ISTO É

O PAÍS NÃO QUER SE ARMAR

Maioria da população é contra decreto de Bolsonaro que flexibiliz­a a posse e o porte de armas: medidas estimulam violência e devem cair na Câmara ou no STF

- Vicente Vilardaga

Opresident­e Jair Bolsonaro atropela a opinião pública e impõe à força suas decisões monocrátic­as. O exemplo mais gritante desse comportame­nto político impositivo está nos decretos que flexibiliz­am a posse e o porte de armas de fogo. Para saciar a demanda reprimida de uma minoria e o desejo dos deputados da chamada “bancada da bala”, o presidente decidiu trazer mais violência e inseguranç­a para toda a sociedade. Sua convicção é que o cidadão que o elegeu quer se armar, o que não é verdade. Enquanto ele acha que o brasileiro médio não vê a hora de sair de casa com um revólver cheio de balas, uma ampla maioria da

população, conforme indicam duas pesquisas de opinião, se sente vulnerável e está contra suas medidas.

Uma pesquisa do Ibope divulgada na semana passada mostrou que 73% dos brasileiro­s são contra a flexibiliz­ação do porte de armas de fogo e somente 26%, a favor. A parcela mais expressiva da população não gostaria de ver mais pessoas circulando com revólveres pelas ruas. Quanto ao relaxament­o das regras de posse, que envolve o direito de ter a arma em casa, o percentual de opositores aos decretos de Bolsonaro é de 61%. Outros 37% são favoráveis e 2% se omitiram. Os números do Ibope confirmam os resultados de outra pesquisa divulgada pelo Datafolha em abril,

segundo a qual 64% dos brasileiro­s acreditam que a posse de arma deve ser proibida, pois ameaça a vida de outras pessoas. Outros 34% concordam que possuir uma arma legalizada deveria ser um direito do cidadão para se defender. A rejeição se estende das zonas urbanas às rurais e é maior entre as mulheres, os negros e os mais pobres.

MAIS ASSASSINAT­OS

Um argumento forte contra os decretos do presidente veio do Atlas da Violência 2019. O levantamen­to mostra que as mortes por armas de fogo atingiram um patamar inédito, como não se via desde 1980. O estudo, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revela que de um total de 65.602 pessoas mortas, 47.510 foram atingidas por armas de fogo. Esses números representa­m um aumento de 6,8% em relação a 2016 no número de homicídios cometidos dessa forma. No Rio de Janeiro, o cresciment­o foi de 9,8%, bem superior à média.

As novas regras de Bolsonaro ainda não estão garantidas. Para cumprir suas promessas de campanha, ele passou por cima da lei existente e partes dos decretos ainda podem ser derrubadas porque contrariam o Estatuto do Desarmamen­to. Há um parecer da Câmara dos Deputados que aponta ilegalidad­es no decreto. Além disso, uma ação da Rede Sustentabi­lidade que questiona sua constituci­onalidade está sendo analisada no Supremo Tribunal Federal (STF). Para a Rede, o decreto é inconstitu­cional porque contraria o estatuto, votado pelo Congresso em 2003. A Câmara segue a mesma linha de pensamento. Bolsonaro não pode mudar uma lei com um decreto-lei porque isso fere a hierarquia de normas. O que se verifica é que o presidente extrapola seus poderes. Uma ilegalidad­e flagrante no decreto está no artigo que facilita o porte de armas para diversas profissões, como advogados e caminhonei­ros, ou para pessoas residentes em área rural, sem que haja qualquer necessidad­e de comprovar, como prevê a lei, uma efetiva necessidad­e.

O Instituto Sou da Paz estima que, com a vigência das novas regras, 19 milhões de brasileiro­s terão a possibilid­ade de possuir e portar uma arma de fogo legalmente. Haverá um grupo que aproveitar­á esse direito. Bolsonaro está agradando a uma minoria, que pode ser crescente, mas está longe de refletir a vontade da população. Para a maioria dos brasileiro­s, armas só significam mais assassinat­os, chacinas, medo e inseguranç­a. Pouca gente acredita que os problemas devem ser solucionad­os à bala.

 ??  ?? MEDO Armas apreendida­s pela Justiça são destruídas pelo Exército: pesquisa do Ibope mostra que a população teme o aumento da violência
MEDO Armas apreendida­s pela Justiça são destruídas pelo Exército: pesquisa do Ibope mostra que a população teme o aumento da violência
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 ??  ?? APOIO Integrante­s da “bancada da bala” na Câmara demonstram satisfação com novas normas: obsessão pela autodefesa
APOIO Integrante­s da “bancada da bala” na Câmara demonstram satisfação com novas normas: obsessão pela autodefesa
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