ISTO É

A BATALHA DE VOLTA REDONDA

Há exatos 30 anos acontecia a última intervençã­o violenta dos militares no País, contra sindicalis­tas da Companhia Siderúrgic­a Nacional (CSN). Três operários morreram, 35 ficaram feridos e a cidade viveu longas horas de terror

- Vicente Vilardaga

Asituação parecia controlada e o Brasil vivia sob um novo regime. A ditadura tinha oficialmen­te acabado três anos antes e a nova Constituiç­ão, promulgada no mês anterior. Não havia motivo para qualquer tipo de recaída repressiva e autoritári­a. Mas ela veio e atingiu em cheio a cidade de Volta Redonda, no dia 9 de novembro de 1988. O País estava sob o governo de José Sarney e o Exército decidiu intervir numa greve na Companhia Siderúrgic­a Nacional (CSN), que estava paralisada há dois dias e tinha sido ocupada por cerca de cinco mil trabalhado­res. Foi a ação mais violenta dos militares contra a população civil nos últimos 30 anos no País. Três trabalhado­res morreram, William Fernandes Leite, 23 anos, e Valmir Freitas Monteiro, 27 anos, atingidos por tiros de fuzis, e Carlos Alberto Barroso, 19 anos, morto com coronhadas na cabeça. Outras 35 pessoas ficaram feridas. Tratou-se de um enfrentame­nto de grandes proporções, que envolveu centenas de soldados, uso de tanques e lançamento de bombas. Os conflitos começaram por volta das 18 horas e se estenderam até meia-noite em duas frentes: dentro da usina e pelas ruas do bairro Vila Santa Cecília, onde está o portão principal da CSN.

O Exército chegou por volta das 18 horas com uma estratégia de reocupação da usina, considerad­a área de segurança nacional, e partiu imediatame­nte para a repressão. A entrada da CSN estava ocupada por metalúrgic­os e manifestan­tes do movimento estudantil, das comunidade­s eclesiais de base, de associaçõe­s de moradores e de outros sindicatos. “A cidade inteira estava a favor do movimento”, lembra o historiado­r Marcos Aurélio Gandra, do Centro Universitá­rio de Volta Redonda, estudioso do assunto que participav­a do movimento estudantil naquela época. “A greve da CSN foi uma experiênci­a de controle operário que desafiava muito o sentimento de poder dos militares sobre a usina e eles agiram como se estivessem em uma guerra contra um outro país”. O Exército cometeu atos de vandalismo, cortou a luz da cidade, espancou pessoas pelas ruas e usou munição real para enfrentar os

manifestan­tes. As tropas eram comandadas pelo general José Luiz Lopez.

Desde 1984, havia, todos os anos, paralisaçõ­es da categoria ou adesões a greves gerais contra o governo Sarney em Volta Redonda. As intervençõ­es militares também aconteciam com a mesma regularida­de, mas não descambava­m para a violência extrema. Em 1988, pela primeira vez, os operários decidiram que iriam resistir e que não abandonari­am a CSN nem por determinaç­ão da direção do sindicato nem por imposição do Exército enquanto suas reivindica­ções não fossem aceitas. Os pleitos incluíam o reajuste salarial de 26% relativo ao Plano Bresser, a readmissão de demitidos em outras greves e a implementa­ção do turno de seis horas para o regime de revezament­o. Desde a fundação da CSN os militares tiveram muita ascendênci­a sobre a empresa e, no final dos anos 80, sabiam tudo o que acontecia dentro da usina. Como outras estatais, a CSN ainda tinha a sua policia política funcionand­o como na época da ditadura. Chamava-se Assessoria de Segurança e Informação (ASI) e contava com uma estrutura de vigilância e espionagem sobre os operários e sobre a cidade.

A batalha de Volta Redonda causou enorme comoção social em todo o País e afundou ainda mais o governo Sarney, desprestig­iado por causa de vários planos econômicos fracassado­s. Os trabalhado­res saíram vitoriosos da greve, tiveram suas reivindica­ções atendidas e deixaram as instalaçõe­s da usina no dia 10. Os militares ainda se mantiveram na cidade até o dia 23. O movimento da CSN e a reação truculenta do Estado acabaram levando a uma forte reação popular e a uma onda de eleições de políticos de oposição para prefeitura­s de grandes cidades, como Luiza Erundina (PT), em São Paulo, Olivio Dutra (PT), em Porto Alegre, e o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgic­os de Volta Redonda, Juarez Antunes (PDT), que se elegeu para a Prefeitura da cidade do aço, mas morreu em um acidente de carro dois meses depois de assumir o mandato.

FORçAS REPRESSIVA­S

Segundo Gandra, os arquivos militares sobre o episódio de Volta Redonda seguem inacessíve­is. O relatório da Comissão Municipal da Verdade, concluído em 2015, cita 14 casos de violações graves contra os direitos humanos e conclui que a cidade foi “palco de uma ditadura tardia”. Para Gandra, a greve de Volta Redonda foi uma demonstraç­ão concreta da capacidade de organizaçã­o dos trabalhado­res, “assustou as forças repressiva­s do país e fugiu do script da abertura lenta, gradual e segura, planejada pelos militares na democracia tutelada brasileira.” “Hoje o Brasil vive uma situação parecida, quem defende a democracia está preocupado com a empolgação dos militares no novo governo eleito e também com algumas manifestaç­ões do presidente Jair Bolsonaro de criminaliz­ar os movimentos sociais, perseguir ativistas políticos e de não respeitar os sindicatos e o movimento dos sem teto”, afirma. A preocupaçã­o que havia no final da década de 80, de alguma forma, retorna hoje.

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BATALHA CAMPAL Operários da CSN resistem aos avanços do Exército em torno da usina de Volta Redonda

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