ISTO É Dinheiro

O relato pessoal de um infectado pela Covid-19 e as lições aprendidas com a pandemia

- POR CELSO MASSON*

Sou um entre os 7.237.350 brasileiro­s que testaram positivo para Covid-19 até o dia 20 de dezembro. Os dados são do consórcio de imprensa criado no Brasil para cobrir a crise sanitária sem depender de informaçõe­s do ministério da Saúde. Antes de narrar a experiênci­a que tive como infectado pelo novo coronavíru­s, quero me solidariza­r com os familiares e amigos das 186.773 pessoas que morreram em decorrênci­a da pandemia no País. O número é inaceitáve­l sob qualquer argumento e ainda mais aterrador quando acrescido de outro: as mortes voltaram a se aproximar de 1 mil por dia. Ao menos uma parte dessas pessoas poderia estar vivendo com saúde se não fosse a gestão genocida de um presidente desqualifi­cado que envergonha o cargo e a Nação, renega a ciência e zomba do poder destrutivo do que ele — e só ele no mundo — chama de “gripezinha” que está “no finalzinho”. Poderia ser só ignorância. É bem pior. É desumano.

Conheci pessoas de diferentes estratos sociais que morreram de Covid. Empresário­s, profission­ais de saúde, servidores públicos, aposentado­s. Conheço pessoas que foram contaminad­as e não tiveram qualquer sintoma. Entre um extremo e outro há uma variedade de condições. Gente que apenas perdeu o olfato e nem chegou a ter febre. Gente que permaneceu dias na UTI e saiu sem sequelas. E gente como eu. Foi às 18h43 do dia 24 de outubro que o laboratóri­o informou o resultado do exame PCR para Covid-19. Detectado. A palavra impressa no laudo pesa mais do que pode parecer. Até então, eu não havia sentido nada. Naquela noite, tive febre. Voltei ao hospital, tomei a medicação prescrita e cumpri rigorosame­nte a quarentena. Sentia dores no peito, enjoo e fadiga constante. Não parei de trabalhar, em home office, mas o cansaço frequente impedia permanecer por muito tempo em frente ao computador. Após dez dias, comecei a me sentir normal novamente. Ou o novo normal, na expressão que resume o mundo pós-pandemia.

Aproveitei o período de isolamento, durante o qual recebi inúmeras mensagens de apoio (às quais agradeço de coração) para refletir sobre o que aconteceu comigo e com minha mulher, também “detectada”. Ter sobrevivid­o a uma doença capaz de matar mais de 1 mil pessoas por dia só no Brasil me dá o direito de acreditar que renasci. É um privilégio.

Sei que muita gente não pode dizer o mesmo. Há legiões de brasileiro­s que perderam não só a renda como alguém que amavam ou de quem dependiam. Há atividades profission­ais que ficaram completame­nte paralisada­s, caso de muitos setores ligados ao entretenim­ento. Fico pensando em como tem sido a vida dessas pessoas, dependente­s do auxílio emergencia­l — único sustento para 36% dos que o recebem. Isso me angustia.

Por outro lado, pude acompanhar histórias de empresas que se reinventar­am, cresceram como nunca, abriram vagas e seguem batendo recordes de faturament­o e rentabilid­ade. Isso me deixa otimista. Ao longo do ano, publicamos na DINHEIRO dezenas, centenas de reportagen­s sobre companhias que foram capazes de reagir à pandemia com inteligênc­ia e assertivid­ade. Acompanhei — e pude compartilh­ar com você — histórias inspirador­as de quem conseguiu não apenas se manter de pé como levantar quem precisava. Bons exemplos não faltam. Testemunha­r fenômenos de resiliênci­a e superação trouxe para mim um aprendizad­o inestimáve­l. Olhando em retrospect­iva, sou grato por ter testado positivo para Covid-19 sem comprometi­mento da minha saúde. Para mim, 2020 será lembrado como o ano que nos desafiou a pensar de formas diferentes. A buscar soluções que não éramos capazes de enxergar. Apesar de todo o obscuranti­smo do governo federal, 2020 nos deu a chance de jogar luz sobre áreas que serão decisivas no futuro: telemedici­na, educação a distância, trabalho remoto, e-commerce e, por que não?, empatia. A sociedade que emerge é mais digital e pode ser mais humana do que era até então. Isso tende a acelerar a evolução. Inteligênc­ia Artificial, machine learning e outras tecnologia­s irão suprir falhas que cometemos. Se os dados são a nossa nova riqueza, meu desejo é que todos aprendam a usá-los para promover qualidade de vida, igualdade e prosperida­de. Feliz 2021, sobreviven­tes.

*Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO

Apesar de todo o obscuranti­smo do governo federal, 2020 nos deu a chance de jogar luz sobre áreas que serão decisivas no futuro: telemedici­na, educação a distância, trabalho remoto, e-commerce e empatia. A sociedade que emerge da Covid-19 é mais digital e pode ser mais humana do que era até então

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