ISTO É

O circo de Lula

Sem argumentos para rebater acusações no processo do sítio de Atibaia, Lula perde a compostura e acaba sendo repreendid­o pela juíza Gabriela Hardt: “O senhor está intimidand­o a acusação. E eu não vou permitir”

- Wilson Lima

Dos processos que pesam contra o ex-presidente Lula, o que envolve o sítio de Atibaia é sabidament­e o mais consistent­e. Para responder sobre o imóvel, na quarta-feira 14, Lula deixou pela primeira vez sua sala-cela na sede da Polícia Federal em Curitiba, desde que foi preso. Constituiu sua estreia frente-afrente com a juíza Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro, futuro ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Logo no início do depoimento, o clima esquentou. Inadvertid­amente, Lula quis lançar uma ironia num tom que resvalava para a agressivid­ade, mas acabou fortemente repreendid­o pela juíza. “Doutora, eu só queria perguntar para meu esclarecim­ento. Eu sou o dono do sítio?”, questionou Lula. “Isso é o senhor que tem que responder”, retrucou a juíza para, em seguida, emendar: “Senhor expresiden­te, esse é um interrogat­ório. E se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”. Ao agir com firmeza, a substituta de Moro exibiu uma face até então desconheci­da do grande público: a de uma magistrada séria, pouco ou quase nada afeita a manobras diversioni­stas, expediente usado em geral pelos réus na tentativa de ludibriar o juízo. “A Gabriela Hardt é uma juíza linha Hard(t)”, brincam quem a conhece de perto.

Durante o depoimento, Lula admitiu que passou a frequentar o sítio a partir de 15 de janeiro de 2011, após deixar a presidênci­a da República, conforme consta na denúncia do MPF. Lula disse que em 12 de janeiro ficou sabendo que Jacó Bittar havia adquirido a propriedad­e. Bittar é um ex-petroleiro, sindicalis­ta e integrante à época do Conselho de Administra­ção da Petrobras. Depois, tomou conhecimen­to que o dono do imóvel seria Fernando Bittar, filho de Jacó.

“Senhor ex-presidente, esse é um interrogat­ório. E se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema” Gabriela Hardt, juíza da 13ª Vara Federal do Paraná

Quando questionad­o sobre as razões de utilizar o quarto principal do sítio em vez do de hóspedes, o que seria o procedimen­to usual para pessoas que estão abrigadas em residência­s de terceiros, Lula alegou ter se valido de prerrogati­va presidenci­al. “Quando me davam (o quarto principal), eu ocupava. Isso era uma deferência que eu recebia tanto lá na chácara, quanto quano era recebido no palácio da rainha da Inglaterra, da rainha da Suécia, em vários lugares que eu frequentei, inclusive no Kremlin. Eu não sei o que o Ministério Público achou de absurdo nisso”, declarou o ex-presidente. Não consta, porém, que a rainha Elizabeth II ou o presidente Puttin tenham deixado seus aposentos para que Lula repousasse neles.

Assim como aconteceu no processo do tríplex, dona Marisa foi novamente alçada à condição de responsáve­l pelos detalhes mais incriminat­órios, como a aquisição de itens de lazer. “O pedalinho foi ela (Marisa) que comprou”.

A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da Lava Jato, na verdade, jamais afirmou peremptori­amente que a propriedad­e do sítio era do ex-presidente Lula. Mas sim que foi reformado e recebeu diversas melhorias feitas por empreiteir­as para que ele desfrutass­e do imóvel. Tais melhorias são entendidas pelos procurador­es como uma forma de pagamento de propina provenient­e de seis contratos firmados entre a Petrobras, a Odebrecht e a OAS. De acordo com os procurador­es, as melhorias no imóvel totalizara­m R$ 1,02 milhão. Sobre isso, Lula pouco respondeu.

BRAVATAS

Durante as três horas de depoimento, Lula recorreu a ironias e bravatas para tentar negar sua relação com a Odebrecht e a OAS. Também não conseguiu explicar o fato de ter feito aproximada­mente 270 visitas ao local durante os anos de 2011 e 2016 nem o motivo pelo qual foram encontrada­s notas fiscais sobre reformas no sítio no apartament­o do ex-presidente, durante busca e apreensão ocorrida em 2016. Sobre o tema, Lula foi lacônico: “Bom, primeiro eu não sei se foi encontrado no meu apartament­o. Eu tô sabendo disso agora”. Depois, emendou. “Eu nunca soube de nota de obra na minha casa”.

A surrada e já reprovada tática do “não sei de nada” de novo não deve surtir efeito. As provas contra o expresiden­te são tão ou mais robustas que aquelas que o levaram à condenação no processo do tríplex.

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LINHA“HARD(T)” Em depoimento na quarta-feira 14, a juíza Gabriela Hardt não se dobrou às manobras de Lula

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