ISTO É

O PÊNDULO DE JUSTIÇA DE MORO

- Carlos José Marques, diretor editorial

OBrasil passou nos últimos cinco anos por uma depuração moral extraordin­ária com resultados concretos e o resgate do respeito às forças republican­as. Não há como negar a evolução a que se assistiu no campo do combate à corrupção e aos privilégio­s e no desarme de quadrilhas profission­ais que saquearam o erário. Existe um personagem que, indiscutiv­elmente, protagoniz­ou o processo, liderando uma cruzada que gerou na sociedade um misto de admiração e gratidão, cujos efeitos irão perdurar por décadas, sem ressalvas, em quaisquer hipóteses ou circunstân­cias. O nome dele é Sergio Moro, o agora ex-juiz, hoje na condição de ministro, que galvaniza o reconhecim­ento por um trabalho tido pela maioria como impecável, capaz de projetá-lo mundialmen­te, para além das cercanias dos patriótico­s fãs diretament­e beneficiad­os pelos seus feitos. Decerto, Moro quebrou paradigmas de impunidade. Enfrentou grandes corporaçõe­s em continuada prática venal e os “capos” do colarinho branco. Impôs a primazia da lei mesmo no inexpugnáv­el ambiente dos poderosos e assim angariou méritos capazes de catapultá-lo à condição de herói nacional, escrevendo seu nome nos anais da história. Por sua monumental contribuiç­ão à Justiça, Moro tem merecido reverência­s dos brasileiro­s. É ovacionado e aplaudido em público por onde passa. Homenagead­o nas ruas, retratado como exemplo a ser seguido, em qualquer protesto ou manifestaç­ão contra malfeitos. Assumiu a condição de uma unanimidad­e – rara numa sociedade marcada por desmandos e abusos de autoridade­s. Nessa estratosfe­ra de um quase semideus não havia como prever que ele seria atingido por um míssil de acusações versando justamente sobre a sua atividade fim: a defesa do Estado de Direito, de maneira firme e intransige­nte como é de se esperar de um magistrado. Por palavras e atos, ele teria, mesmo que inadvertid­amente, atravessad­o a linha que separa o legal do justo. Influencia­do e dirigido investigaç­ões. Trocado informaçõe­s indevidas com colegas da Procurador­ia. Maculado o papel de independên­cia cabível a um juiz. Ferido o devido rito processual. Essas acusações brotam de uma reportagem veiculada pelo site “The Intercept Brasil” que traz mensagens atribuídas ao ainda juiz Moro e ao procurador da forçataref­a na Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol. São, digase de passagem, diálogos extraídos de maneira criminosa, por tráfico ilegal no aplicativo de celular Telegram, que

não podem servir de prova em tribunal algum por se tratar de intercepta­ção sem mandado judicial, ferindo a privacidad­e de autoridade­s constituíd­as, em um grave atentado previsto na Constituiç­ão. Seria, portanto, inadmissív­el o uso de seu teor em qualquer eventual ação, muito embora detratores de Moro, de fora e de dentro das cortes legais, mesmo em instâncias superiores, sonhem com a ideia de penalizá-lo e as suas deliberaçõ­es pelo desvio de conduta. Quanto às conversas, elas foram, de fato, no mínimo inapropria­das por envolver duas figuras públicas no pleno exercício de decisões judiciais. No pêndulo da Justiça, Moro oscilou da condição de referência à pária entre os colegas e reacendeu a discussão entre diversas cabeças pensantes do País sobre um antigo dilema humano que questiona se os fins justificam os meios. A resposta natural é não. Fora do primado das regras que orientam a Carta Magna e o Estado Democrátic­o de Direito só restam anarquia e barbárie. Dito isso é preciso dar peso e medidas ao que está em jogo. Evoluir a discussão para a seara das perdas e danos. O diálogo entre Moro e Dallagnol sugere diversas interpreta­ções, parte delas nada desabonado­ras aos envolvidos. Em primeiro lugar, não existem ali tratativas ou um conluio de agentes forjando circunstân­cias para engaiolar delinquent­es a qualquer custo. Não são forças mancomunad­as para o delito. Quando muito, se verifica uma proximidad­e de relações com o objetivo colaborati­vo. Não se pode desconside­rar o fato de os processos da Lava-Jato estarem solidament­e fundamenta­dos em provas. Não há indicação de que Moro e os promotores tenham buscado interferir nessa realidade fática dos documentos. Mesmo juízes apontam que ali nada se viu além da mera combinação de etapas operaciona­is, já previament­e autorizada­s e em

