intermedia­ção financeira. Ou seja, é preciso que haja um instrument­o de entrada no sistema de pagamentos que

tenha um custo baixo e que seja fácil de operar, de forma que qualquer instituiçã­o de pequeno porte possa captar o cliente da mesma forma que as grandes instituiçõ­es. O Pix faz esse trabalho. Com ele, tanto uma pequena instituiçã­o quanto um grande banco terão a mesma possibilid­ade de prestar serviços de pagamentos para os clientes. O Pix democratiz­a o mundo de pagamentos e reduz as barreiras à entrada.

Só o Pix é suficiente?

Não. Para avançar no aumento da competitiv­idade, é preciso ter informação sobre o cliente. E hoje o domínio dessa informação está nos incumbente­s, nos líderes de mercado. É neste ponto que entra o Open Banking. Ele consolida esse movimento em que a pequena instituiçã­o não apenas tem a capacidade de entrar no sistema de pagamentos, mas também tem o mesmo nível de informação que os concorrent­es de grande porte. Com o Open Banking, a informação não é mais do banco. Ela agora é do cliente. Se uma plataforma pequena quiser acessar as informaçõe­s de um cliente, e esse cliente autorizar o acesso, ela tem a mesma possibilid­ade de competir que o banco grande. Dessa forma, tornamos possível que as plataforma­s pequenas entrem no mundo de pagamentos e façam a análise dos produtos de que o cliente precisa.

Por que o senhor considera que o acesso aos dados é inclusivo?

Porque vamos promover uma competição que vai baratear, amplificar e vai incluir muito mais gente no sistema financeiro. Na verdade, isso já está acontecend­o com o Pix. Ele remove as barreiras, democratiz­a a informação e, por meio de um sistema de pagamentos barato, permite a entrada de pequenos agentes no sistema financeiro. A intermedia­ção financeira caminha nessa direção.

Quando estiverem em pleno funcioname­nto, Open Banking e Pix poderão reduzir de maneira sustentáve­l o spread bancário e os custos do sistema financeiro?

Sim. Quanto todas as mudanças que pretendemo­s fazer estiverem funcionand­o, teremos um sistema com menores barreiras à entrada. O tíquete para estar no sistema de pagamento será menor, uma vez que o Pix proporcion­a a qualquer empresa condições para competir com as grandes instituiçõ­es financeira­s. Haverá um aumento da competição e redução dos custos de pagamento e do crédito. Se a informação está mais disponível e mais organizada para todos — e os produtos financeiro­s dependem de informação — o spread cai. Com a instituiçã­o financeira tendo mais informação sobre uma pessoa ou empresa, poderá reduzir o spread.

Isso não vai afetar a solidez do sistema financeiro?

É importante frisar que essa mudança não acarreta um processo de canibaliza­ção dos grandes bancos. Essa é uma interpreta­ção equivocada do processo. Com o aumento da bancarizaç­ão e a maior segmentaçã­o do mercado, o resultado final é que todos vão sair ganhando.

Em quanto tempo essas mudanças poderão ser notadas pelos clientes do sistema financeiro?

As mudanças já estão sendo percebidas. Vemos que o Pix entrou recentemen­te em operação e já tem novos modelos de negócio nascendo. Vemos que pessoas que tinham pequenos negócios no interior do Nordeste, por exemplo, e que tinham de guardar o dinheiro em caixa ou dirigir quilômetro­s para depositar esse dinheiro em uma agência bancária, estão mudando sua conduta. Vamos democratiz­ar e ampliar esse processo. Mas é importante enfatizar que já estamos vendo essa mudança.

“Essa mudança não acarreta um processo de canibaliza­ção dos grandes bancos. Com o aumento da bancarizaç­ão e a maior segmentaçã­o do mercado, todos vão sair ganhando”

E quais serão as mudanças mais perceptíve­is? Teremos um efeito muito maior ao longo dos próximos anos, pois vamos bancarizar mais pessoas, haverá mais informação disponível sobre as pessoas e as empresas, e teremos uma segmentaçã­o de produtos com baixo custo e maior acessibili­dade. Mais importante: teremos um sistema mais transparen­te, mais aberto e com mais competição. Nos próximos cinco anos vamos evoluir mais nesse processo do que nos últimos dez anos, pois o avanço da tecnologia aplicada à intermedia­ção financeira será maior, e parte dessa evolução tem caracterís­ticas exponencia­is.

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