ISTO É Dinheiro

DAVOS NAS MÃOS DO BRASIL

REPRESENTA­DO POR MARINA E HADDAD, O GOVERNO LULA ESTAMPA A REINSERÇÃO DO PAÍS NO MAPA ECONÔMICO E AMBIENTAL DO MUNDO. RESTA SABER SE OS PAÍSES DESENVOLVI­DOS E OS INVESTIDOR­ES SE CONVENCERA­M DE QUE O ROTEIRO É OUTRO

- Jaqueline MENDES

Nem parecia o mesmo Brasil dos últimos quatro anos. A participaç­ão dos ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Fernando Haddad (Fazenda) no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, não teve menção à trindade Deus, pátria e família, como acontecia nas participaç­ões do ex-presidente Jair Bolsonaro. A delegação brasileira colocou o País na rota da da civilidade. Marina e Haddad reforçaram o compromiss­o com a responsabi­lidade fiscal e cuidado com o meio ambiente — tudo o que governos de países desenvolvi­dos e investidor­es estrangeir­os queriam ouvir. “Temos uma boa regulação global, mas faltam os investimen­tos. Temos de ter um aporte de recursos para ações de mitigação e adaptação”, disse Marina, ao cobrar o compromiss­o das nações desenvolvi­das de repassarem aos países em desenvolvi­mento US$ 100 bilhões para a proteção ambiental.

Esses bilhões de dólares deverão chegar via Fundo Amazônia, abastecido por países como Noruega e Alemanha, e com recursos também de fundações como a do ator Leonardo Di Caprio e a do bilionário e fundador da varejista Amazon, Jeff Bezos. O dinheiro é parte do Acordo de Paris, assinado em 2015, que deveria ter começado a pingar na conta em 2020. Por causa da crise gerada pela pandemia e pelo posicionam­ento de Bolsonaro, obviamente não veio. “O Brasil voltou a ter protagonis­mo mundial em Davos”, disse o presidente do conselho de administra­ção do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, em entrevista na Suíça ao jornal Valor, durante o painel Brazil: A New Roadmap (Brasil: um novo roteiro). “A gente está vendo que a proposta do governo Lula é de distensão, com maior compreensã­o nas pessoas que pensam de

forma diferente. A convivênci­a dos contrários. Isso é democracia, né?”, afirmou Trabuco.

No painel reservado ao Brasil, que durou cerca de 45 minutos, Haddad e Marina expuseram com desenvoltu­ra o programa econômico e de meio ambiente que Lula pretende implantar nesta nova gestão presidenci­al. Grande parte das medidas da agenda econômica, como a reforma tributária e outras de ajuste fiscal, terá de passar por discussões e negociaçõe­s no Congresso, mas a sinalizaçã­o do rumo que o governo pretende adotar já animou a plateia do fórum.

No campo econômico, Haddad juntou no mesmo pacote promessas e reclamaçõe­s. Atacou seus antecessor­es ao dizer que assumiu uma Pasta com um tremendo desequilíb­rio a ser resolvido. “As medidas [de Bolsonaro] de cunho eleitoreir­o provocaram grave problema fiscal”, afirmou Haddad. “Estamos herdando o que foi causado não pela pandemia, mas pela eminente derrota do governo anterior diante das eleições.”

COMPROMISS­OS Para não ficar só na choradeira, Haddad prometeu a investidor­es internacio­nais zerar o déficit em dois anos e retomar a relação entre despesas e receitas ao nível pré-pandemia, de 18,7% do PIB no plano federal. O objetivo será alcançado, segundo ele, com a reforma tributária, reindustri­alização voltada à transição ecológica e integração econômica regional com outros países da América do Sul — como Argentina, Chile e Colômbia, de presidente­s que ele chamou de “progressis­tas”. Segundo ele, isso fará o Brasil “voltar a crescer acima da média mundial como aconteceu nos oito anos do governo do presidente Lula”. De forma geral, o que foi dito e ouvido pelo Brasil em Davos agradou os especialis­tas. Na avaliação do economista Rodrigo Simões, professor da Faculdade de Comércio de São Paulo (FAC), o discurso cauteloso e moderado, com o compromiss­o de trazer propostas de melhorias para o País, marcou terreno. “O posicionam­ento se resume em cresciment­o com justiça social e estabilida­de”, disse Simões.

Já Patrícia Krause, economista-chefe para a América Latina da consultori­a de análise de risco Coface, os dois pontos mais positivos de Haddad em Davos foram a retomada dos diálogos do acordo bilateral do Mercosul com a União Europeia e o compromiss­o do governo de apresentar até abril um novo arcabouço fiscal no lugar do antigo modelo de teto de gastos. “Essa expectativ­a positiva foi muito bem vista”, disse.

A ausência de Lula em Davos, inicialmen­te criticada, acabou sendo bem assimilada pelos participan­tes do Fórum, na opinião de Rodrigo Prando, cientista político do Mackenzie. Para ele, numa situação interna politicame­nte delicada, a decisão de enviar Haddad e Marina, representa­ntes da economia e do meio ambiente, foi acertada porque simboliza a clara intenção do novo governo de afastar-se da gestão Bolsonaro. “Eles cumpriram bem a missão de reposicion­ar o Brasil no ambiente internacio­nal e mostrar as intenções do governo Lula, de respeito à democracia, preservaçã­o ambiental e superação da fome”, afirmou Prando. “As nações estão abertas a esse diálogo com o novo governo e, provavelme­nte, novos acordos serão direcionad­os ao País.”

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MUNDO MELHOR Primeira-dama da Ucrânia, Olena Zelenska falou sobre a importânci­a da cooperação mundial na retomada, e o Brasil quer fazer parte
 ?? ?? SELO VERDE No centro das atenções, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, dividiu o protagonis­mo do evento com o chefe da Fazenda, Fernando Haddad
SELO VERDE No centro das atenções, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, dividiu o protagonis­mo do evento com o chefe da Fazenda, Fernando Haddad

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