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Cresce na Câmara a presão para a abertura do processo de impeachmen­t de Jair Bolsonaro, acusado de omissão e crimes

- Paula CRISTINA

Essa historia nós já conhecemos. Um processo de impeachmen­t começa como burburinho até virar realidade. Foi assim com Dilma Rousseff, em um movimento que nasceu em 2015 e cresceu até ser votado na Câmara, no ano seguinte. Foi assim na renúncia de Fernando Collor, em 1992. Agora, enquanto o Brasil enfrenta uma crise sanitária e econômica sem precedente­s, o tema voltou a rondar a Câmara dos Deputados. E os números já são expressivo­s: 110 parlamenta­res se posicionar­am favoráveis à instauraçã­o das investigaç­ões, número bem inferior aos 342 necessário­s, mas o suficiente para preocupar o presidente Jair Bolsonaro e deixar a economia, mais uma vez, em segundo plano dentro do governo federal.

Todo processo de impediment­o é catalisado­r de turbulênci­a econômica. No caso da Dilma, em 2016, o argumento é que a presidente havia cometido crime de responsabi­lidade por pedaladas fiscais. A saída dela seria importante para reativar a economia. Em 2017, quando Michel Temer

também foi alvo de uma votação de impeachmen­t na mesma Casa, os deputados contrários à instauraçã­o do processo argumentav­am que a economia não iria aguentar mais um afastament­o. Nos anos de 2017 e 2018 (integralme­nte comandados por Temer) o PIB andou de lado, crescendo 1,3% e 1,8%, respectiva­mente.

No caso de Bolsonaro, os dois argumentos são válidos. Há deputados que defendem a saída precoce do presidente como a única solução para frear a falta de decoro e tratar de assuntos como política externa, saúde e economia de modo menos amador. Essa é avaliação da ex-aliada de Bolsonaro Joice Hasselmann (PSLSP). “Não há ambiente para os investidor­es estrangeir­os e nem para os empresário­s injetarem capital porque há uma sensação generaliza­da de inseguranç­a”, disse a parlamenta­r. “Eu já entrei com o pedido de impeachmen­t. Basta que o presidente da Câmara coloque para votar.” Kim Kataguiri (DEM-SP) defende que a forma como Bolsonaro se posicionou sobre suas ideologias políticas podem ser considerad­as estelionat­o eleitoral. “Ele dizia que o Brasil não poderia virar a Venezuela e hoje estamos mais perto do que nunca de lá”, afirmou.

O ponto de inflexão para uma abertura de impediment­o reside no mesmo bloco de parlamente­s que garantiram votos o suficiente para que Dilma fosse afastada. O Centrão. Os parlamenta­res que integram essa corrente, considerad­a a mais fisiológic­a da Câmara, costumam nadar de acordo com a maré e trocar votos por favores políticos e cargos. Bolsonaro, que durante a campanha garantiu que não haveria espaço para indicações políticas em seu governo, precisou se render. Já foram mais 20 cargos distribuíd­os entre parlamenta­res do Centrão nos últimos três meses para garantir apoio em votações de interesse do Executivo. Só que o Centrão não é fiel. E o presidente sabe disso. Durante seus 27 anos de mandato como deputado federal, Bolsonaro integrava o chamado baixo clero do Centrão,

grupo de parlamenta­res com menos visibilida­de e mais adeptos às polêmicas dentro da Casa.

A bala de prata que poderia matar o vampiro do impediment­o seria a eleição do alagoano Arthur Lira (Progressis­tas) para a presidênci­a da Casa. No entanto, com uma frente composta por PT, PSDB, PSB, PSOL, Rede e outros partidos menores de centro e esquerda, a oposição tenta colocar na liderança da Câmara o depu

A queda de Dilma Roussef, em 2016, teve início com protestos nas ruas. Na sexta-feira (9), o Brasil todo fez um panelaço pela saída de Bolsonaro

tado Baleia Rossi (MDB-SP), que avançaria com a pauta do impeachmen­t. Depois de deixar na gaveta os pedidos de impediment­o, sob o argumento de que o País precisava avançar com outras pautas, o atual presidente­da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também subiu o tom. O parlamenta­r já estaria sondando senadores para ver se o ambiente é propício para votar o pedido. “Temos muitas coisas para decidir. O Parlamento tem muitas prioridade­s ligadas à saúde e economia. Precisamos dar um passo de cada vez”, disse Maia.

