ISTO É

AS REGRAS DO JOGO

- por Rodrigo Constantin­o

Como derrotar um terrorista só com o uso das leis? Como combater uma quadrilha sem qualquer desvio da pureza ética? Como vencer um demagogo numa eleição sem qualquer apelo ao populismo? A crítica que muitos direitista­s fazem aos liberais é que estes pregam um puritanism­o ingênuo diante de um inimigo disposto a praticar os mais bizarros atos para manter o poder. E por isso sempre perdem para a esquerda.

Há um ponto aqui. Inúmeros filmes e séries relatam a região cinzenta que é a ação policial contra bandidos, isso para não falar da CIA em assuntos geopolític­os. A tensão entre a transparên­cia dos agentes públicos e a segurança nacional será eterna e insolúvel. Trata-se, afinal, de um dilema moral, sem possibilid­ade para pensamento­s maniqueíst­as e binários. Se o terrorista sabe onde está a bomba que vai detonar uma escola, quem está disposto a rejeitar o uso da tortura para se obter tal informação? Quem vai conviver com aquelas mortes todas na consciênci­a?

Estou no fim da intermináv­el série “Blacklist”, que trata justamente disso. Um dos mais procurados bandidos se torna informante do FBI e, graças a esse acordo, vários marginais perigosos são presos. Mas até onde vai o pragmatism­o? Um dos policiais, o “senhor certinho”, que faz tudo dentro da estrita lei, descobre da pior forma possível que até mesmo ele pode precisar dos serviços ilegais um dia. A lei e a justiça nem sempre andam juntas.

Mas quem decide?

Se um juiz passa do limite legal ao liberar áudios de um ex-presidente prestes a se transforma­r em ministro, num esquema explícito para garantir sua impunidade, e com isso garante a punição justa de um notório marginal, isso deve ser condenado por purismo legalista? Eis o problema: até onde vai o esgarçamen­to desse limite legal? Até os heróis adotarem métodos parecidos com os dos vilões? É complicado estabelece­r um limite. Por isso a importânci­a das regras do jogo, com foco no longo prazo.

“Breaking Bad” é até hoje imbatível, a melhor série de todas. Eis seu recado: cuidado com pactos mefistofél­icos, pois eles costumam representa­r uma ladeira escorregad­ia. Ao cruzar o Rubicão, desviar-se do caminho correto e passar a fazer coisas erradas, o mal toma conta da situação. A virtude é uma prática constante, um exercício diário de escolhas éticas e morais. Quando é temporaria­mente abandonada em prol de um resultado imediato, nem sempre há volta. Dependendo da magnitude do desvio, tende a ser permanente. E sempre haverá um alto preço a ser pago por isso.

Não sou ingênuo. Ainda prefiro viver em um país cujos agentes públicos esticaram um pouco a corda do que numa Venezuela qualquer, onde a lei morreu de vez. Mas é preciso ter cuidado. Críticas aos excessos da Lava Jato não são sinônimos de defesa dos corruptos.

Criticar a Lava Jato não é defender a corrupção. Apesar disso, prefiro um país onde os agentes públicos vão um pouco mais longe do que viver numa Venezuela qualquer

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