O FANTASMA DA DÍVIDA PÚBLICA
O Brasil precisa de R$ 300 bilhões para reverter trajetória de endividamento do governo federal, mas só austeridade e corte de gastos serão incapazes de mudar a sina do país que gasta muito, mal e não reduz privilégios
Antes de 2014, na gestão econômica bastante problemática de Dilma Rousseff, pouco se ouvia falar da dívida pública brasileira. Isso porque a proporção de endividamento do governo federal em relação ao PIB não passava de 35%. Uma cifra considerada saudável e importante para manter um dinamismo na economia e garantir espaço para contratação de mais recursos em eventuais contratempos. E esse ponto de inflexão que nasce com a crise econômica só piorou de lá para cá, tendo seu ponto máximo durante a pandemia. Agora, o governo precisará de um esforço e tanto para obter ao menos R$ 300 bilhões e inverter a trajetória atual, que sinaliza para um endividamento que caminha para 90% do PIB em 2025 e 97% em 2030.
Em suas falas desde que foi nomeado ministro da Fazenda, Fernando Haddad tem reforçado a importância de reduzir a dívida pública, mas o problema é que a realidade do País se impõe e cobra de Lula medidas (leia-se recursos) urgentes. Antes mesmo de tomar posse o presidente Lula já elevou a dívida. Ao final de dezembro foram aprovados R$ 193 bilhões pelo Congresso para o custeio de programas sociais. Também não estava na conta a reconstrução das sedes dos Três Poderes, vandalizadas no dia 8 de janeiro. Nem a tragédia yanomami. Nem as enchentes no interior de São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais. Não havia dimensão do rombo no INSS com os aposentados à toque de caixa no apagar das luzes do governo anterior. E a despesa aumenta com a recriação de ministérios e reajustes salariais previstos para o funcionalismo.
Tudo isso em menos de um mês de governo. Se não conseguir encaixar nos pouco mais de R$ 210 bilhões livres para investimento previstos no Orçamento de 2023, ou arranjar uma fonte nova de receita recorrente, Lula terá de criar uma nova dívida, e ela pode ser mobiliária ou contratual. Mobiliária é a dívida decorrente da emissão de títulos públicos. Contratual é a decorrente de convênios com órgãos internacionais, como o BID. As duas são ruins, especialmente quando a atividade econômica é fraca e a taxa de juros, alta. Só a dívida do governo federal somava pouco mais de R$ 5,87 trilhões em dezembro, segundo o Portal da Transparência. Como o saldo devedor do governo é corrigido anualmente pela Selic (hoje em 13,75%), mesmo que não houvesse mais nenhuma despesa adicional haveria acréscimo de R$ 807 bilhões à dívida em 2023.
Ou seja, enquanto não houver uma tendência de queda no endividamento, a capacidade do governo para investir em áreas como saúde, educação, pesquisa e inovação fica cada vez mais limitada. O advogado tributário Fernando Gaes explica. “A Lei de Responsabilidade Fiscal obriga o governo a priorizar o pagamento da dívida antes mesmo de suas despesas primárias.” O professor de Macroeconomia do Ibmec SP Walter Franco afirma que o movimento é muito similar ao do brasileiro comum. “A dívida pública é como um cheque especial para o governo.” Você já se imaginou vivendo com 80% do seu salário comprometido com o cheque especial? Pois é assim que o Brasil vive. A diferença é que, ao contrário do cidadão ou de uma empresa, a soberania de um país impede que um Estado vá à falência. E isso nem seria de interesse de ninguém, já que o Brasil é considerado um país com baixo risco de calote e, quanto mais tempo ele ficar no cheque especial, mas vai render. Aos credores.
A Dívida Bruta do Governo Geral (que envolve estados, municípios e INSS) chegou a cerca de R$ 7,3 trilhões em outubro de 2022, o que equivale a 76,8% do PIB. Segundo Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV-Ibre o resultado de 2022 pode sinalizar uma retomada aos níveis pré-pandemia, mas por motivos extemporâneos. “Parte dessa redução foi a inflação que arrefeceu, em especial no final do ano com as desonerações”, disse.
SOLUÇÕES Segundo as projeções do Itaú BBA, a dívida pública bruta deve subir de 73% para 77% do PIB entre 2022 e 2023. Em 2024, chegará a 80%. Olhando ainda mais para frente, o BTG estima que dívida possa bater 90% do PIB em 2030. Segundo relatório do Itaú, isso pode resultar em “um novo ciclo de crescimento baixo e inflação e juros altos”.
Para evitar esse movimento, o Instituto Fiscal Independente (IFI) sugere ser preciso R$ 300 bilhões de receitas novas ainda este ano para o controle da dívida. Para isso será necessário rever desonerações, reduzir gastos, cancelar contratos, promover uma reforma administrativa e dar, efetivamente, a chave do cofre para o ministro Fernando Haddad.