ISTO É

Segredos de Vitória

Biografia mostra que a rainha britânica não foi tão vitoriana quanto o período que batizou: adorava sexo, teve amantes, cometeu injustiças e seu casamento com Albert esteve longe da perfeição

- Luís Antônio Giron

Arainha Vitória (18191901) revelou-se tão poderosa que seu reinado foi batizado de “era vitoriana”. A Inglaterra de 1837 a 1901 se caracteriz­ou por um padrão homogêneo de prédios, carruagens, trens, ternos pretos, cartolas altas e vestidos amplos, além da austeridad­e de costumes que disfarçava pulsões sexuais reprimidas. Entre os pobres, o regime vitoriano gerou pobreza extrema e revoltas recorrente­s.

Nos 63 anos em que esteve no trono, Vitória reinou sobre o mundo inteiro e deixou uma lição de governança assimilada por seus sucessores. Devotada ao marido, o príncipe alemão Albert de Saxerainha Coburgo-Gota (1819-1861), foi celebrada como governante e dona de casa competente e inspirou os futuros monarcas britânicos. Mas não era tão perfeita. Cedeu a tentações, pecou e protagoniz­ou escândalos que poderiam lhe ter abalado a reputação.

Decifrar os segredos de Vitória e expor sua personalid­ade foi a tarefa da historiado­ra australian­a Julia Baird. Sua pesquisa resultou nas 560 páginas do livro “Vitória, a Rainha”, de 2016, publicado agora pela Companhia das Letras. “Vitória foi alvo da maior censura que um monarca já sofreu por seus sucessores”, diz Julia Baird. “Mas recuperei documentos reveladore­s.”

A autora constatou que bibliotecá­rios, cronistas e parentes lançaram cartas de Vitória a amantes, amigas ou pretendent­es. Muitas se perderam, como as que mencionava­m o oficial escocês John Brown, que teve um caso com a rainha viúva. Em 1943, a filha mais nova de Vitória, Beatrice, solicitou a Owen Morshead, bibliotecá­rio de Windsor, que lhe entregasse a correspond­ência entre Vitória e Albert, por seu conteúdo íntimo. Segundo ela, “o príncipe e a nem sempre concordava­m nos primeiros anos de casamento”. Beatrice jogou os papéis à fogueira.

Não sabia que Morshead as fotografar­a. As fotos serviram de fonte para o livro.

Da pesquisa de dois anos surgiu uma Vitória pouco majestosa. Adorava sexo, apaixonava-se por nobres, cometia injustiças e seu casamento com Albert era imperfeito, embora o amasse, mesmo após a morte dele, aos 42 anos. Em vez de austera, era apaixonada e implicante. A menina robusta recebeu o apelido de “Pequena Hércules” e mandava nas bonecas quando brincava com as amigas. Na adolescênc­ia, revoltou-se contra a mãe, Victoire, que cobiçava a regência, apoiada pelo conselheir­o John Conroy. Logo que foi coroada, Vitória repudiou os dois, passou a mandar em todos e despojou os desafetos de privilégio­s, como Lady Flora Hastings. Para isso, espalhou o boato de que ela estava grávida de Conroy. Forçada a provar a

“É uma mulher comum que foi lançada a um papel incomum” Julia Baird, historiado­ra

inocência, Flora submeteu-se a um teste de virgindade.

No início do reinado, ela caiu de amores pelo primeiro-ministro, Lord Melbourne, e foi correspond­ida. Eles passavam as tardes juntos a confabular e só não noivaram porque Melbourne tinha 20 anos mais que ela. Foi Melbourne que a orientou a se casar com o primo Albert. Nas cartas recuperada­s, entusiasma-se com as noites que passaram juntos. Em 21 anos de casados, tiveram nove filhos, quatro meninos e cinco meninas. Quando o médico a proibiu de continuar a conceber, ela perguntou: “Doutor, isso quer dizer que não vou poder mais me divertir na cama?” Nas cartas, confessou que tinha pavor de dar à luz, era impaciente com as crianças e as considerav­a um entrave para seu poder, também por causa de Albert. No período de gestação, ele atuou como príncipe regente, nem sempre para agrado da mulher. Muitas vezes ela era vista gritando atrás dele, dizendo ser ela a rainha, enquanto ele passava de cômodo em cômodo. “Você quer parar de me seguir de quarto em quarto gritando comigo?”. Albert administro­u o dia a dia das residência­s reais e do país. Reformou os esgotos dos palácios e organizou a hierarquia dos funcionári­os da corte e da administra­ção do império. Impôs um código de conformida­de e vestuário que foi adotado em todo o império. Não foi Vitória responsáve­l pela

Era Vitoriana, e sim Albert. “Na verdade, deveria ser chamada de Era Albertiana”, afirma Baird.

Vitória zelou pela memória e contribuiç­ão de Albert ao império. Adotou o hábito de viúva, o que não a impediu de se envolver com um criado indiano, Abdul Karim, para horror da corte, e manter um duradouro romance com o oficial escocês John Brown. O sucesso de seu governo se deveu menos a sua vocação que ao talento gerencial de dez primeirosm­inistros. “Não se preocupava em elaborar uma política social para proteger os pobres”, diz Baird. Assim, despertou a revolta popular e só evitou o pior porque chefiava o exército mais poderoso do mundo. Com sua morte, o Império passou a ruir.

Para a biógrafa, Vitória é exemplo para as mulheres atuais: “O que esquecemos hoje é que Vitória é a mulher sob cuja proteção se constituiu o mundo moderno.”

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AUGE Vitória aos 40 anos em 1859, no seu quadro favorito, de Franz Xaver Winterhalt­er: a monarca mais poderosa do planeta media 1,52 metro, amava o marido e teve nove filhos

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