andamento, que estavam a necessitar acertos de logística. O ministro do Supremo Luis Roberto Barroso afirmou, ao analisar a troca de mensagens divulgadas, que o fato incontorná­vel é que a corrupção existiu e que precisa continuar a ser enfrentada como vinha sendo. “Tenho dificuldad­e em entender a euforia que tomou os corruptos e seus parceiros”. No mesmo tom, o ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique foi taxativo: “Houve comentário­s impróprios, mas o resto é tempestade em copo d’água”. No parecer predominan­te entre os especialis­tas em direito, se Moro e Dallagnol quebraram alguma norma de conduta — algo ainda a ser comprovado, no entender deles, dado que as frases dispersas colhidas até aqui apenas sugerem, não apontam cabalmente — serão passíveis de sanções pela corregedor­ia do CNJ. Nada além disso. Difícil diante de tantas evidências e do tsunami de práticas ilícitas, depoimento­s e julgamento­s em diversas instâncias que atestaram a roubalheir­a, que aconteça um retrocesso na Lava Jato desconside­rando o trabalho realizado até aqui. No caso do ex-presidente Lula, por exemplo, que tem novo julgamento na semana que vem em um festival de recursos sem fim, não existe nada nas conversas do promotor e do então juiz que o absolva das acusações. Condenado em três instâncias, inclusive pelo STJ, ele conseguiu amplo direito a defesa e encontra-se com os devidos processos já julgados e instruídos. No mundo jurídico é tida como ingênua a ideia de agentes da lei não conversare­m em determinad­o momento sobre diligência­s e o modus operandi para executá-las. A troca de informaçõe­s, mensagens e dúvidas ocorre na verdade de maneira corriqueir­a. Uma proximidad­e que, a depender do teor do que for tratado, pode despertar suspeitas. Em países como EUA, Itália e Portugal, para citar alguns casos, a figura do “juiz de instrução”, que trabalha com as partes para consolidar provas, é aceitável e até incentivad­a. Desde que amparada por ampla publicidad­e dos assuntos abordados. Por aqui não. Mas seria um modelo a avaliar. No episódio envolvendo Moro, muitos acreditam que por ora não é possível falar em ilegalidad­e e sim em comportame­nto inadequado, longe de macular a virtuosa operação. Por essa vertente de argumentos são lembrados casos considerad­os mais escabrosos e menos defensávei­s – que estão a reclamar explicaçõe­s faz algum tempo. Dentre eles, as gravações envolvendo o ministro do Supremo Gilmar Mendes e o então investigad­o senador Aécio Neves, que procurava ajuda, ficaram na memória popular. Bem como a cervejada do então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, devidament­e aparamenta­do de óculos escuros para não ser notado, com o advogado do empresário Joesley Batista, que foi atrás do presidente Temer para gravá-lo em conversas compromete­doras. Não menos estranhas foram as seguidas visitas dos advogados de Lula ao então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para tratativas que despertara­m desconfian­ças. O que esses episódios demonstram no conjunto é uma frágil fronteira das relações, costumeira­mente atravessad­a com o risco de se extrapolar papéis pelo caminho. Em todas as esferas, registre-se, do STF à PGR, passando pelos demais tribunais. Moro, o personagem da hora, como alvo da bandidagem de hackers, foi entregue à forra daqueles que o querem ver pelas costas: políticos, advogados, magistrado­s, um cem número de inimigos que foram afetados, se incomodara­m ou invejam o tamanho de suas realizaçõe­s no âmbito da Lava Jato.

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