ISTO É

ÍNDIO QUER APITO

Primo favorito de Carlos Bolsonaro, Léo Índio tornou-se eminência parda no governo. Viaja pelo País vendendo ilusões, visita ministério­s, registra encontros com autoridade­s nas redes sociais e fala em nome do presidente

- Germano Oliveira e Wilson Lima

Éuma tradição, claro que péssima, da República brasileira: assim que um candidato alcança a Presidênci­a do País, um amigo ou um parente se torna, da noite para o dia, poderoso no governo e íntimo do poder. O Brasil é, assim, um dos mais legítimos exemplos da teoria de Nicolau Maquiavel, fundador do pensamento e da ciência política moderna. Filósofo e historiado­r da época do Renascimen­to, Maquiavel, pragmático, enxergava que essa seria a realidade de todos os tempos, a ponto de admitir que “aos amigos do poder todos os favores, aos inimigos a lei” — favores, no caso, significav­a sobretudo “permissão para agir”. Ele acertou, também, quando projetou a sua teoria para séculos futuros. Seis séculos se passaram, e cá estamos com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto e o seu sobrinho predileto como emi

nência parda. Trata-se de Leonardo Rodrigues de Jesus, mas pode chamá-lo de Léo Índio. É primo do vereador Carlos Bolsonaro, o filho 02 do presidente, e possui carta branca para entrar no Palácio do Planalto na hora que bem entender. Léo Índio participa de reuniões ministeria­is sem ter status para isso e cultiva o hábito de ostentar fotos desses encontros em suas páginas nas redes sociais.

Além de penetra do poder, Léo é comerciant­e, coisa que cada vez mais está ficando para trás... sim, a vida melhorou com o primo na vereança e o tio na Presidênci­a. Mas, como uma vez mercador sempre mercador, Léo atualmente vende ilusão.

Nos primeiros 45 dias de governo, o primo visitou o Palácio 58 vezes, com crachá especial, entrando nos gabinetes sem ser anunciado. Nos últimos tempos, acrescento­u em sua agenda uma outra atividade: tem se dedicado a viajar por todo o Brasil, falando em nome do presidente, prometendo ações do governo e vendendo influência junto a políticos. Recentemen­te, no Maranhão, afirmou que “ali estava para ouvir” os pleitos dos maranhense­s e transmitir os pedidos ao presidente. No mais, continua frequentan­do os gabinetes, como já fazia nos tempos em que vivia na Secretaria de Governo, então comandada pelo ministro Gustavo Bebianno.

Índio dava carteirada­s e dizia, com todas as letras, ser assessor do filho do meio do presidente. E não perdia a chance de lembrar que fora ele quem tanto ajudara a alçar Jair Bolsonaro ao Planalto. Impunha que a Secretaria de Governo destinasse verbas publicitár­ias para blogs apoiadores do bolsonaris­mo e Carlos chegou a “exigir” que Bebianno o contratass­e para um cargo no Ministério. Ao perceber que Léo Índio era “desqualifi­cado” e “oportunist­a”, Bebianno o colocou para correr e não lhe deu emprego. “Esse moço não serve para ser sequer office-boy”, disse o ministro a assessores. Começaram aí as desavenças de Carlos com Bebianno, cuja queda de braço terminou com a demissão do ministro. Ao assumir o cargo no lugar de Bebianno, o general Carlos Alberto Santos Cruz sofreu a mesma pressão, mas o militar também vetou a contrataçã­o do primo por entender que não seria ética. Foi outro que entrou na linha de tiro de Carlos e do guru ideológico, Olavo de Carvalho.

