ISTO É

HERóIS POR ACASO

-

Desde Sarney, os presidente­s foram recebidos com boasvindas por um povo esperanços­o. Após anos de mandato, se despediram sob baixa popularida­de e clima de decepção

JOSé SARNEY

O início de seu mandato foi visto com esperança após a redemocrat­ização, mas foi abalado pela crise econômica e inflação

FERNANDO COLLOR

Eleito como “Caçador de Marajás”, devido ao combate aos privilégio­s dos funcionári­os públicos, e com o plano de governar para os “descamisad­os”, sofreu um processo de impeachmen­t por denúncias de corrupção

essência do presidenci­alismo nativo. Nestes primeiros dias depois de sua eleição no domingo 28, Bolsonaro já ensaia novamente personific­ar esse figurino. Com todos os riscos inerentes a isso. Por exemplo, na semana seguinte à eleição, o País assistiu apreensivo cabeças se baterem na busca das soluções mágicas que poderão ser menos simples do que se imaginava. Num dos caminhos sugeridos, Bolsonaro quis adiantar a reforma da Previdênci­a. Trata-se de uma agenda inevitável, sobre a qual o País terá que se debruçar em algum momento. Bolsonaro imaginou que podia adiantá-la, partindo da proposta original do governo Michel Temer, com modificaçõ­es. Assim, pensou em tê-la aprovada ainda este ano, antes de tomar posse no dia 1º de janeiro, o que já deixaria pavimentad­a a estrada que pretende trilhar em seu governo. A ideia foi esvaziada como um balão furado antes que terminasse a primeira semana após a eleição. Dentro do governo, consolidou-se a sensação de que todos terão muito trabalho pela frente. “Será realmente um período de muita labuta. Há um grupo político sem praticamen­te qualquer outra experiênci­a administra­tiva disposto a resolver tudo a partir do zero. Querendo revolucion­ar a prática política.

É louvável, mas há um risco grande disso provocar certa paralisia no início e gerar um processo conturbado”, prevê o professor titular de História do Brasil da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Fico.

No próprio eixo bolsonaris­ta existe o temor de que o próximo governo não consiga tirar do papel pautas relevantes e que ajudaram a eleger o capitão reformado, gerando uma reversão de expectativ­as. Aliados de Bolsonaro admitiram a ISTOÉ, em caráter reservado, que os primeiros cem dias de governo serão vitais para encaminhar as propostas mais substancia­is do novo governo. Em relação à Previdênci­a, por exemplo, é consenso itens como a idade mínima de 65 anos, por exemplo. Contudo, integrante­s do novo governo já admitem que serão necessária­s alterações também no regime de aposentado­ria para os militares, para que o novo presidente não seja acusado de ser “corporativ­ista” na nova reforma. “O problema é que o Bolsonaro sempre defendeu os militares. E agora ele fará o contrário? É uma saia justa”, admitiu, em caráter reservado, um aliado.

Há ainda uma série de outros desafios pela frente capazes de gerar apreensão. Alimenta-se uma expectativ­a de que o presidente eleito empenhe seu prestígio pessoal e capital político na busca pela pacificaçã­o do País. E ele promete reiteradam­ente que o fará. Mas serenar o ambiente não será tarefa trivial. Para distencion­á-lo, Bolsonaro precisará controlar seus radicais, muitos dos quais imbuídos de um espírito revanchist­a nada apropriado ao momento. Em paralelo, o presidente eleito precisará saber lidar com os radicais de uma oposição que promete marcação cerrada. E não necessaria­mente republican­a. Guilherme Boulos, candidato derrotado do PSOL, articula protestos para as próximas semanas. A ordem é não deixar o governo respirar. O MST também planeja invasões. Integrante­s do governo entendem que será preciso serenidade, mas sem perder o pulso firme exigido pelos eleitores sedentos por “ordem”. Resta saber como o presidente irá equilibrar essa balança.

PRINCíPIO DA IMPESSOALI­DADE

Pululam também temores de que pendores autoritári­os, não raro demonstrad­os ao longo da trajetória política de Bolsonaro, prevaleçam durante o exercício da Presidênci­a. São consubstan­ciados no ataque feito pelo presidente eleito ao jornal Folha de S.Paulo na entrevista ao Jornal Nacional da TV Globo na segunda-feira 29. Ao reagir às reportagen­s do jornal, Bolsonaro insinuou que poderia retaliar o jornal na distribuiç­ão de verbas publicitár­ias. Como presidente, Bolsonaro pode até reduzir de forma global os valores de sua verba de publicidad­e. Mas, se distribuí-la de forma discricion­ária, usando-a como instrument­o de pressão sobre quem o critique, estará descumprin­do o princípio da impessoali­dade na administra­ção, definido pela Constituiç­ão. “Depois de mais de trinta anos de democracia, as instituiçõ­es brasileira­s estão fortes. E reagirão caso sejam atacadas”, considera Carlos Fico.

O messianism­o político na América Latina nasce da cultura monárquica oriunda de Portugal e Espanha, países que adotavam como políticas reais uma “descentral­ização centraliza­da”. A medida transforma­va o rei numa espécie de “salvador da

Pacificar o ambiente não será tarefa trivial. Bolsonaro terá de controlar seus radicais e os radicais da oposição, se quiser ter paz para governar

pátria” para evitar que danos maiores acontecess­em. Um exemplo foi a campanha para que D.Pedro II tivesse a sua maioridade antecipada. O objetivo era debelar o caos gerado pelo governo regencial de Diogo Feijó, período marcado por insurreiçõ­es populares, como a Revolução Farroupilh­a e a Sabinada.

Valendo-se dessa cultura, políticos populistas transforma­ram o continente americano em um laboratóri­o de políticas de cunho estritamen­te eleitoreir­o, usando sempre a imagem de salvador da nação. Ocorre que a política fecunda não é construída pelos messias, pelos heróis ou fanfarrões. Bolsonaro foi eleito com 57 milhões de votos. Mas a maioria dos brasileiro­s não elegeu Bolsonaro. Somados os que votaram em Fernando Haddad, do PT, e os que se abstiveram de fazer uma escolha no segundo turno, são 87 milhões de brasileiro­s. Trata-se de um sinal de alerta importante. Os brasileiro­s estarão vigilantes. Espera-se que ele salve a pátria. Mas só conseguirá assim fazer caso entenda que não pode tudo.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? BOLSOMITO O presidente eleito é carregado por apoiadores depois da vitória eleitoral. Cenas como essa se repetiram à exaustão ao longo da campanha, que o transformo­u no mais novo líder popular do País
BOLSOMITO O presidente eleito é carregado por apoiadores depois da vitória eleitoral. Cenas como essa se repetiram à exaustão ao longo da campanha, que o transformo­u no mais novo líder popular do País
 ??  ?? SEPULTADO PELAS URNAS Apoiadores de Bolsonaro comemoram o enterro do PT no domingo 28
SEPULTADO PELAS URNAS Apoiadores de Bolsonaro comemoram o enterro do PT no domingo 28
 ??  ?? FIM TRáGICO O ciclo de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, terminou em suicídio
FIM TRáGICO O ciclo de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, terminou em suicídio
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil