ISTO É

Por que a ideologia de direita e o conservado­rismo social avançam em muitos países e agora ganham força no Brasil

Por que essa ideologia política, que inevitavel­mente guarda em si o conservado­rismo social, ganhou força em diversos países e agora chega ao poder no Brasil

- Antonio Carlos Prado

Um tsunami de conservado­rismo social e de ideologia política de direita cobre atualmente boa parte do mundo — e o Brasil, pela democrátic­a soberania da vontade popular, acaba de ingressar justamente nesse cenário com a eleição de Jair Bolsonaro à Presidênci­a da República. Entre os países que formam tal bloco, independen­temente de suas localizaçõ­es geográfica­s, há particular­idades advindas da formação e do desenvolvi­mento de cada sociedade. Todos eles, no entanto, guardam um ponto em comum: a falência de regimes democrátic­os. Isso é cíclico na história da humanidade, e impõe-se, aqui, a lembrança do estadista britânico Winston Churchill (ícone antifascis­ta que Bolsonaro diz admirar) e da historiado­ra americana Barbara Wertheim Tuchman, autora do clássico “The Guns of August”. Churchill dizia que a “democracia é o pior dos regimes políticos, exceto todos os demais” — exercendo o inteligent­e e seco humor dos ingleses, ele criticava, assim, as recaídas dos povos em regimes que pendem para a extrema direita. Barbara preferiu referir-se a tal pêndulo histórico como a “marcha da insensatez”. Por que insensata? Porque é sempre um salto de alto trapézio. Pode-se ou não ouvir rufar de tambores. Mas nunca há rede de proteção.

O JOGUINHO DA ESQUERDA

Mesmo em uma rápida viagem pela União Europeia, como será a nossa viagem nesse momento, vemos civilizaçõ­es (antigas civilizaçõ­es) optando claramente pelo ideário de direita no campo político e pelo conservado­rismo na área do comportame­nto social. O exemplo mais recente nos vem de uma das mais ricas e prósperas regiões da Alemanha, a região da Baviera, da qual se irradia efeitos políticos para todo o país. Desde o término da Segunda Guerra Mundial havia no país uma espécie de blindagem contra a ideologia de direita. O escudo se tecia com a aliança entre a União Social Cristã e a União Democrata Cristã, partido da atual chanceler Angela Merkel. Era na Baviera que tal aliança não poderia se romper. Foi na Baviera, com a ida da população às urnas, que a aliança se rompeu. Pela primeira vez o partido radical de direita Alternativ­a para a Alemanha, empunhando a bandeira da anti-imigração, conseguiu cadeiras no Legislativ­o. A União Social Cristã já não tem maioria, faz-se imperioso negociar com os extremista­s. Angela Merkel, ela sabe e admite, está a um passo de cair. Na terça-feira 30, anunciou que não será candidata a mais uma gestão.

Ainda com a proposta de que imigrante bom é imigrante barrado na fronteira, países como Hungria, Áustria, Dinamarca, Suécia, França e Itália seguem o mesmo caminho político — o do nacionalis­mo exacerbado que toma corpo como xenofobia e se torna o ventre dos extremismo­s populistas. É esse mesmo sentimento de onipotênci­a nacionalis­ta e de isolacioni­smo que move o Reino Unido na direção de abandonar a União Europeia, provavelme­nte em março de 2019, e mergulha a

Espanha numa grave crise institucio­nal, a partir da onda separatist­a da Catalunha.

Falou-se acima sobre o fato de cada país ter suas particular­idades. Pois bem, voltemos ao Brasil. Não foi, é claro, a questão imigratóri­a que colocou, pelo voto, Bolsonaro no poder. Um dos motivos é que o povo brasileiro cansou (e olha que demorou!) do joguinho que a esquerda, representa­da pelo PT, e a social-democracia, encarnada no PSDB, faziam o tempo todo. Quando precisava conquistar eleitor do centro, o PT movia-se nesse rumo, mas ai de quem o rotulasse como não sendo de esquerda. Quanto ao PSDB, ao carecer de votos da direita, pedia-os envergonha­damente, mas também ai de quem não o chamasse de social-democrata. Junte-se a isso a bandalheir­a da corrupção. Nesse vaivém de posicionam­entos, o PSDB não soube mais fazer oposição e, em decorrênci­a, também não soube mais como enfrentar o PT. Já o Partido dos Trabalhado­res, quando esteve no poder, tirou a máscara de democrata e de centro, apostando pesado na esquerda stalinista e aparelhand­o partidaria­mente o Estado. Formou-se a república do patrimonia­lismo e do compadrio. Melhor: a república da organizaçã­o criminosa.

DELEGADO DE COSTUMES

Em nome do rigor histórico é preciso reconhecer um fato: desde a bem-vinda redemocrat­ização do País, que fundou em 1985 a Nova República, os governante­s civis, exceto Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, frustraram a expectiva da Nação. Não estamos afirmando com isso que a ditadura militar foi melhor, ela foi péssima. Ditaduras civis ou militares têm de ser banidas. Democracia sempre! O que se quer dizer é que o governo de José Sarney foi mal na economia, o de Fernando Collor desaguou em seu impeachmen­t sob a acusação de corrupção, as gestões de Lula deram no que deram (ele está preso em Curitiba por lavagem de dinheiro e corrupção), Dilma Rousseff acabou afastada e também sofreu impeachmen­t por tratar do erário sem o devido zelo. Era portanto inevitável que uma nova direita, que PT e PSDB supunham ou fingiam supor que não existia — ao se julgarem os únicos e eternos agentes no cenário político nacional — mostrasse o seu rosto.

Com o pensamento liberal de Bolsonaro o Brasil poderá se estabiliza­r economicam­ente? Deus queira que sim. No terreno comportame­ntal o Brasil avançará? Não, não mesmo. E corremos o risco de termos um presidente que atuará também como uma espécie de delegado de costumes, a exemplo do que foi Jânio Quadros no início dos anos 1960 — Jânio preocupava-se sobretudo em mandar multar quem trajasse biquíni nas praias (imitando o que ocorria na Itália), jogasse no bicho ou apostasse em briga de galos. O Brasil recuará na questão da legalizaçã­o do aborto e o Estatuto do Desarmamen­to vai para o museu. Mas Bolsonaro não poderá ser criticado por nada disso, ele foi eleito democratic­amente deixando mais do que claro que esses dois pontos constavam de seu programa. Aliás, em referendos, a maioria dos brasileiro­s já se mostrou contrária à interrupçã­o da gravidez e a favor de possuir uma arma em casa para usá-la em legítima defesa da vida. Bolsonaro nada mais fez do que encampar tais consultas populares. E o povo, agora consultado sobre ele, o colocou no Planalto.

PT e PSDB se julgavam os únicos e eternos agentes no cenário político nacional. Imaginavam, ou fingiam imaginar, que a direita não existia

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DEMAGOGIA O combate ao jogo do bicho era uma das peças populistas de Jânio Quadros; a outra tática foi receber, mais de um ano antes, os jogadores que iriam à Copa de 1962
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CRISE E CISÃO O Reino Unido se divide na questão de abandonar a União Europeia e a Catalunha insiste em se separar da Espanha: nacionalis­mo em alta

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