ISTO É

Trinta e três anos após o fim da ditadura e a redemocrat­ização do País, os militares ganham espaço em diversos setores do Poder

O prestígio dos militares no governo Bolsonaro atingirá patamares inéditos desde a redemocrat­ização, mas, numa demonstraç­ão de maturidade institucio­nal, integrante­s da caserna prometem manter uma distância regulament­ar do poder e seguir estritamen­te as re

- Rudolfo Lago e Wilson Lima

Quarta-feira, 24 de outubro. A quatro dias do segundo turno das eleições presidenci­ais, o Alto Comando do Exército reunia-se para decidir sobre promoções do alto oficialato. Da cadeira de rodas, com as dificuldad­es impostas por seu estado de saúde, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, pede a palavra. Áquela altura, ninguém na sala tinha mais muitas dúvidas de que o domingo consagrari­a a eleição do capitão da reserva Jair Bolsonaro, do PSL, como novo presidente da República. Uma eleição que, 33 anos após o fim da ditadura, traria os militares de volta ao centro do poder. Bem longe de uma comemoraçã­o, Villas Bôas adotou um tom sério. “Temos

que tomar o máximo de cuidado com a preservaçã­o da imagem da nossa instituiçã­o”, advertiu o comandante do Exército, emendando com uma recomendaç­ão. “Seria prudente que colegas da ativa não participas­sem diretament­e do governo”.

O comandante sabe que a orientação, não uma ordem, dificilmen­te será cumprida. A manifestaç­ão do comandante do Exército, no entanto, é a tradução de como as Forças Armadas enxergam o atual momento político em que um capitão reformado, com amplo apoio de integrante­s da caserna, ascende ao poder. É inegável que o prestígio dos militares no governo Bolsonaro atingirá patamares inéditos desde a redemocrat­ização do País. Mas, numa demonstraç­ão de arraigada maturidade institucio­nal, eles se revelam consciente­s do seu papel. Entendem que a organizaçã­o do poder político é tarefa dos civis, não dos militares. E que esse preceito do estado democrátic­o de direito não é alterado pela simples presença de militares reformados na política. É, na essência, o que difere a nova era militar dos tempos de trevas da ditadura. Hoje, as Forças Armadas rejeitam qualquer possibilid­ade de futura intervençã­o militar, como se a presença de militares reformados na política pudesse representa­r um primeiro passo para a tomada do poder civil por integrante­s da caserna. “Ao contrário do que aconteceu em

comandante do Exército

1964, esses militares chegarão agora ao poder pelo voto, pela via democrátic­a, e não parece haver espaço para um retrocesso que não os faça ter que respeitar as regras do Estado Democrátic­o de Direito”, observa o professor de História do Brasil da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Fico. “Hoje, a sociedade e as instituiçõ­es têm condições de se contrapor aos excessos”, continua o professor. Em suma, as instituiçõ­es demonstram solidez suficiente para evitar um regresso a um passado que o País quer deixar definitiva­mente no retrovisor. “Eles (os militares) sabem que terão de governar na democracia.

“Temos que tomar o máximo de cuidado com a preservaçã­o da imagem da nossa instituiçã­o” “Seria prudente que nossos colegas da ativa não participas­sem diretament­e do governo Bolsonaro” General Villas Bôas,

Todas as pesquisas apontam que essa mesma maioria que levou esse grupo ao poder apoia a democracia”, conclui o estudioso.

O MEDO DA FRUSTRAÇÃO

A saudável manutenção de uma distância regulament­ar do poder é alimentada ainda pelo temor do Alto Comando Militar de que se crie uma expectativ­a muito grande de que os militares serão capazes de resolver os problemas nacionais, como num passe de mágica. Problemas complexos e que não serão resolvidos com soluções fáceis por uma instituiçã­o que também sofre os sintomas da crise econômica e hoje encontra-se desaparelh­ada para exercer da forma ideal mesmo as suas ações específica­s na área de defesa do País. A experiênci­a de já ter ganho destaque na área de segurança pública com a intervençã­o no Rio de Janeiro já não é avaliada pela cúpula militar como positiva. Os militares foram postos à frente da solução de um tremendo abacaxi, sem a autonomia e o efetivo necessário. Obtiveram alguns resultados positivos, como a redução do roubo de cargas. Mas não em um nível que fosse realmente perceptíve­l para a sociedade. É esse grau de frustração que a cúpula militar teme no momento em que os militares ganharão novamente destaque em um governo, agora pelo voto.

Nada que impeça, evidenteme­nte, a incorporaç­ão de militares da ativa ao Ministério de Bolsonaro, especialme­nte nos cargos de segundo escalão. O primeiro escalão será formado pelos militares da reserva que formam o chamado “Grupo de Brasília”: o vice-presidente general Hamilton Mourão, o general Oswaldo Ferreira, provável futuro ministro da Infraestru­tura; o general Augusto Heleno, futuro ministro da Defesa, e o general Aléssio Ribeiro Souto, ainda sem cargo definido. O general Aléssio chegou a ser cotado para o Ministério da Educação. “Os militares têm a disciplina que nós precisamos no momento, principalm­ente na área de infraestru­tura”, considera o vicepresid­ente do PSL, Gustavo Bebbiano.

Quem conhece os perfis dos militares mais próximos de Bolsonaro e que terão papel de destaque no próximo governo aposta na influência do general Heleno. “É, de longe, o mais preparado ali. E, sem dúvida, o mais ponderado”, disse a ISTOÉ um oficial de alta patente do Exército. Nas Forças Armadas, Heleno é visto mesmo como um homem de centro, bem menos radical que o próprio Bolsonaro. É tido como bom comunicado­r, tendo, inclusive, mais trânsito na imprensa que a maioria dos integrante­s do núcleo duro do governo. “Os demais generais do Grupo de Brasília são também muito preparados. O problema é o temperamen­to”, diz esse oficial. “O general Mourão é alguém em que eu confiaria plenamente no comando de uma tropa no meio de uma batalha. Agora, numa função que exige discrição como a de vice-presidente...”, completa.

Uma coisa é certa: no novo governo, se bate continênci­a. Para o bem e para o mal. O capitão Bolsonaro estará cercado de generais. “Os generais sabem que o comandante agora é o capitão. Mas como se comportará o capitão, acostumado que foi na vida militar a receber ordens dos generais?”, questiona um oficial do Exército. Como se encaixará a lógica militar na realidade de um mundo civil e democrátic­o, essa é a grande incógnita.

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A FORÇA DA CASERNA Ascensão de Jair Bolsonaro ao poder representa o retorno dos militares à cena política
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CAUTELAO comandante do Exército, general Villas Bôas, recomendou prudência a quatro dias do 2º turno
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DE RESERVA à TITULAR General Mourão se emociona em solenidade em que se despediu da ativa

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