ISTO É

Comportame­nto

A desnutriçã­o torna a crescer no Brasil e nos países vizinhos, provocando um desastre humanitári­o. Na América Latina e no Caribe falta comida para 47 milhões de pessoas

- André Vargas

Aculpa é da desigualda­de. A falta de acesso a alimentos fez com que pelo terceiro ano seguido a fome e a desnutriçã­o crescessem no Brasil, em países da América Latina e no Caribe, aponta o mais recente relatório da Organizaçã­o das Nações Unidas para Alimentaçã­o e Agricultur­a (FAO), divulgado em Santiago do Chile, na quarta-feira 7. De acordo com o Panorama de Segurança Alimentar e Nutriciona­l, elaborado com auxílio da Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS) e do Programa Mundial de Alimentos (WFP), 6% da população regional passa fome, per- fazendo 39,3 milhões de pessoas. Se acrescidos os desnutrido­s, os que não conseguem obter três refeições adequadas ao dia, esse número sobre 47,1 milhões (7,9%). Um cresciment­o de 5 milhões em relação ao período entre 2014 e 2016. Parece pouco, quando comparado com a África, onde a fome atinge 250 milhões de pessoas (21%). Mas há razões para preocupaçã­o, já que a região é uma importante produtora de commoditie­s alimentíci­as. De acordo com Julio Berdegué, diretor da FAO, as causas merecem estudos aprofundad­os: “Não há razões técnicas, nem materiais”.

CORTES NOS PROGRAMAS

O Brasil não escapou. Após tirar quase 14 milhões de pessoas da desnutriçã­o, estamos de volta ao Mapa da Fome das Nações Unidas, de onde havíamos saído em 2014, quando menos de 5% da população ficou abaixo da linha da miséria. Em 2017, 11,7 milhões de brasileiro­s (5,6%) viviam com menos US$ 1,90 (R$ 7,22) ao dia, o que os tornou vulnerávei­s à desnutriçã­o, mal que afeta principalm­ente idosos e crianças. Decorrente­s da crise econômica e dos cortes orçamentár­ios, o encolhimen­to dos programas sociais e de incentivo aos pequenos produtores dificulta o acesso a alimentos. De acordo com a FAO, hoje 5,2 milhões de brasileiro­s estão desnutrido­s, um aumento de 200 mil pessoas desde 2012. Algo vexaminoso para um país que colhe 300 milhões de toneladas anuais de grãos. “Precisamos avançar para que todos recebam cuidados devido à desnutriçã­o e suas consequênc­ias”, disse Carissa Etienne, diretora da Organizaçã­o Pan-Americana de Saúde (OPAS).

Mas a situação é catastrófi­ca mesmo na Venezuela. Hoje, 3,7 milhões de venezuelan­os (11,7% da população) comem mal ou não tem o que comer. Um aumento de 600 mil pessoas desde 2015. Há falta crônica de comida, o que torna tudo mais grave e intenso do que nos demais países. Um levantamen­to de 2017 das universida­des Andrés Bello, Simón Bolívar e Central da Venezuela apontou que 70% dos venezuelan­os havia perdido peso. Na amostragem, a média de emagrecime­nto foi de seis quilos. Em 2012, antes da crise, os desnutrido­s somavam pouco mais de 1 milhão. Em 2002, eram 4,1 milhões, o que rendeu rasgados elogios internacio­nais ao mesmo governo bolivarian­o que agora fracassa inapelavel­mente. O problema também persiste no Haiti (5 milhões, 45% da população) e no México (4,8 milhões, 3,8% da população), só que nos últimos três anos ambos os países apresentar­am melhora. O mesmo ocorre na Colômbia e República Dominicana.

PRODUTOS BARATOS

O relatório aponta que a exclusão é a principal causa da fome. Entre os mais pobres, em especial mulheres e crianças indígenas ou afro-descendent­es das áreas rurais, houve uma mudança no ciclo de produção e acesso à comida. “Enquanto muitos aumentaram o consumo de alimentos saudáveis, como leite e carne, outros precisaram optar por produtos baratos, com alto teor de gordura”, diz o estudo. O resultado é que também cresceu o sobrepeso e a obesidade, que já atingem 60% da população regional (250 milhões). A ONU defende a adoção de políticas contra a desigualda­de e a criação de um sistema sustentáve­l de produção de alimentos saudáveis. Caso contrário, lamentavel­mente, continuare­mos a viver num continente adoentado.

De acordo com a FAO, 5,2 milhões de brasileiro­s estão desnutrido­s, um aumento de 200 mil pessoas desde 2012

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FLAGELOO Brasil ficou fora do Mapa da Fome durante três anos. Hoje há 11,7 milhões de pessoas em sério risco
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DESESPERO Voluntário­s de ONGs distribuem alimentos para a população esfomeada de Caracas, que luta para sobreviver
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GELADEIRAS VAZIAS Após reduzir a desnutriçã­o em 75%, a Venezuela viu alimentos sumirem com a crise: população perde peso

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