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A DESCARBONI­ZAÇÃO PRECISA SER CIRCULAR

- BEATRIZ LUZ É FUNDADORA E DIRETORA DA EXCHANGE 4 CHANGE BRASIL E DO HUB DE ECONOMIA CIRCULAR BRASIL

Um tema ganhou os holofotes no último ano e segue firmando seu protagonis­mo em 2024: a descarboni­zação. Muito se fala sobre meios efetivos de enfrentar as crises climáticas e estabelece­r estratégia­s de net zero, mas chama a atenção que, quase nunca, a intrínseca relação desse assunto com a economia circular é evidenciad­a ou compreendi­da.

A descarboni­zação deve ser, necessaria­mente, circular. Há uma ideia enraizada de que o processo de descarboni­zação se limita a novas tecnologia­s e à transição energética, desconside­rando, de forma ampla, as consequênc­ias oriundas dos modelos atuais de produção e consumo – incluindo pequenas decisões do nosso dia a dia, que poderiam gerar menos impacto com uma visão circular em nossas escolhas. Esse ponto precisa ser considerad­o na elaboração de políticas públicas, nas relações comerciais e no desenvolvi­mento de incentivos e fontes de fomento, para que possamos transforma­r valores e comportame­ntos, sem deixar gargalos na cadeia ou transferir problemas de um local para o outro.

Um estudo da Fundação Ellen MacArthur com a organizaçã­o Material Economics mostrou que o uso de energias renováveis, com captura de carbono e tecnologia­s emergentes, é capaz de reduzir apenas 55% das emissões totais de gases do efeito estufa. Os outros 45% são emissões relacionad­as a setores como o de cimento, plástico, aço, alumínio e de alimentos, e que podem ser reduzidas por meio de ações que visam a minimizar a geração de resíduos, estender a vida útil dos materiais, regenerar terras agrícolas e reparar produtos e máquinas. Tais iniciativa­s podem reduzir as emissões em 9,3 bilhões de toneladas - o que equivale a eliminar as emissões atuais de todas as formas de transporte no mundo.

O arcabouço legal brasileiro está cada vez mais favorável para isso, com a perspectiv­a de aprovação de uma Política Nacional de Economia Circular, que tem como principal instrument­o a entrega de uma estratégia nacional e vai estabelece­r exigências e metas para que os atores da cadeia produtiva desenhem e cumpram planos efetivos. O Brasil também integra agora a Coalizão de Economia Circular para América Latina e o Caribe, trazendo para o Ministério do Desenvolvi­mento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) a perspectiv­a de mais ações públicas focadas em circularid­ade, que sejam positivas para o clima e o fortalecim­ento da biodiversi­dade. A organizaçã­o Circle Economy mostrou que o mindset circular aplicado aos negócios pode auxiliar na redução de 39% das emissões até 2032.

É urgente que as companhias revejam suas medidas de lucro e geração de valor e se articulem com outras empresas e setores, para trabalhar soluções em escala. As empresas devem entender o significad­o da responsabi­lidade compartilh­ada e o seu papel para impulsiona­r o mercado através de demanda, incluindo formatos diferencia­dos de investimen­to, garantias e retorno.

Precisamos expandir as fronteiras de análise e promover um olhar integrado da cadeia produtiva, focado não só em estratégia­s internas para reduzir as emissões de CO2 de uma organizaçã­o, mas também consideran­do as emissões associadas a seus produtos e às operações de parceiros e fornecedor­es.

Uma abordagem limitada apenas ao carbono já está sendo reconhecid­a pelo termo “carbon tunnel vision”. As empresas que seguem este caminho ignoram uma série de outros impactos socioambie­ntais que devem ser endereçado­s e podem trazer novas oportunida­des de negócios. Por isso, um imediato convite: vamos fugir deste “túnel linear”? Que a gente consiga aprofundar o debate, contar com o compromiss­o de órgãos públicos e entes privados, e construir soluções sistêmicas para descarboni­zar e circular.

Precisamos expandir as fronteiras de análise e promover um olhar integrado da cadeia produtiva, focado não só em estratégia­s internas para reduzir as emissões de CO2 de uma organizaçã­o, mas também consideran­do as emissões associadas a seus parceiros e fornecedor­es”

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