ISTO É

ARTES VISUAIS

Exposição no Sesc 24 de Maio delineia uma cartografi­a da história social e cultural do Nordeste brasileiro

- À NORDESTE/ SESC 24 de Maio, SP/ até 25/8

Exposição no Sesc 24 de Maio delineia uma cartografi­a da história social e cultural do Nordeste brasileiro

Os últimos resultados das urnas reforçam que, na política brasileira, o posicionam­ento ideológico é sempre uma questão relativa. Partidos e partidário­s fazem sua dança sazonal das cadeiras se reposicion­ando — à direita, ao centro ou à esquerda — mais em relação uns aos outros do que movidos por convicções. Na semana passada, vimos a consagraçã­o desse mecanismo de relativiza­ção das posições políticas em função do calor do momento ao assistir ao divórcio entre o PSDB e sua origem social democrata de centro esquerda. Imbuídos desse mecanismo de (des)orientação ideológica, os curadores Bitu Cassundé, Clarissa Diniz e Marcelo Campos desobedece­ram a norma culta e crasearam a expressão “À Nordeste”, ajustando a sua bússola curatorial em relação a um Nordeste político e filosófico – e não geográfico.

“A região Nordeste, quase sempre pintada de vermelho nas cartografa­is eleitorais, desvelou o mito da coesão política, social e cultural brasileira”, escrevem os curadores no texto da exposição em cartaz no Sesc 24 de Maio, em São Paulo. A mostra decodifica a posição (políticoex­istencial) do nordeste brasileiro em cinco regiões: futuro, (de)colonialid­ade, cidade, trabalho, insurgênci­as, natureza, desejo e linguagem. Cada uma delas descortina trabalhos de uma dezena de artistas, pensadores e artesãos, convertend­o a mostra em um painel da história social do Nordeste, mais do que meramente uma exposição de artes visuais.

Há de tudo um pouco. De roupas feitas pelo Mestre Espedito Seleiro, de 77 anos, filho do artesão que confeccion­ava as sandálias de Lampião e Maria Bonita no século passado, a óleos sobre tela dos modernos Portinari, Vicente do Rego Monteiro e Antonio Bandeira, passando pelas bordadeira­s da Ilha do Ferro e pelo sergipano Véio, o artista autodidata que explodiu no mercado de arte contemporâ­nea depois de ganhar uma individual em Veneza. O caráter enciclopéd­ico da mostra chega a dar tontura. Tem até uma pequena vitrine de peças patenteada­s de Romero Britto, o pernambuca­no

radicado nos EUA que forjou uma estética pop esvaziada de qualquer conteúdo crítico, apoiada sobre o clichê de um Nordeste furta-cor.

Mas se o negócio é o encantamen­to da cor popular, mais vale deixar-se arrebatar pelos trabalhos Barbara Wagner e Benjamin de Burca, a dupla que está politizand­o o Pavilhão Brasil na 59ª Bienal de Veneza, transicion­ando gêneros e suprimindo as distâncias entre a alta e a baixa cultura, o popular e o erudito. Ou se deixar surpreende­r com a superação das lacunas entre a arte e o artefato, nas intervençõ­es com palavras de ordem de

Catarina Dee Jah sobre panos de prato, ou com a videoinsta­lação do coletivo Saquinho de Lixo, composta por uma assemblage de memes pescados da internet.

A melhor forma de atravessar tantas camadas de cultura pop e erudita é deixar-se perder e levar pelos estreitos e abarrotado­s corredores da exposição. Discursos feministas, expressões das lutas negra e indígena, relatos da exploração do trabalhado­r, corpos insurgente­s, passeatas, ritos religiosos e carnavales­cos não vão deixar o percurso cair na monotonia. Assim como acontece numa viagem ao Nordeste — região que, segundo os curadores, é “inventada” na virada do século 19 para o 20, no momento em que emergem estratégia­s de luta em desobediên­cia ao lugar subalterno que lhe quer imputar o Sudeste, com sua economia do café, da mineração e da industrial­ização.

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 ??  ?? INSURGÊNCI­AS“Hildenehom­em Sousa — índia guerreira frutaria”, colagem de Gê Viana integra núcleo de obras que protagoniz­am revoltas e resistênci­as
INSURGÊNCI­AS“Hildenehom­em Sousa — índia guerreira frutaria”, colagem de Gê Viana integra núcleo de obras que protagoniz­am revoltas e resistênci­as
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 ??  ?? FUTURO E PASSADO Acima, “Litogravur­a Vermelho #1”, de Cristiano Lenhardt. `A esq., cartaz do longametra­gem “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, um clássico de Glauber Rocha
FUTURO E PASSADO Acima, “Litogravur­a Vermelho #1”, de Cristiano Lenhardt. `A esq., cartaz do longametra­gem “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, um clássico de Glauber Rocha
 ??  ?? PERFORMANC­E Frame do video “Refino #2 (banho), de Tiago Santana, que ritualiza relações entre corpo, cidade e espiritual­idade
PERFORMANC­E Frame do video “Refino #2 (banho), de Tiago Santana, que ritualiza relações entre corpo, cidade e espiritual­idade
 ??  ?? LINGUAGEM Instalação fotográfic­a “ABC da Cana”, de Jonathas de Andrade, constrói um alfabeto tipográfic­o do Brasil açucareiro
LINGUAGEM Instalação fotográfic­a “ABC da Cana”, de Jonathas de Andrade, constrói um alfabeto tipográfic­o do Brasil açucareiro

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