O MAL DE UMA VEZ, O BEM AOS POUCOS
Os grandes líderes do mundo têm em O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, uma espécie de cartilha básica, e um dos ensinamentos é praticamente uma lição de marketing. É melhor entregar a parte ruim de uma vez, e ir parcelando a boa para sustentar uma imagem positiva. Os gerentes de marketing sabem bem que o cenário só fica melhor se a notícia não tão palatável for lançada no final do ano, no meio da Copa do Mundo, enquanto o País enfrenta uma polarização com ampla divulgação midiática. E talvez por isso Lula tenha “deixado escapar” que Aloízio Mercadante, seu coordenador de campanha e fiel escudeiro em todos os governos, irá assumir em janeiro a presidência do BNDES.
Dentro do próprio PT o assunto causou certo incômodo. Isso porque a indicação de Mercadante pareceu uma desculpa para que o Congresso derrubasse uma normativa que odiava, mas não alterava porque temia a opinião pública. Até por isso o ex-diretor do Banco Central, Tony Volpon, se disse surpreendido. “O Mercadante veio como surpresa, não tanto por estar no governo, mas sim no BNDES, muitos pensavam que ele teria um cargo político”, disse.
A notícia, claro, caiu como uma bomba no mercado, que esperava um nome com DNA liberal para comandar o banco público de fomento. Foi o que bastou para os papéis de estatais caíssem na bolsa e o dólar subisse. E, lembra do mal de uma vez? Se o mal era estressar o mercado, Lula o fez e testou o coração desse ente intangível. Na sequência, a Câmara, na figura de Arthur Lira, desengavetou uma matéria que tratava de revisar a Lei das Estatais, implementada por Michel Temer em 2017 para evitar indicações políticas e sem caráter técnico nas empresas públicas. O texto foi aprovado na calada da noite e é necessário para que Mercadante assuma o posto. Mas, mais do que isso, é o aval que o fisiologismo do Congresso tanto esperava para voltar a negociar cargos em escala e embarcar no Lula III.
Para o CIO da Suno Asset, Vitor Duarte, a mudança na Lei para facilitar a entrada de políticos em cargos estratégicos em empresas públicas é um erro crasso. “Não sei se as pessoas perceberam o tamanho da interferência política que será possível com isso. E o mercado vai reagir negativamente”, disse.