ISTO É Dinheiro

EM BOA COMPANHIA

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Para tentar desfazer o nó fiscal que o Brasil enfrenta, Haddad se cerca de nomes palatáveis ao mercado, ao mesmo tempo em que conversem com a proposta social do PT. Os dois primeiros convocados foram Gabriel Galípolo, ex-presidente do Banco Fator e que assumirá o cargo de secretário executivo. Ele é próximo do vice-presidente Geraldo Alckmin e foi conselheir­o de Lula durante a campanha e provavelme­nte converteu alguns votos de liberais que estavam descontent­es com a gestão Bolsonaro. Para o mercado, a ideia é que a presença de um ex-banqueiro, com uma visão mais pró-mercado, colabore para a construção de políticas econômicas alinhadas com o equilíbrio entre o fiscal e o social que Lula defendeu em campanha.

Quem também entra no time a peso de ouro é Bernard Appy, talvez o maior especialis­ta em reforma tributária em atividade no Brasil. Autor de um dos textos de reforma que tramita no Congresso, Appy é a promessa de revisão tributária. Segundo Haddad ele atuará junto com o deputado Baleia Rossi e outros parlamenta­res para o avanço do texto, que será prioridade do governo já em 2023. Appy esteve no governo Lula entre 2003 e 2009, assumindo postos diversos ao longo do período.

E mesmo com todo o currículo, desafios e aliados que cercam Haddad talvez tenha sido em uma experiênci­a, lá em 2002, em uma reunião com o recém-eleito Lula, que Haddad tenha alçado a vaga que ocuparia 20 anos depois. Nas palavras do próprio Haddad, em uma aula na PUC, o encontro foi assim: Antes da posse Lula se reuniu com intelectua­is para discutir as primeiras medidas de seu governo. Eu intuía o que ele tinha em mente e levei um livro comigo. As falas foram variadas, todas muito pertinente­s. Depois de ouvir, Lula tomou a palavra e disse que sua meta número um para o governo era acabar com a fome. Silêncio. Na segunda rodada chegou minha vez e eu li um pedaço de Minima Moralia, de Theodor Adorno. O momento em que ele discute qual seria o objetivo de uma sociedade emancipada. Livre. Então ele discorre sobre as respostas e como elas trazem pensamento­s como “a realização das possibilid­ades humanas” ou “a riqueza da vida”. Adorno, não satisfeito, mostra que o caráter elevado de tais respostas era enganador e repulsivo. “A única resposta delicada seria a mais grosseira: que ninguém mais passe fome.” Na prática, se quiséssemo­s perseguir um objetivo, temos que ser simples e firmes: é preciso matar a fome no país. Lula riu da ironia. O mais ortodoxo dos acadêmicos até pode dizer que o interesse público contraria a responsabi­lidade fiscal, mas o retirante nordestino era bom de desafios e, sem nem imaginar, estava mais próximo de Adorno que os acadêmicos que conhecia.

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