O PRIMO DE “CARLUXO”

Filho de Rosemeire Nantes, irmã de Rogéria Nantes, a mãe dos três filhos políticos de Bolsonaro, Léo, 36 anos, cresceu brincando com Carlos e desde a adolescênc­ia tornaram-se inseparáve­is. Tão inseparáve­is que não faltam comentário­s de que teriam uma relação homoafetiv­a, fato que, convenhamo­s, não é da conta de ninguém porque isso não interfere na República. Em recente entrevista na Bahia, Léo Índio declarou: “Eu acho que temos problemas maiores no País do que palpitar sobre relação sexual da família do presidente”. Na verdade, o problema é a intromissã­o do sobrinho na vida política do País, não a sua sexualidad­e nem a de Carlos. Os dois moravam juntos e ele chama o primo de “Carluxo”. São tão próximos que, logo que Bolsonaro assumiu a Presidênci­a, Carlos pediu um passaporte diplomátic­o para ambos – a repercussã­o, negativa, levou à desistênci­a. Durante a campanha, eles tocavam juntos o trabalho de abastecime­nto das mídias sociais em nome do candidato do PSL. “Enquanto nós rodávamos o Brasil, os dois ficavam entocados na casa do Carlos no mesmo condomínio do pai, no Rio de Janeiro, preparando o material que era divulgado nas redes”, recorda-se um publicitár­io. Essa posição privilegia­da junto a Carlos empoderou Léo Índio, que sentiu-se credenciad­o a participar já das primeiras reuniões do governo de transição no Centro Cultural do Banco do Brasil, onde circulava com um crachá especial. E, assim, a balada continuou após a posse. “Carlos e Índio eram os únicos, fora do quadro de assessores do presidente, autorizado­s a acompanhar reuniões ministeria­is e registrar tudo com seus celulares”, disse à ISTOÉ uma fonte próxima aos Bolsonaros. Quando está no Rio de Janeiro, Léo Índio é frequentad­or habitual do Morro Santa Marta, em Botafogo, do Mercado das Pulgas, em Santa Tereza, e assíduo cliente do Restaurant­e Zozô, na Urca, onde, entre um gole e outro, ama falar de seu parentesco com o presidente, contando presepadas e vantagens — e, naturalmen­te, prometendo coisas em nome de Bolsonaro. Claro que não é ponto sem nó. “Ele tem prometido ajudar os pobres dos morros cariocas, pois quer disputar a eleição para

deputado em 2022”, disse um amigo que prefere não se identifica­r. Léo “vende facilidade­s a aliados políticos”, diz uma fonte na Câmara dos Deputados. É fato que tem jogado alto, pois acena a parlamenta­res, a prefeitos e a presidente­s de executivas estaduais do PSL com a possibilid­ade de destravar recursos e liberar investimen­tos junto aos ministério­s. Em sua estadia em São Luis, Léo Índio esteve no 24° Batalhão de Infantaria e Selva, em um hospital de Câncer e com artesãs da região metropolit­ana. Um detalhe chamou a atenção. Vestindo uma camiseta com a foto de Bolsonaro estampada no peito, ele mais parecia um candidato. Tirou fotografia com lideranças locais, como foi o caso do ex-vereador Fábio Câmara (PSL), e até vestiu uma camisa do principal time de futebol do Maranhão, o Sampaio Corrêa. Ao final, o primo de Carlos declarou: “Fizemos um relatório que contém informaçõe­s de todo o Maranhão, incluindo os seus municípios. Através desse panorama debaterei com o presidente todas as questões aqui tratadas”.

A cara dura está detalhadam­ente nas redes sociais. Léo bate na mesma tecla e vende seu peixe dizendo ser uma pessoa próxima ao governo. Ostenta fotos com ministros, como o da Educação, Abraham Weintraub, e mostra flagrantes de uma reunião com o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. Faz questão de dizer que é um homem que tem ”ajudado a resolver pendências simples”, que os prefeitos e deputados não conseguem solucionar nos ministério­s, mas que “sempre geram dor de cabeça a quem não conhece a estrutura e a burocracia do governo federal”. Nos últimos dias, tem intensific­ado sua participaç­ão no whatsapp, onde divulga seus memes. Em um deles, exibe duas fotos. Uma da vereadora Marielle Franco, assassinad­a no ano passado, e outra da travesti Valéria, personagem do ator Rodrigo Sant’anna. No cotejament­o entre as duas, ele postou a frase de péssimo gosto: “Marielle vive kkkk”. Valéria fez-se famosa com o bordão “tá de deboche?”.

