ISTO É

ETERNA CONFLAGRAÇ­ÃO

Insufladas pelo governo, as repetidas manifestaç­ões estendem a polarizaçã­o no país, dificultam a busca de consensos e podem travar pautas essenciais

- Marcos Strecker

OO país assistiu na última quinta-feira 30 a mais uma jornada de protestos. Pela terceira vez em duas semanas, o Brasil ficou em suspenso para debater as ações e propostas do governo. O clima de conflagraç­ão dificulta pautas importante­s que deveriam ser viabilizad­as. A economia está estagnada, o desemprego é brutal, os investimen­tos estão em baixa, caminhamos para mais uma década perdida e agendas essenciais para o país como a Reforma da Previdênci­a, a reforma tributária e a desburocra­tização seguem a duras penas no Congresso. A queda da confiança na retomada econômica foi um componente

importante para o baque do Produto Interno Bruto registrado pelo IBGE no primeiro trimestre, de 0,2%. É o primeiro recuo trimestral da economia desde 2016.

Em meio ao cenário desalentad­or, na quinta passada, na Esplanada dos Ministério­s, em Brasília, a Força Nacional foi chamada para cobrir o Ministério da Educação após pedido do titular da pasta, Abraham Weintraub, que temia depredaçõe­s e acusava professore­s de coagirem alunos. Foi a segunda manifestaç­ão - e em dimensão menor - contra os cortes na educação, convocada em todo o país por entidades estudantis e sindicatos de professore­s. O ato teve a participaç­ão de centrais sindicais contrárias à Reforma da Previdênci­a, como a Central Única dos Trabalhado­res (CUT), apesar de a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaris­tas (UBES) terem declarado que ele não foi contrário ou favorável ao governo, mas em defesa do ensino.

As manifestaç­ões são insufladas pelo go

Governo não está cumprindo seu papel de promover a conciliaçã­o e o diálogo. Momento é de articulaçã­o e de angariar apoios

verno, de alguma forma, pelo apoio de sua claque — como aconteceu no último domingo 26 —, ou por ameaçar — implicitam­ente ou abertament­e — áreas essenciais para o país, como a educação. No dia 15, o primeiro protesto contra os cortes na educação foi turbinado após declaraçõe­s desastrada­s do titular da pasta, que criticou universida­des federais e não soube explicar a motivação da redução das verbas federais - justificad­a depois como contingenc­iamento. Não houve interlocuç­ão e nem negociação para justificar a diminuição de recursos para todas as etapas de ensino, da educação infantil à pós-graduação. Logo depois, teve que voltar atrás em parte dos cortes.

TENTAçãO POPULISTA

Apoiar-se nas ruas para driblar dificuldad­es inerentes ao exercício do poder é uma velha tentação populista. Não causa surpresa, mas espanta que se recorra a essa estratégia em menos de cinco meses de gestão. Foi o que aconteceu no domingo 26. Em dificuldad­es no Congresso e sem vocação para articular projetos prioritári­os, o governo e seus apoiadores, incluindo as milícias virtuais, reagiram com manifestaç­ões pró-governo. Foi com a ajuda de governista­s de bom senso e do núcleo não ideológico do governo que se evitaram as palavras de ordem para a defesa de reformas, e não para atacar o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal (STF) - temas que atraem o bolsonaris­mo radical. Na última semana, a massa a favor de Bolsonaro recuou das bandeiras autoritári­as. Mas como será quando o governo estiver com a popularida­de ainda mais fragilizad­a, a retomada econômica não se viabilizar ou escândalos incontorná­veis atingirem o entorno presidenci­al?

As repetidas ameaças de paralisaçã­o de caminhonei­ros, categoria que na última greve teve o apoio explícito de Bolsonaro, apontam novos riscos no horizonte. Há outros. O governo não está cumprindo seu papel de promover a conciliaçã­o e o diálogo. Para enfrentar a ruína econômica, equacionar o déficit público, atrair investidor­es e apostar realmente em educação — o verdadeiro motor do desenvolvi­mento —, o momento é de articulaçã­o, de angariar apoios e construir consensos. O clima plebiscitá­rio permanente, ao contrário, afasta aliados e é contraprod­ucente.

Viabilizar um plano de governo significa enfrentar o contraditó­rio e se submeter ao sistema de pesos e contrapeso­s da democracia. Mais que isso, representa ampliar o arco de alianças e arbitrar interesses conflitant­es. Porém, o governo tem sido inepto - ou muitas vezes hostil — às tentativas de negociação com o Congresso e ao diálogo com os partidos favoráveis a uma agenda reformista. Atacar desafetos e minorias e investir na instabilid­ade como regra é uma atitude antidemocr­ática — após as manifestaç­ões do dia 15, o presidente respondeu aos protestos chamando os estudantes de “idiotas úteis” e “massa de manobra”. O dissenso só pode ser vencido com argumentos e a razão. A população que anseia a diminuição do desemprego não pode ficar refém de uma guerra panfletári­a de versões para se descobrir qual manifestaç­ão foi maior ou quem consegue fazer mais barulho nas redes sociais.

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PELA EDUCAçãO Na quinta-feira 30, estudantes e sindicalis­tas se uniram na Esplanada dos Ministério­s
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PRó-BOLSONARO Em resposta ao primeiro protesto contra os cortes na educação, manifestan­tes a favor do governo saíram às ruas no domingo 26. Bandeiras contra o Congresso e o STF viraram propostas propositiv­as em defesa das reformas

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