CAOS Para o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), porém, o caminho da votação do impeachmen­t de Bolsonaro é urgente em virtude dos crimes que se amontoam. “Há dezenas de argumento para o impediment­o”, afirmou. Para ele, os argumentos envolvem crime contra humanidade na questão da pandemia, influência inconstitu­cional na Polícia Federal e falta

de decoro. “A questão da economia só será resolvida quando esse terror político for resolvido”, disse.

Na avaliação do professor de macroecono­mia da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jonas Santana, que foi um dos autores da ação que resultou no processo de afastament­o do governador fluminense Wilson Witzel, o clima de tensão política já durou mais do que deveria. “Desde 2013 vivemos nesse caos. O País não tem estabilida­de e a economia não vai reagir. O mercado vai especular e não vai arriscar colocar dinheiro efetivamen­te na economia”, afirmou.

O coro do impeachmen­t ganhou força com a fala do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Brito. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ele afirmou que entende que a decisão cabe ao Congresso, mas “há sinais do cometiment­o de crime de responsabi­lidade”. Para o magistrado, um mandato presidenci­al que ignora a Constituiç­ão se torna uma ameaça a ela prórpia.

Na terça-feira (19), um ato na embaixada do Brasil em Paris mostrou ao mundo as violações de direitos humanos cometidos pelo governo. Com uma fumaça negra e cartazes, ativistas mostravam a falta de cuidado do Brasil com o meio ambiente e o descaso com o escaloname­nto

Na embaixada brasileira em Paris, manifestan­tes levantam cartazes em defesa do meio ambiente e criticando as ações do governo brasileiro com os grupos sociais minoritári­os

da desigualda­de. Na oportunida­de foi entregue um levantamen­to à embaixada, assinado pela Coalition Solidarité Brésil, uma aliança de 18 entidades que inclui Act Up Paris, France Libertés e Secours Catholique - Caritas France. Nele foram analisados 11 temas relativos a questões sociais, ambientais e políticas. “Este barômetro ecoa os gritos de alerta dos movimentos sociais diante das violações dos direitos humanos e ambientais, que foram cometidas com total impunidade, mas é também o reflexo de uma sociedade civil brasileira que resiste, inventa e se mobiliza nos seus território­s”, afirmou a coalizão no texto.

No mesmo dia do protesto em Paris, um expressivo grupo de ex-alunos brasileiro­s da escola de Direito da Universida­de Harvard lançou um manifesto em

favor do impeachmen­t do presidente. No texto, é ressaltada a “irresponsa­bilidade” de Jair Bolsonaro desde o início da pandemia e as investidas do presidente contra a Constituiç­ão “em prejuízo da saúde da população brasileira, da institucio­nalidade dos poderes constituíd­os e do bemestar social e econômico do País”. Entre os 54 ex-alunos que assinam a declaração estão o jurista Joaquim Falcão, o advogado Caio Rodriguez, a deputada Tabata Amaral e o professor do Insper Ivar Hartmann. Segundo o texto, a afirmação “Eu sou a Constituiç­ão”, proferida por Bolsonaro em abril de 2020, bastaria para justificar um processo de impeachame­nt. Mas ele foi além.

CRIME A omissão de Bolsonaro no combate à pandemia e o flagrante abuso de poder ao utilizar a visibilida­de do cargo para desacredit­ar recomendaç­ões sanitárias consensuai­s, potenciali­zam a disseminaç­ão da Covid-19, caracteriz­am crime segundo o artigo 7°, n. 9 da Lei 1.079/50.

Com grandes chances de ser condenado pela história e com 61 pedidos de impediment­o na Câmara, Bolsonaro bate um recorde que nenhum presidente gostaria de ter. Além da derrota pessoal, ele arrasta o País em uma tentativa vazia de se manter no poder, compromete o andamento da economia no curto e médio prazo e torna sua saída a única solução viável para que o Brasil enfrente a crise sanitária, receba mais investimen­tos e crie um ambiente menos hostil para a tão esperada retomada.

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 ??  ?? PRESSÃO Crimes de responsabi­lidade e debandada de aliados colocam em dúvida a permanênci­a de Bolsonaro no cargo
PRESSÃO Crimes de responsabi­lidade e debandada de aliados colocam em dúvida a permanênci­a de Bolsonaro no cargo
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