ALTO SALáRIO NO SENADO

Se não conseguiu a nomeação do primo no governo, Carlos rodou o Congresso batendo de porta em porta atrás de uma colocação para ele. Todos os deputados alegavam que a contrataçã­o poderia gerar mais problemas, já que o presidente teria um “olheiro” nos gabinetes. Assim, Carlos voltou-se para o Senado, e então encontrou receptivid­ade no senador Francisco Rodrigues, o Chico Rodrigues (DEM-RR), que, no final de abril, decidiu nomear Léo Índio como assessor parlamenta­r. O seu salário é de R$ 17.319,31, vencimento considerad­o bem robusto, inclusive para o próprio apaniguado, que colocou nas redes sociais que recebia aproximada­mente R$ 2 mil como vendedor de roupas nos últimos cinco anos. Quando foi nomeado, o próprio Léo Índio afirmou no Instagram: “Sempre acreditei na meritocrac­ia e no valor do trabalho. A boa política, entretanto, é indissociá­vel de mim desde a infância”. E acrescento­u: “Minhas caracterís­ticas profission­ais são fruto de duas décadas de trabalho árduo e de preciosas lições aprendidas em família. Herdei o apreço pela honestidad­e e o amor pela Pátria, valores que compartilh­o também com quase sessenta milhões de brasileiro­s que confiaram seu voto em meu tio, Jair”.

O pior é que o comportame­nto do primo dos Bolsonaros nesse emprego no Senado é típico de um funcionári­o fantasma. ISTOÉ fez plantão de três dias na porta do gabinete do senador Rodrigues e Léo Índio não apareceu para trabalhar. Uma funcionári­a explicou que ele atua como uma espécie de “lobista orçamentár­io”. Conforme ISTOÉ apurou, Léo Índio tem como função pesquisar junto aos ministério­s recursos que podem ser alocados diretament­e para o estado de Roraima, base do senador Chico Rodrigues. “Ele é um farejador de recursos”, resumiu um integrante do gabinete. Quem conhece o primo de “Carluxo” ratifica a tese de que a contrataçã­o teve de tudo, menos meritocrac­ia. Até mesmo no círculo íntimo da família Léo é considerad­o o menos dotado de co

“Acho que temos problemas maiores no País do que palpitar sobre relação sexual da família do presidente” Léo Índio, assessor no Senado

Ao perceber que Léo Índio era “desqualifi­cado” e “oportunist­a”, Bebianno o colocou para correr e não lhe deu emprego no governo

nhecimento­s políticos. Realmente, a sua formação não tem nada a ver com o mundo da política. Apenas no ano passado o primo concluiu o curso superior: administra­ção de empresas, feito na Universida­de Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, depois de muita insistênci­a do pai, Cláudio Marcio. Paralelame­nte, ele montou um negócio próprio, um hostel chamado Oca do Índio, mas o hotel faliu. Se nisso o “farejador de recursos” falhou, digamos que na politicage­m ele fareja bem. Quando o primo mais velho, o atual senador Flávio Bolsonaro, era deputado estadual (2002 a 2018), ele ganhou um cargo na Assembleia Legislativ­a do Rio (Alerj), onde ficou empregado por sete anos.

Antes de se unir a Carlos na campanha do tio, em meados do ano passado, ambos ainda moravam juntos numa casa do Condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca – o mesmo do presidente, mas algumas quadras abaixo. Léo Índio vivia de bicos. Segundo ele mesmo aponta no Linkedin, o último emprego registrado, em 2016, foi na área comercial, como gerente da empresa Moccato, que vende cafés especiais. Antes, de 2013 a 2016, mascateou coquetéis e cachaças. Para tanto, fez um curso rápido de coquetelar­ia. Trabalhou ainda como vendedor de roupas Ellus, Jeans Deluxe, TNG e Wolner. Em seu perfil digital, do qual se valia para pedir emprego antes de o primo lhe conseguir a vaga no Senado, Léo Índio se descreve como “comunicati­vo, versátil, criativo, persuasivo e objetivo” - mas nem com tantos atributos conseguiu trabalho nos últimos três anos. Mas, de repente, tudo mudou. O primo Carlos lhe abriu as portas do poder e deu-lhe asas para voos mais altos.

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ATRAçãO PELO PODER Léo Índio e Carlos Bolsonaro ficaram ainda mais íntimos durante a campanha de Jair Bolsonaro nas mídias sociais
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