ISTO É

O que será do Museu Nacional

Doações estrangeir­as de dinheiro e obras mostram que outros países estão mais preocupado­s com a reconstruç­ão do palácio da Quinta da Boa Vista do que os próprios brasileiro­s

- Guilherme Sette

Costuma ser consenso entre autoridade­s, sociedade e instituiçõ­es públicas que o Brasil não cuida bem de sua cultura nem de sua história. É a pura verdade. O incêndio que devastou o Museu Nacional em setembro de 2018 é uma prova desse comportame­nto desleixado. O incidente reduziu a cinzas os mais de 200 anos de história da instituiçã­o, que ainda caminha lentamente rumo a sua reabertura. Na semana passada, começaram algumas obras. O museu ganhou uma cobertura temporária azul de material metálico e houve a liberação de cerca de R$ 900 mil do Ministério da Educação (MEC) para reconstruç­ão da fachada. Mas a burocracia ainda atravanca sua reconstruç­ão. Embora existam outros recursos anunciados, não há prazo para que esse dinheiro seja liberado e aplicado.

Há, por exemplo, R$ 55 milhões destinados ao museu por uma emenda parlamenta­r dos deputados do Estado do Rio de Janeiro – que no momento viraram R$ 41,3 milhões devido ao contingenc­iamento de gastos que deve ser cumprido mediante a lei de responsabi­lidade fiscal e a lei de diretrizes orçamentár­ias. A emenda foi aprovada em outubro do ano passado, mas até agora o dinheiro não foi liberado porque é necessária a aprovação do plano de trabalho enviado pela Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entidade que administra o museu. Não se sabe quando a aprovação acontecerá. Há outros recursos empenhados para a restauraçã­o do museu, como cerca de R$ 16 milhões do MEC. Parte desse valor, que ja foi liberado, será utilizada em parceria com a UNESCO, que se compromete­u com os projetos de reconstruç­ão do palácio.

Entre indecisões e atrasos, o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, traça o plano de abrir a primeira sala do museu para visitação daqui a três anos, mas, para isso, a reconstruç­ão precisa começar ainda em 2019. “Se não começarmos esse ano, é porque alguém errou. Precisamos do MEC e da UNESCO para que isso dê certo”, avalia. Para Kellner, a demora na disponibil­ização das verbas já era esperada. Ele confia no esforço de cooperação internacio­nal como o melhor caminho para a reconstruç­ão do museu. “No nosso caso isso é necessário porque é uma instituiçã­o que transcende as fronteiras do País, é um museu mundial”, diz. Para ele, é importante que o maior número de parceiros estejam envolvidos no processo de reconstruç­ão, pois além das questões financeira­s será preciso recompor o acervo perdido, algo que inevitavel­mente terá que vir de doações e empréstimo­s do exterior.

Na falta de apoio local, ajudas financeira­s de outros países têm pingado e deverão contribuir para que o museu volte a ser relevante. A Alemanha anunciou que doará até um milhão de euros (R$ 4,34 milhões). Uma parte desse dinheiro vai diretament­e à raiz do incêndio do Museu Nacional: será desti

“Se as obras não começarem em 2019, é porque alguém errou” — Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional

nada para a reconstruç­ão da parte elétrica do prédio. A perícia da Polícia Federal concluiu em abril que o fogo começou em um disjuntor do ar-condiciona­do do local. Além dos alemães, britânicos, através da agência British Council, também contribuír­am com cerca de R$ 150 mil. O governo italiano irá ceder artefatos arqueológi­cos para exposição no consulado italiano no Brasil, e também ajudará na restauraçã­o de peças destruídas pelo fogo. Já o museu do Louvre, na França, se compromete­u com o empréstimo de itens egípcios para recompor a coleção do museu destruída pelo incêndio – uma das mais afetadas pela tragédia.

DOAÇÕES MODESTAS

Kellner afirma que as doações, principalm­ente de pessoa física, são essenciais para manter o dia-a-dia do museu ocupado, por causa da disponibil­idade de verba. A captação é feita através da Associação Amigos do Museu Nacional, entidade voluntária que presta mensalment­e contas a respeito das doações recebidas. Até junho, mais de 1400 pessoas tinham contribuíd­o com alguma quantia, totalizand­o R$ 323 mil. O valor é quase insignific­ante frente ao total necessário para a reconstruç­ão museu – estimado em torno de R$ 100 milhões – e fica ainda mais modesto quando comparado ao arrecadado para a reconstruç­ão da catedral de Notre Dame, destruída por um incêndio em abril deste ano. No caso francês, entre doações de bilionário­s e cidadãos, foram arrecados cerca de R$ 3.3 bilhões até maio.

Kellner afirma que essa disparidad­e tem a ver com a forma com que a Europa enxerga a cultura, além de questões brasileira­s como a inexistênc­ia da tradição em doações filantrópi­cas e a falta de incentivos fiscais para isso. Mas, para ele, o motivo determinan­te é outro. “Tenho saudade dos tempos em que o Brasil era conhecido pelas praias exuberante­s, pelo belíssimo carnaval e pelo time de futebol. Hoje é pela corrupção. As pessoas não confiam que o dinheiro vai chegar sem ser desviado”. Ele cita a prisão de ex-presidente­s do País e de ex-governador­es do Rio de Janeiro como cruciais para essa percepção. O diretor planeja se aproximar mais da população com o novo Museu Nacional, incluindo rigorosa prestação de contas do valor do museu em relatórios anuais, coisa que segundo ele não ocorre com a instituiçã­o há mais de dez anos. Mas para isso o museu precisa ficar pronto.

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RESTAURAÇíO Estátua grega do tipo Koré, doada pela Imperatriz Teresa Cristina, será restaurada com ajuda de italianos
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EM OBRAS A fachada do prédio será a primeira a ser restaurada e a reabertura está prevista para 2022
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RECUPERAÇíO O Museu Nacional afirma ter recuperado 200 das 700 peças da coleção egípcia

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