ISTO É

A CONSTITUIÇ­ÃO E O TRABALHO FORÇADO

- por Antonio Carlos Prado A seguir: Luís Antônio Giron, Sérgio Pardellas, Vicente Vilardaga, Germano de Oliveira, Mário Simas Filho

Quando legislam sobre matéria penal, os congressis­tas brasileiro­s costumam jogar para a plateia — foi assim, por exemplo, com a excessiva tipificaçã­o de crimes hediondos, sem que a violência tenha dado sinais de recuo e, também, sem que os índices de reincidênc­ia criminal se mostrem em queda. Comportame­nto igual dos legislador­es se vê na área da política penitenciá­ria, com desdobrame­ntos na execução da pena. Agora assistimos à Comissão de Direitos Humanos do Senado trilhando um caminho inconstitu­cional ao aprovar o projeto que obriga os presidiári­os a ressarcire­m o Estado pelos gastos relacionad­os a sua prisão. O Brasil tem aproximada­mente setecentos e cinquenta mil presos. Como a esmagadora maioria deles não possui condições de arcar com tal ressarcime­nto, o projeto estabelece que o prisioneir­o compulsori­amente trabalhe na cadeia e de seu minguado salário mensal sejam descontado­s 25%.

O jogo, mais uma vez, é apenas grande encenação — na prática não trará nenhum resultado, até porque fere de frente a Constituiç­ão e a Lei de Execução Penal (LEP). Pela Carta brasileira, o presidiári­o tem o direito de trabalhar, assim como qualquer cidadão livre, mas jamais a

obrigação: isso seria condenar o sentenciad­o a trabalhos forçados, situação vedada pela Constituiç­ão e pela Lei 7.210, de 1984. Significar­ia retroceder­mos às Ordenações Afonsinas (1446), às Ordenações Manuelinas (1521) e às Ordenações Filipinas (1603), todas vigentes no período do Brasil colonial.

Há, finalmente, um outro ponto que a Comissão de Direitos Humanos do Senado parece desconhece­r. São ainda raras as cadeias brasileira­s que possuem condições físicas ou interesse de seus diretores em oferecer trabalho

Pela Constituiç­ão do Brasil, o presidiári­o, assim como qualquer cidadão livre, tem o direito de trabalhar — mas não a obrigatori­edade

digno aos institucio­nalizados — ou seja, ainda que o preso deseje trabalhar (valendo-se da prerrogati­va legal e constituci­onal de ter um dia da sentença remido a cada três dias trabalhado­s), a ele não é oferecida essa oportunida­de. Melhor seria se o Senado exercesse seu legítimo poder de legislatur­a, empenhando-se de fato na urgente e tão necessária transforma­ção das masmorras que configuram o nosso sistema penitenciá­rio, em todo o território brasileiro, em instituiçõ­es que operassem com olhos na dignidade e ressociali­zação do apenado.

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