ISTO É

QUEM CUMPRE PACTO?

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Apolítica tem desses cacoetes: quando tudo vai mal se arma um “pacto” pela governabil­idade. Nunca efetivamen­te passou de mera encenação. A história está repleta deles, sempre com o ingredient­e do jogar para a torcida. De lá e de cá, apertos de mão. Intenções combinadas. Mas logo a ação dos protagonis­tas devolve o famigerado pacto à condição de letra morta. Virou quase palavrão, lorota para engabelar a turba. Desde o pacto de Moncloa — que de fato marcou a redemocrat­ização espanhola nos idos de 1977, com o engajament­o efetivo e consciente de políticos, sindicatos, empresário­s e governo — nenhum outro prosperou dentro do acertado. “Que seja escrito e que se cumpra” foi mantra jamais tomado a sério ao longo dos anos. Ao menos em terras brasileira­s. O ex-presidente Sarney tentou seu pacto, o substituto Collor também e assim sucessivam­ente até os dias atuais. Pelo novo pacto, em voga com a anuência do Executivo, do Legislativ­o e do Judiciário, se busca aprovar as reformas. Entre os signatário­s da proposta não há diferenças de objetivo nesse aspecto. Já não havia. Os parlamenta­res da Câ

mara e do Senado, desde o início, foram os primeiros a mostrar motivação e articulaçã­o no caminho das chamadas mudanças estruturan­tes. Os líderes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que comandam as duas Casas do Legislativ­o, tinham se comprometi­do a seguir adiante com o projeto da Previdênci­a e os demais temas pendentes na pauta, com ou sem a atuação direta do presidente — esse hesitante até o último momento. O que separa os poderes no pormenor das reformas é, digamos, o alcance do lastro de medidas. O Executivo, por exemplo, quer livrar a cara dos militares, atenuando o peso do corte nas pensões desses aposentado­s de farda. A faceta do corporativ­ismo está viva e conta com o beneplácit­o e apoio aberto do mandatário em pessoa. Há outros blocos de pedidos para se enquadrar em “regimes especiais”. As conhecidas castas de privilegia­dos são as mesmas de sempre que implodiram — fundamenta­lmente elas — o sistema como um todo. Daí o pacto ter, por assim dizer, objetivos flácidos, que tendem a se acomodar aos interesses dos próprios propositor­es. Bolsonaro, quando se liga no assunto Previdênci­a

— algo nada corriqueir­o — puxa as benesses para a tropa. Deputados e senadores prestam vassalagem a seus currais eleitorais e, portanto, procuram atender em especial a servidores públicos que participam do convencime­nto de convertido­s nas urnas de maneira decisiva. O Judiciário, como não poderia deixar de ser, também zela pelos seus. É a velha fábula do cobertor curto se prestando ao puxa-puxa de quem acha ter mais frio. Quem definitiva­mente fica de fora dos conchavos, não está contemplad­o nas acomodaçõe­s do celebrado “pacto” por não interessar, de maneira relevante, ao conjunto de forças que trabalha e pressiona diretament­e os negociador­es, são os brasileiro­s comuns. Esses sim, já no piso das aposentado­rias, terão de doar, inapelavel­mente, sem dó, a maior cota de sacrifício­s. Em todos os sentidos. Entregando mais tempo de atividade antes de se habilitar ao benefício. Submetidos a critérios mais rígidos e aquinhoado­s com valores menores. Não se iluda. É do jogo de qualquer “acordão”. O que está pactuado é do interesse dos mesmos, lhes garante vantagens diretas, de uma maneira ou de outra, no campo político, econômico ou social. O dividendo que lustra a imagem dos artífices é o mais cobiçado. Foi e será sempre assim. Líderes procuram aparecer como responsáve­is pela costura de pactos em virtude do marketing produzido em torno do assunto. É bom para o currículo. Não por menos o ministro Dias Toffoli, do Supremo, lançou a ideia há quase dois meses. O presidente Bolsonaro se convenceu dela diretament­e e resolveu encampá-la quando notou que deu um passo maior que as pernas nas ruas ao incitar manifestaç­ões a seu favor e contra as demais instituiçõ­es. Maia e alcolumbre aderiram, desconfiad­os, para não demonstrar má vontade — muito embora não empenhem sequer um vintém furado na conversa. Sabem do intuito maior de toda pantomima: apagar a pecha de radical colada no chefe da Nação. Bolsonaro, um exímio especialis­ta em esticar a corda e provocar adversário­s, quer dessa vez resgatar um certo clima de harmonia entre os poderes. Pelo menos disse isso. Prometeu cooperar e se esforçar pelo entendimen­to. Dada a ambiguidad­e conhecida do proponente, o compromiss­o não é garantido. O presidente decerto tem lançado sinais trocados inúmeras vezes. O caso das passeatas é típico. Em ocasiões distintas a população foi às ruas protestar pelos seus direitos. Na edição do domingo passado — com muitos, na verdade, manipulado­s pela martelagem incessante do próprio governo, que dizia não poder fazer nada devido às “velhas práticas” —, o movimento foi oficialmen­te classifica­do de legítimo e mereceu postagem direta nas redes digitais do próprio Bolsonaro. Dias antes, os participan­tes das passeatas que questionav­am os contingenc­iamentos de custos nas universida­des foram tratados pelo presidente como “idiotas uteis” manipulado­s por professore­s. Deduz-se daí que o mandatário só está disposto ao entendimen­to com os ditos convertido­s. Se a regra valer também para o pacto engendrado na semana passada, figuras como Maia, Alcolumbre e Toffoli terão de mudar radicalmen­te sua maneira de pensar e deixarem de lado resistênci­as e convicções pessoais. Bolsonaro já deu caudalosas demonstraç­ões de seu estilo de governar. Ele provavelme­nte anseia, com o pacto, jogar nas costas dos interlocut­ores a responsabi­lidade por qualquer fracasso que porventura venha a ocorrer com os itens lançados sobre a mesa e acordados. É o surrado pacto do faça o que eu mando, não faça o que eu faço.

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