ISTO É

DESEJO ANIMAL DE EXTINÇÃO

Mais de mil espécies correm risco de desaparece­r justamente quando o governo tenta afrouxar a legislação ambiental, liberando a caça e até a exploração de petróleo em parques nacionais

- André Vargas

Aararinha-azul só existe em cativeiro. Está extinta na natureza desde 2001 e é um símbolo da luta conservaci­onista no Brasil, como a onça-pintada e o botocor-de-rosa, ambos ameaçados. Porém, poucos brasileiro­s sabem que outros três pássaros deixaram de voar desde o início do século: o gritador-do-nordeste, o limpa-folha-do-nordeste e o caburéde-pernambuco. A vítima mais recente é o gritador, um tipo de sabiá avistado pela última vez em 2007, em um resquício de Mata Atlântica em Alagoas. Além das quatro aves, outras 1.173 espécies estão em risco no País, representa­ndo 13% dos vertebrado­s, informa o “Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção”, do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Entre os que beiram o sumiço estão a baleia-azul, o pica-pauamarelo, a preá, o bugio-marrom, o tamanduá-bandeira, a suçuarana.

Nem por isso o governo dá a mínima atenção ao assunto. Desde que assumiu, Bolsonaro defende a flexibiliz­ação da legislação, o que resulta no desmonte

do sistema de proteção ambiental brasileiro, aperfeiçoa­do desde 1967, quando a caça de espécies nativas foi proibida. Um conjunto de cinco propostas tramita na Câmara pedindo a liberação da caça esportiva, a criação de reservas particular­es de caça, a permissão para a captura, criação e comércio de animais silvestres, a proibição do porte de armas de fogo para fiscais ambientais, a eliminação de penas pesadas para crimes ambientais e poder aos municípios sobre o que pode ser abatido ou capturado. Contrarian­do as recomendaç­ões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, o Ibama, há até o desejo de explorar petróleo perto do Parque Nacional de Abrolhos, no sul da Bahia, que é um berçário de baleias.

“Das doze suçuaranas que libertamos, oito foram abatidas. É absurdo que os animais paguem por nossa inconsequê­ncia” Juliana Camargo, presidente da Ampara Animal

“Estamos diante de um amontoado de barbaridad­es”, diz Warner Bento Filho, do WWF-Brasil. A ONG denuncia que as propostas estão repletas de armadilhas jurídicas. Uma delas mudaria o status dos animais nativos, que se tornariam “bens de domínio público” em vez de “propriedad­e do estado”. Outro caso ocorreu em abril, quando o Ministério da Agricultur­a pediu ao do Meio Ambiente que revisse os critérios para a definição de espécies aquáticas ameaçadas.

O tiro inicial pela liberação da caça foi dado em 2016, pelo ex-deputado Valdir Colatto (MDB-SC). No ano passado, ele perdeu sua quarta reeleição consecutiv­a, mas ganhou a chefia do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que saiu da pasta do Meio Ambiente e foi parar na Agricultur­a. Colatto é considerad­o pelos ambientali­stas uma raposa no galinheiro. Ele nega. “Qualquer projeto pode ser aprovado totalmente ou desfigurad­o”, diz, com razão. Parte dos deputados da Frente Parlamenta­r Ambientali­sta quer apenas engavetar o que tramita. É tido como certo que se aprovados, quase tudo será discutido no STF. O apoio popular é questionáv­el. Em 22 de maio, uma pesquisa do Ibope em 142 municípios demonstrou que 93% dos brasileiro­s são contra a liberação. Nas grandes cidades, a rejeição é de 95%, no interior, 91%. Nas redes sociais, correm manifestos com mais de 500 mil assinatura­s.

ESPÉCIES INVASORAS

O temor é que a pressão sobre a fauna aumente apenas para cumprir promessas da campanha presidenci­al. De acordo com o MMA, os maiores riscos hoje estão no aumento da atividade agrícola, na derrubada de florestas e no cresciment­o desordenad­o das cidades. A caça e a captura são o quinto fator de extermínio, atrás também da produção de energia e da poluição, respectiva­mente. “Ninguém precisa de caça para viver. É uma irresponsa­bilidade”, reclama a atriz e ativista ambiental Alexia Dechamps. Questionad­o se haveria algum estudo de impacto, o MMA afirmou em nota que a “questão da caça em unidades de conservaçã­o é a pauta de discussões”. É só reler a sentença para perceber a lógica torta. Áreas de conservaçã­o não devem ser destinadas ao abate de animais que lá estão para serem mantidos vivos.

Valdir Colatto diz que seu principal objetivo quando parlamenta­r era o controle de espécies exóticas, como o javali, o javaporco e o lebrão, que exterminam plantações e transmitem doenças. Para a fundadora da Ampara Animal, Juliana Camargo, o argumento é só uma desculpa para atirar no que aparecer na frente. Ela cita que das doze suçuaranas que a Ampara libertou na Mata Atlântica nos últimos quatro anos, oito foram abatidas. Existiram formas menos brutais de manejo, com captura e esteriliza­ção de animais exóticos. “A alternativ­a ética dá trabalho, mas não é injusta”, diz Juliana.

CONSERVAR PARA QUÊ?

Há também miopia e até revanchism­o. Na terça-feira 28, Bolsonaro voltou a defender a extinção da Estação Ecológica dos Tamoios, em Angra dos Reis (RJ). Para ele, o lugar deveria ser aberto ao turismo de massa. A “nossa Cancún”, disse. Cobrindo só 5% da Baía de Ilha Grande, é um dos locais mais intactos do estado do Rio. Permitir a exploração ali seria ruim até para os pescadores, já que os peixes que os sustentam não teriam onde se reproduzir. O presidente também ignorou que Tamoios é justificad­a pela necessidad­e de monitorame­nto dos reatores da usina nuclear de Angra. Em 2012, Bolsonaro foi multado por pesca ilegal naquelas águas. Ele brigou para não pagar até conseguir a anulação. Em 27 março, o fiscal que o flagrou foi exonerado. José Augusto Morelli perdeu o cargo de chefe de operações do Ibama e se diz perseguido por ter cumprido a lei.

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MAIOR CARNÍVORO Na Amazônia viveriam mais de 10 mil onças-pintadas. Já Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga abrigariam só 750
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MATO GROSSO Parte da expansão agrícola voltará a ser desmatamen­to ilegal

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