“A transformação digital vai definir as empresas vencedoras”
Para a executiva que lidera uma das mais prestigadas consultorias do País, a pandemia é um divisor de águas: quem não souber se reinventar ficará para trás. E o futuro é de quem acreditar na autonomia e apostar na confiança
No universo empresarial brasileiro, a consultoria fundada por Vicente Falconi é sinônimo de eficiência e de competitividade. O gerenciamento por metas e a importância da adoção de métricas, que atualmente são lugar-comum, tornaram-se populares no Brasil graças ao trabalho de Falconi, quase um evangelizador desses princípios. Foi graças à atuação da consultoria que a praticamente quebrada cervejaria Brahma transformou-se na maior empresa de bebidas do mundo em pouco mais de duas décadas. Sucessora do fundador no comando da empresa, a engenheira
mineira Viviane Isabela de Oliveira Martins é uma interlocutora privilegiada das lideranças empresariais e governamentais brasileiras. Sua avaliação sobre a resposta do Brasil corporativo aos desafios impostos pela pandemia é bastante otimista. O maior desafio, segundo ela, será para quem ainda segue modelos arcaicos de gestão.
DINHEIRO — Como as empresas brasileiras reagiram aos desafios impostos pela pandemia da Covid-19?
VIVIANE ISABELA DE OLIVEIRA MARTINS — É um lugar-comum, mas você aprende pelo amor ou pela dor. Em 2020, a maioria das empresas brasileiras teve de aprender pela dor. Foi um ano muito difícil para a maioria dos setores. Alguns segmentos da economia, como o agronegócio, conseguiram apresentar bons resultados. Mas a grande maioria das companhias passou por grandes apertos e teve de se reinventar.
Qual foi o principal aprendizado? Em relação à tecnologia e à maneira de inserir a tecnologia nos processos. A maioria das companhias percebeu que aquilo que se convencionou chamar de transformação digital não é nem um modismo nem um debate acadêmico. É algo que tem de ser implantado para garantir a sobrevivência. Algumas companhias estavam mais adiantadas nesse caminho, outras não. E foram as mais atrasadas que passaram pelos maiores apertos.
Quem estava mais atrasado e quem estava adiantado?
Não quero citar nomes, por isso vou falar apenas de setores. Em termos gerais, o sistema financeiro e o varejo eram os mais avançados. As empresas desses dois segmentos vinham investindo dinheiro, esforço e dedicação estratégica nesse processo há mais tempo e com mais ênfase. Os demais setores começaram depois a implantar seus processos de transformação digital.
Como foi essa mudança?
Muitas empresas começaram usando a tecnologia para integrar departamentos. Por exemplo, integrando os canais de conexão com o consumidor e de vendas com as equipes de vendas e gestão de estoque. Isso permitiu uma agilidade maior na tomada de decisões. Porém, em 2020, muitas companhias perceberam que tinham de mudar modelos de negócio, integrando as vendas com a produção e as cadeias de abastecimento. Para usar uma expressão não muito recente, a ficha caiu. Os empresários e os executivos visualizaram que não dava mais para esperar e era preciso iniciar uma mudança mais profunda na forma de fazer negócios.
Mas isso já não era algo conhecido e aceito pelos empresários?
Havia quem pensasse estar fazendo uma transformação profunda e descobriu que suas iniciativas não afetavam os modelos de negócio. É a transformação digital que vai definir quais serão as empresas vencedoras. E ela tem de ser, antes de tudo, pragmática. É preciso pensar estrategicamente, definir qual a mudança que se quer, por que ela é necessária e como obtê-la. Não basta ir atrás do modismo. Em 2021 e em 2022 as empresas têm de amadurecer os processos de transformação alinhados à estratégia. E havia — ainda há — muitos modismos.
Quais, por exemplo? Uma das práticas que caiu no gosto das empresas é a adoção de “squads”. São grupos multifuncionais, que incluem colaboradores de departamentos diferentes, com autonomia para propor mudanças. Em teoria, esses squads superam as barreiras que existem entre os departamentos e tornam o desenvolvimento e as mudanças mais rápidas. Porém, em algumas empresas, havia dezenas de squads. Em um caso, descobrimos que a empresa tinha 60 squads. Mas quando fomos apurar os resultados na prática, descobrimos que o benefício para o negócio havia sido pequeno.
“As empresas que exerciam liderança baseada apenas no controle tiveram de mudar. Sabe aquele líder que pensava que tinha de estar ali fiscalizando o funcionário para ele produzir? Esquece”
O home office é mais um modismo?
Não. Por trás do trabalho remoto há uma transformação profunda das relações de trabalho. Porém, não é verdade que o home office será algo permanente, que não vai existir mais escritório e todo mundo vai trabalhar todo o tempo de forma remota. As pessoas sentem falta de eventos presenciais. É o nosso caso. Aqui na consultoria o trabalho remoto não é uma novidade. É comum ter colaboradores trabalhando nos