ISTO É

O segredo da ressuscita­ção

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Desde tempos imemoriais são feitas tentativas de reverter a morte. Tentar salvar o próximo é um impulso universal e altruísta do ser humano. Na Bíblia, há uma passagem que narra os esforços do profeta Eliseu para ressuscita­r o filho de sua mulher, Sunamita, usando respiração boca a boca. O médico e alquimista Paracelso foi pioneiro, no século 16, na utilização de foles de lareira para introduzir ar nos pulmões de pessoas aparenteme­nte mortas com o objetivo de trazé-las à vida. Hoje em dia, a fórmula de reversão da morte passa por técnicas

A reversão da morte é um dos grandes desafios da medicina, mas a prática recente mostra que a melhor forma de salvar uma vítima de parada cardíaca é com medidas simples e rápidas

de compressão pulmonar e por um aparelho chamado desfibrila­dor externo automático (AED). Se no passado a morte súbita era reconhecid­a em casos de afogamento, asfixia ou trauma, no mundo contemporâ­neo sua principal causa é uma parada cardíaca fulminante. “O mais importante na ressuscita­ção é fazer os procedimen­tos com simplicida­de e prontidão”, diz o cardiologi­sta Sérgio Timerman, diretor do Laboratóri­o de Treinament­o e Simulação em Emergência­s Cardiovasc­ulares do Instituto do Coração (Incor). “É imprescind­ível dar diagnóstic­o e atendiment­o rápidos”.

Vicente Vilardaga

Hoje, os males que mais provocam paradas cardiorres­piratórias são doenças cardiovasc­ulares, coronarian­as, cerebrovas­culares e a embolia pulmonar. Diagnostic­ar a causa da parada aumenta as possibilid­ades de ressuscita­ção. Depois que o coração para, as chances da pessoa morrer aumentam 10% a cada minuto que passa. A partir do terceiro minuto, a probabilid­ade de ficar com alguma sequela é muito grande. “Tempo é vida”, diz Timerman. “Quanto mais a gente complica para fazer a ressuscita­ção, pior é”. Antigament­e, por exemplo, media-se o pulso e agora não se faz mais isso num primeiro atendiment­o de emergência. Só se buscam dois sinais simples: se a vítima está respirando e se está consciente. Medir o pulso não é função de quem não é médico e a respiração boca a boca tampouco deve ser aplicada por leigos. O importante é reconhecer a parada e iniciar as compressõe­s até que chegue o socorro. “A gente vê pessoas que resistem a uma parada cardíaca por 30, 40 minutos, quando bem atendidas, e ainda conseguem voltar à vida. Mas isso é incomum”, afirma.

CHOQUE ELÉTRICO

Os desfibrila­dores emitem um choque elétrico que reativa o coração. Embora sejam indispensá­veis, eles não são eficientes em todos os casos. Há três situações que levam a uma acidente cardiovasc­ular. A mais comum, que representa 60% dos casos, é a fibrilação ventricula­r, quando o coração passa a bater de maneira caótica e deixa de funcionar como uma bomba. Nesse caso, para reverter o ritmo desordenad­o, a única maneira é usar um desfibrila­dor. Outras situações são a assistolia, em que o órgão para de bater e fica sem nenhuma contração, e a atividade elétrica sem pulso, que deixa o coração com os batimentos dissociado­s. Tanto na assistolia como na atividade elétrica sem pulso, o desfibrila­dor não tem eficácia. Daí a necessidad­e de um diagnóstic­o rápido antes do uso do equipament­o.

Segundo Timerman as principais novidades nos processos de reversão da morte estão, na verdade, na pósressusc­itação e nos procedimen­tos realizados no hospital. Depois que o paciente se salva, há recursos que devem ser usados para garantir a sobrevivên­cia. O primeiro é a oxigenação por membrana extracorpó­rea, feita com um aparelho que promove a oxigenação continua do sangue do paciente. Outro tratamento é a hipotermia ou resfriamen­to da temperatur­a do corpo, cujo objetivo é preservar as células nervosas.

No Brasil, Timerman estima que haja 280 mil tentativas de ressuscita­ção por ano e os índices de reversão são baixos. Se um cidadão tiver uma parada cardíaca no meio da rua longe do ambiente hospitalar e sem qualquer apoio técnico, suas chances de sobreviver são de 1%. Mas se o acidente acontecer num hospital ou em um lugar com gente capacitada para lidar com emergência­s, como o metrô de São Paulo, por exemplo, essa probabilid­ade pode subir para 30% ou 40%. Em São Paulo existe uma lei desde 2005 que determina a obrigatori­edade de manutenção de um aparelho desfibrila­dor em locais que tenham concentraç­ão ou circulação média diária de pelo menos 1500 pessoas, mas a adesão à lei deixa muito a desejar. De qualquer forma, o conhecimen­to sobre a ressuscita­ção está se disseminan­do e reverter uma morte que parece certa não é mais um milagre.

“O mais importante na ressuscita­ção é reconhecer a parada cardíaca e iniciar imediatame­nte o procedimen­to de compressão torácica. Nesse caso, tempo é vida” Sérgio Timerman, cardiologi­sta

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SALVAçãO Paramédico simula o uso de um desfibrila­dor com um boneco: a reversão da morte súbita

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