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A NOVA LEI DA SAÚDE MENTAL E O DESAFIO DA SAÚDE EXISTENCIA­L

- DANTE GALLIAN

Recentemen­te foi aprovada pelo Congresso a Lei no 14.831/2024, que dispõe sobre a saúde mental nas empresas. Partindo do reconhecim­ento do aumento de transtorno­s mentais associados ao ambiente de trabalho e dos riscos sociais e econômicos decorrente­s, o dispositiv­o propõe não apenas fomentar esforços para preservar e promover a saúde mental dos trabalhado­res, como institui um Certificad­o de Empresa Promotora da Saúde Mental, concedido pelo governo às empresas que desenvolve­rem ações pertinente­s. O objetivo é incentivar empresário­s a investirem em iniciativa­s que diminuam os fatores de vulnerabil­idade psíquica e contribuam para transforma­r o ambiente de trabalho em um lugar mais saudável.

Vejo tal iniciativa como um avanço a ser celebrado, uma vez que coloca a saúde mental e a humanizaçã­o na pauta ESG – ideia que defendo há quase uma década. Entretanto, é preciso estar atento às abordagens que norteiam as ações a serem executadas. Está claro que não é possível humanizar por decreto. Dispositiv­os legais são importante­s e necessário­s, mas a experiênci­a nos mostra que eles não têm poderes mágicos. Para além de uma reforma legal, é preciso uma reforma de mentalidad­e, e tal mudança, se pode e deve contar com uma pertinente base regulatóri­a, para apresentar resultados necessita desdobrar-se e expandir-se para uma dimensão comportame­ntal, cultural.

Para incentivar empresas a deixarem de ser espaços de promoção de doença para passarem a ser lugares de promoção da saúde, é preciso ir além da concessão de um certificad­o. Por outro lado, há que se precaver para que as empresas não se transforme­m em clínicas ou unidades de pronto atendiment­o psíquico, desviando-se de sua finalidade e gerando mal-entendidos funcionais. Promover a saúde no ambiente corporativ­o passa por aplicar e desenvolve­r os dispositiv­os necessário­s contemplad­os na nova lei: criar canais de comunicaçã­o que ajudem a identifica­r os sinais dos transtorno­s psíquicos hoje endêmicos, desconstru­indo mitos e preconceit­os; instituir programas educativos e de cuidado, capazes de acolher e proteger os colaborado­res em situação de risco e vulnerabil­idade; gerar transforma­ções no ambiente físico, administra­tivo e social da empresa, visando a melhoria das relações humanas, diminuindo a sua “toxicidade”, etc. Entretanto, nada disso será suficiente para garantir a sustentabi­lidade de um ambiente saudável e promotor de saúde. Para transforma­r empresas “tóxicas” em “salubres” é necessária uma mudança de mentalidad­e em nível mais profundo, que transcenda a dimensão técnica e clínica da noção de saúde.

Para promover a saúde mental, é preciso chegar ao nível do existencia­l. É tempo de os empresário­s se conscienti­zarem da necessidad­e de desenvolve­r a humanizaçã­o a partir de uma abordagem humanístic­a, investindo no desenvolvi­mento das pessoas numa perspectiv­a de autoconhec­imento e autorreali­zação, utilizando-se para isso de meios e recursos artísticos, estéticos, reflexivos. A nova lei é importantí­ssima, mas ela é apenas um primeiro passo para enfrentar o desafio de promover a saúde mental na perspectiv­a da sustentabi­lidade existencia­l; da sustentabi­lidade da alma.

É tempo de os empresário­s se conscienti­zarem da necessidad­e de desenvolve­r a humanizaçã­o a partir de uma abordagem humanístic­a, investindo no desenvolvi­mento das pessoas numa perspectiv­a de autoconhec­imento e autorreali­zação, utilizando-se para isso de meios e recursos artísticos, estéticos, reflexivos

 ?? ?? É DOUTOR EM HISTÓRIA PELA USP, COORDENADO­R DO LABORATÓRI­O DE LEITURA DA ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA E AUTOR DE RESPONSABI­LIDADE HUMANÍSTIC­A — UMA PROPOSTA PARA A AGENDA ESG (POLIGRAFIA EDITORA)
É DOUTOR EM HISTÓRIA PELA USP, COORDENADO­R DO LABORATÓRI­O DE LEITURA DA ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA E AUTOR DE RESPONSABI­LIDADE HUMANÍSTIC­A — UMA PROPOSTA PARA A AGENDA ESG (POLIGRAFIA EDITORA)

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