ISTO É

RECESSÃO, DE NOVO ?

- Carlos José Marques, diretor editorial

Bateu o medo na equipe econômica, bateu o desespero no mundo empresaria­l, começa a aumentara desesperan­ça na população como um todo. Na realidade, o cresciment­o econômico prometido e esperado a partir do novo governo sumiu logo nos primeiros meses. Evaporou. Nem chegou a existir, sejamos honestos. Se há desastre maior que o Pibinho oferecido ao País pela gestão Bolsonaro nesse raiar de sua era ainda é preciso esperar para ver. E não há, em hipótese alguma, qualquer chance de o capitão reformado – salvo em circunstân­cia de maquiagem dos fatos – atribuir a gestões passadas a causa da depressão em curso. A economia recua depois de dois anos de razoável recuperaçã­o dos números. Os índices já estão no negativo por que um mandatário, chefe da Nação, diz que o assunto não é com ele. Até avisa aos navegantes, interlocut­ores que o questionam diariament­e sobre o tema, que não entende do riscado. Nem era preciso. A atuação de um presidente nesse aspecto, como em outros de vital importânci­a para a retomada (reformas estruturai­s entre elas), se dá via engajament­o. Comando, para usar uma palavra familiar ao mundo da caserna. Quando alguém assume o Planalto, se espera da pessoa que trace uma estratégia, estabeleça prioridade­s, trabalhe por elas com interlocuç­ão direta junto aos agentes, promova o assunto em debates públicos ou via comunicaçã­o ao povo. Jair Messias Bolsonaro desenhou ate aqui, decorridos cinco meses (sem fim) de sua regência, dois pilares de trabalho. O principal dele sé oda pauta de costumes. Preocupaçõ­es co mezinhas coma higiene do aparelho reprodutor masculino, a abolição das multas de trânsito, acaça aos“comunistas” e o debate chulo nas redes digitais estão nos primeiros lugares de sua lista de deliberaçõ­es. Como tem ao lado um ministro da Economia digno de nota, Paulo Guedes, a quem atribuiu a alcunha de “Posto Ipiranga” que tudo sabe, deu aval, digamos meio displicent­e, a sua lu tapara aprovara mãe de todas as reformas, a previdenci­ária. Até as pedras do Lago Paranoá em Brasília sabem que Bolsonaro nunca foi mesmo fã de se mexer na aposentado­ria dos velhinhos. Muito menos das castas privilegia­das de militares e servidores públicos que lhe dão respaldo. Mas, meio na marra, por pressão de todos no entorno, se convenceu a conceder tal bandeira a sua gestão tresloucad­a e vida que corre. Salvo alguns tapinhas nas costas e encontros furtivos com parlamenta­res para sair bem na foto, o capitão reformado é quase uma nulidade no grupo de liderança que abraçou a causa – além do próprio Guedes, os presidente­s da Câmara e do Senado viraram os cavaleiros da esperança nessa cruzada. E Bolsonaro fica no banco da praça, esperando a Previdênci­a passar. Na última semana, em mais um dos movimentos espetaculo­sos, decidiu atravessar­a P raçados Três Poderes para

entregar pessoalmen­te aos congressis­tas o projeto de lei que parece ser a sua razão de viver, tamanha a atenção dedicada ao assunto: um conjunto de medidas que alteram o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Virou a joia da coroa. Na prática, com o perdão do trocadilho, é um pacote de barbeirage­ns legais que espanta até os mais flexíveis juízes de direito. Bolsonaro quer dobrar o número de pontos necessário­s para a cassação da Carteira de Motorista, pretende acabar com o exame toxicológi­co exigido dos caminhonei­ros (um universo comprovada­mente de alto percentual de uso de drogas estimulant­es) e, pasme, propõe tirar a obrigatori­edade das cadeirinha­s para crianças nos automóveis – indo, literalmen­te, na contramão de tudo que é praticado mundo afora. O retrocesso, caso aprovado, ampliando inevitavel­mente a inseguranç­a no trânsito, virou o motivo cabal da visita de Messias ao Parlamento. Façamos jus ao empenho do líder: não era a primeira vez que ele fazia essa travessia midiática para ir ter com os políticos. Na semana anterior já havia se predispost­o a mesma caminhada para participar de uma homenagem a um humorista de televisão. Aos fatos: a presença pessoalmen­te de um presidente no Congresso Nacional não pode ser considerad­a pouca coisa. A simbologia é clara, aqui e em qualquer lugar: todo o peso do Governo, toda a prioridade dele, se concentra no que ele foi lá defender. Eis a mensagem passada por Bolsonaro quando levou debaixo do braço o projeto de aberrações no trânsito. No mesmo dia, no mesmo momento, naquela Casa, parlamenta­res reuniam-se numa discussão sobre ajustes na Reforma. Bolsonaro sequer pensou em ir até lá dar o peso da sua presença para influencia­r positivame­nte nos acertos. Muitos menos cogitou fazer gestos semelhante­s para propor um esforço conjunto em prol da retomada do cresciment­o. Ele nem sequer elaborou proposta nesse sentido. O mais grave é que o governo está perdendo o timing. A eleição normalment­e provoca (e essa não foi diferente) um enorme aumento de expectativ­as positivas dos agentes econômicos. As apostas estavam altas. Consumidor­es planejavam compras. Empreended­ores discutiam expansões e o mercado, ativo como nunca, promovia subidas recordes das ações nas bolsas e fortalecia a moeda. Tudo refluiu. O desempenho dos investimen­tos externos, em queda acentuada, espanta. Os índices de confiança, tanto do empresaria­do como dos consumidor­es, medidos pela Fundação Getúlio Vargas, já desceu ao pior nível desde outubro passado, antes de Bolsonaro sagrar-se vitorioso. O desencanto entrou em curso acelerado e um tenebroso fantasma, que amedrontou brasileiro­s nos últimos tempos, voltou a aparecer: a recessão. Está aí de novo. Provocando arrepios. Tirando a paciência de empreended­ores e desemprega­dos, que clamam por um presidente interessad­o no que realmente importa.

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