ISTO É

ONDE TUDO COMEÇOU

Como a infância humilde na pequena Eldorado (SP), no Vale do Ribeira, moldou a personalid­ade de Jair Bolsonaro, o garoto que durante um recreio na escola fez o vaticínio que se cumpriu: “serei presidente”

- André Vargas

Orecreio da escola Professora Maria Aparecida Viana Muniz, em Eldorado, no interior de São Paulo, há cinquenta anos, permanece vivo na memória de muitos estudantes daquela época. Não é para menos. Entre uma mordida e outra no sanduíche levado na lancheira, o então garoto Jair Messias Bolsonaro afirmou para quem quisesse ouvir: “Vou ser presidente do Brasil”. Uma das testemunha­s foi Lurdinha, a professora Maria de Lourdes Santana. Vadico, atual prefeito da pacata cidade Durval Adélio de Morais (PR), coleguinha mais novo de Jair, hoje se diverte ao lembrar da profecia que se cumpriu. Na ocasião, a “promessa de campanha” ensejou gostosas gargalhada­s, incluindo do próprio Bolsonaro, que à época estava mais preocupado em jogar bola, pescar e colher palmito nas matas – o que lhe rendeu o apelido de Palmitão, dada sua altura, magreza e pele clara. Não era para ser um vaticínio. Apenas uma maneira de reafirmar sua liderança sobre os colegas, já que era ele quem organizava os jogos e brincadeir­as. Anos depois, cadete da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Jair apareceu em casa com ares de chateado e vontade de desistir. Seu pai, o protético Percy Geraldo Bolsonaro, apelou: “Você vai voltar, se formar e ainda vai ser o presidente”. Estava escrito. Como dizia Tancredo, “Presidênci­a é destino”. E ele sorriu para Jair Messias Bolsonaro. Cinco décadas depois, aos 63 anos, o garoto de Eldorado chegou lá.

Bolsonaro será o primeiro presidente descendent­e de imigrantes italianos do século 19. Seu bisavô, Vittorio Bolzonaro, veio com 10 anos para o Brasil, abrasilera­ndo o sobrenome. Os registros apontam que Vittorio nasceu em Anguillara, cidadezinh­a da Pádua, norte da Itália. Seu filho, Ângelo, casou com uma descendent­e de alemães. Percy Geraldo, filho de ambos, se tornou marido de Olinda Bonturi, cuja avó era

natural da Toscana. A ligação familiar com a Itália o fez torcer pelo Palmeiras, como a maioria dos parentes. Apesar de a família com seis filhos ter vivido em outras cidades paulistas, como Glicério e Campinas (onde Jair teve o nascimento registrado), foi em Eldorado que o pai quis ficar até o apagar da chama, em 1995.

NA CAçA DE LAMARCA

O interesse de Jair pela caserna surgiu ainda na adolescênc­ia em Eldorado. A presença de tropas combatendo os guerrilhei­ros do capitão dissidente Carlos Lamarca, em 1970, no Vale do Ribeira foi marcante. Com 15 anos, ele outros garotos ficaram fascinados com os soldados, que reuniam os moradores para obter informaçõe­s sobre trilhas, grutas, abrigos e eventual circulação de gente estranha naquela vasta região de matas. Bolsonaro e outros garotos ajudaram os soldados em pistas sobre Lamarca, mas o papel de guias pelas florestas ficou para mateiros mais experiente­s. O certo é que a proximidad­e com os soldados levou Jair, aos 18 anos, a estudar na Escola Preparatór­ia de Cadetes. Ele voltava a Eldorado apenas nas férias para ver pais e irmãos.

Hoje, na cidadezinh­a à qual chegou criança, em 1966, há esperança de dias melhores, a partir da ascensão do filho de Geraldo Dentista ao cargo máximo do País. Eldorado fica no Vale do Ribeira, a região mais pobre de São Paulo. Com quase 15 mil habitantes, sem indústrias e uma economia baseada na monocultur­a da banana, a prefeitura possui um orçamento apertado, de R$ 42 milhões. Sem os repasses federais, nem a folha do funcionali­smo fecharia. A região engloba vários componente­s que o próprio Bolsonaro atribui como fatores de atraso: 65% do território é composto por Mata Atlântica, com áreas preservada­s. Há também 28 comunidade­s quilombola­s e centenas de indígenas. Todos muito pobres. Nas urnas, os eleitores de Eldorado lhe deram 54,44% dos votos no segundo turno, proporcion­al ao índice nacional. Mas, quando o filho à casa tornar, em breve, certamente irá concentrar 100% das atenções.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? FORMAçãO Dedicado às atividades físicas, o interesse de Bolsonaro pela caserna surgiu em 1970, quando o Exército enfrentou a guerrilha de Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. Aprovado nas Agulhas Negras, se tornou oficial de artilharia paraquedis­ta. A vida na pequena Eldorado, onde pescava com o pai Percy Geraldo ficou apenas para as folgas e férias
FORMAçãO Dedicado às atividades físicas, o interesse de Bolsonaro pela caserna surgiu em 1970, quando o Exército enfrentou a guerrilha de Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. Aprovado nas Agulhas Negras, se tornou oficial de artilharia paraquedis­ta. A vida na pequena Eldorado, onde pescava com o pai Percy Geraldo ficou apenas para as folgas e férias

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil