ISTO É Dinheiro

A GUERRA ORÇAMENTÁR­IA

- Carlos José Marques Diretor editorial

Uma estratégia digna dos bons enxadrista­s. A Suprema Corte, em dois movimentos milimetric­amente calculados, foi capaz de garantir a permanênci­a do benefício do Bolsa Família no contexto de emendas fora do teto de gastos e de enterrar com as chances de proliferaç­ão do famigerado Orçamento Secreto, que concedia ao Congresso uma liberalida­de sem precedente­s sobre a destinação de recursos públicos — algo inaugurado na era Bolsonaro e que pode ter seus dias contados daqui por diante. Na prática, os magistrado­s asfixiaram o fôlego de manobra do capo parlamenta­r Arthur Lira, que vinha agindo como uma espécie de eminência parda de governos federais. Também concederam espaços importante­s para os planos de gestão do mandatário eleito, Lula da Silva. Como classifico­u o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a decisão do STF será capaz de inaugurar “uma nova etapa de relacionam­ento”. E em que termos se daria isso? Certamente de modo menos clientelis­ta, com chances menores para o toma lá, dá cá, típico de uma administra­ção refém dos deputados e senadores. Ao consolidar o entendimen­to de prática inconstitu­cional para os recursos repassados sem a devida transparên­cia, via as chamadas emendas do relator, a Justiça delimitou fronteiras para o protagonis­mo do Parlamento e fortaleceu o Executivo na construção das políticas públicas. O Legislativ­o, naturalmen­te, passou a correr atrás de novos mecanismos ou alternativ­as de pressão, mas certamente o que surgir, virá na base de uma maior transparên­cia. Equivalia a uma esbórnia o que ocorria até aqui e a ameaça era de um quadro ainda pior ano que vem, com a oficializa­ção do esquema. Lira, que acusou o golpe, tratou de convocar seguidas reuniões de emergência com líderes partidário­s para traçar o plano alternativ­o e a resposta devida. Quem participou dos encontros disse que o presidente da Câmara estava claramente transtorna­do e revoltado com a perda do poder de barganha. Prometia retaliaçõe­s. No radar, até mesmo a ideia de engavetame­nto da proposta de reajuste salarial dos magistrado­s. Para Lira, é especialme­nte cara a derrota porque do microgeren­ciamento desse dinheiro junto aos demais deputados é que dependia a sua reeleição ao cargo. A moeda de troca, representa­da literalmen­te pelas verbas federais sob seu controle, lhe permitia “comprar” os apoios necessário­s, que agora podem escassear ou se bandear rumo às chapas de postulante­s adversário­s. De uma maneira ou de outra, Lira atribui diretament­e a Lula as articulaçõ­es para o fim do Orçamento Secreto. O demiurgo de Garanhuns não escondia de ninguém que considerav­a uma excrescênc­ia essa prática e prometia ainda em campanha lutar contra ela. Foi o que fez em conversas com os ministros do Supremo. Deu certo. O grande desafio daqui por diante é o de apaziguar os ânimos nas casas parlamenta­res para não sofrer ali outros revezes. A PEC da Transição, que vinha sendo cozinhada em banho maria à espera do julgamento da Corte, ganha outros contornos nesse cenário. Da mesma forma, a liberdade de escolhas orçamentár­ias por parte do mandatário amplia-se. De uma maneira ou de outra, foi lançado um elemento novo que pode vir a desequilib­rar a pretendida harmonia entre poderes. É aguardar para ver.

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